O futuro do automóvel

O Estado de S. Paulo

 

O “século de ouro” do progresso tecnológico da humanidade – segundo grande número de especialistas – é o período de 1870 a 1970. Nesses cem anos foram feitas descobertas que mudaram drasticamente as condições de vida da população humana: eletricidade, automóveis, elevadores, telecomunicações e informática e a cura de grande número de doenças.

 

Pode parecer estranho colocar elevadores nessa seleta categoria, mas foram eles que abriram caminho para o adensamento da população nas grandes cidades e, consequentemente, a necessidade de transporte para os que vivem nas regiões periféricas. A “verticalização” das cidades, com inúmeros edifícios de dezenas de andares, só começou no início do século 20. Até então edifícios tinham, no máximo, três ou quatro andares.

 

A urbanização é uma tendência universal – principalmente no Brasil –, o que cria enorme pressão, dada a necessidade de infraestrutura física para atender a essa população. Tornou-se essencial desenvolver meios de transporte. O automóvel individual foi uma das respostas a esse problema.

 

O que permitiu seu desenvolvimento foi a construção dos primeiros motores de explosão interna, inventados por Étienne Lenoir em 1860 e melhorados por Nikolaus Otto. Mas foi Henry Ford, no começo do século 20, que começou a produzi-los em massa, revolucionando os sistemas de transportes. Até então – desde os primórdios da civilização – o transporte terrestre dependia do uso de cavalos (para transporte de pessoas) e bois (para transporte de mercadorias).

 

O automóvel para uso individual carrega com ele não só a capacidade de se locomover, mas também a noção de liberdade e independência, que tem profundas raízes na própria visão do mundo dos seres humanos. Além disso, sua importância econômica é fundamental para comunidades isoladas – no passado a necessidade de transporte individual era tal que o roubo de cavalos era até punido com a pena de morte.

 

Existem hoje no mundo cerca de 700 milhões de automóveis. Em alguns países, como os Estados Unidos, há – aproximadamente – um automóvel por habitante. E os países da Europa não ficam muito atrás.

 

Esse número gigantesco forçou a criação de uma imensa infraestrutura rodoviária, levou a congestionamentos monstruosos e é responsável pela principal fonte de poluição atmosférica no mundo todo. O combustível da grande maioria dos automóveis é gasolina ou óleo diesel, derivados do petróleo, cujas impurezas vão para a atmosfera. Além disso, a própria combustão produz dióxido de carbono, gás que é um dos principais responsáveis pelo aquecimento global. Cerca de 40% das emissões mundiais desse gás têm esta origem.

 

Não é de surpreender, portanto, que se procure ativamente substituir motores que usam gasolina e diesel por automóveis elétricos, em que baterias forneçam a eletricidade necessária. O Parlamento alemão entendeu bem o problema e aprovou uma resolução simples e radical para solucionar a questão: o abandono do uso de motores de explosão interna até 2030.

 

Essa medida aceleraria a transição para a adoção de automóveis movidos a eletricidade. Sucede que automóveis elétricos, apesar de já serem produzidos por algumas empresas, ainda apresentam dois problemas:

 

  • As baterias não têm a capacidade de garantir a eletricidade necessária para assegurar que o automóvel tenha uma autonomia equivalente à que é proporcionada por um tanque de gasolina nos automóveis em uso hoje (cerca de 200, 300 quilômetros);

 

  • as baterias precisam ser recarregadas a cada 100 ou 200 quilômetros e a eletricidade na Europa e nos Estados Unidos é produzida a partir de combustíveis fósseis, que emitem dióxido de carbono; de modo que automóveis elétricos não resolvem o problema do aquecimento global.

 

Esses problemas (baterias melhores e eletricidade gerada com fontes renováveis de energia, como sol e vento) serão eventualmente resolvidos, mas até lá automóveis elétricos só vão ser utilizados em grande escala em situações especiais, como no caso da Noruega e do Brasil, onde boa parte da energia é hidrelétrica, ou de países pequenos como Bélgica e Israel, onde a quilometragem rodada por dia é pequena, não exigindo recarregamento frequente das baterias.

 

O uso do hidrogênio é outra solução, mas teria de ser produzido com energia renovável, e não a partir de combustíveis fósseis, como é hoje. Até que isso seja concretizado, outras soluções terão de ser desenvolvidas, as quais vão exigir mudanças nos padrões de uso dos automóveis ou a utilização de combustíveis alternativos.

 

Exemplo simples dessa mudança é aumentar a taxa de ocupação, que é de poucas horas por dia. O uso de Uber ou Uber compartilhado poderia facilmente dobrar essa taxa.

 

Transporte coletivo é outra solução e nas grandes cidades uma extensa rede de metrô e ônibus urbanos de boa qualidade ajuda, mas não resolve o problema do uso do automóvel como sinônimo da liberdade de locomoção que ele dá. Bicicletas são também uma boa ideia, mas elas têm dificuldades em cidades que não são planas como Amsterdã.

 

Outra solução criativa é continuar a usar os automóveis de combustão interna, mas substituir gasolina e diesel por combustíveis renováveis, como etanol da cana-de-açúcar. Essa foi a solução adotada pelo Brasil mais de 30 anos atrás, com motores especiais desenvolvidos no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), mas não resistiu à queda dos preços do petróleo na década dos 80 do século passado. A solução intermediária, que resistiu até hoje, é a mistura de 20%-25% de etanol em flexfuel na gasolina, o que reduz a poluição dela resultante.

 

Mais esforços precisariam ser feitos nessa direção. (O Estado de S. Paulo/José Goldemberg)