Na Tesla, não cumprir metas virou parte da rotina

The Wall Street Journal

 

Em maio, Elon Musk fez mais uma das projeções ousadas que se tornaram marca registrada do presidente da Tesla Motors Inc., quando disse que a montadora de carros elétricos esperava entregar cerca de 17 mil veículos aos clientes no segundo trimestre, um recorde para a companhia.

 

Em julho, a Tesla fez outra coisa que se tornou comum na empresa: não cumpriu a meta de Musk. Ela informou que entregou 14.370 veículos, atribuindo o déficit de 15% em parte aos carros que ainda estavam em caminhões e navios no fim de junho.

 

“Nunca defini uma meta sabendo que ela não era realista, a menos que tivesse dito especificamente que ela era irreal”, disse Musk ao The Wall Street Journal. No início deste mês, o empresário de 45 anos prometeu elevar a produção semanal da Tesla em mais de 50% até o fim do ano, em comparação ao primeiro semestre.

 

Poucos executivos têm metas tão ambiciosas ou pressionam tanto sua empresa quanto Musk, que, além de ser o líder executivo, dirige o conselho de administração e é o maior acionista da Tesla. A montadora vem crescendo mais rápido que a General Motors Co. e a Ford Motor Co. e tem um valor de mercado de US$ 34 bilhões, pouco mais de 30% do valor combinado das duas gigantes de Detroit.

 

Nos últimos cinco anos, porém, a Tesla não cumpriu mais de 20 projeções feitas por Musk, da produção de carros a metas financeiras, segundo análise feita pelo WSJ. O atraso médio de dez das metas anunciadas foi de quase um ano.

 

O sedã Model S, da Tesla, foi lançado no prazo estimado, em 2012, mas o utilitário esportivo Model X chegou ao mercado com quase dois anos de atraso, em setembro de 2015. O sedã Model 3, inicialmente previsto para ser lançado no fim de 2014, foi apresentado em março e só será entregue a clientes no próximo ano.

 

Até agora, o jogo de expectativas em Wall Street não se aplicou a Musk, o que mostra que alguns dos grandes empreendedores do setor tecnológico no Vale do Silício seguem regras diferentes. Empresas que não cumprem suas promessas costumam ser punidas pelos investidores. Mas as ações da Tesla já subiram mais de 760% nos últimos cinco anos, ante uma alta de quase 65% da Média Industrial Dow Jones Industrial.

 

“Esse cara quer salvar o mundo”, diz Ron Baron, fundador da gestora de recursos Baron Capital Group Inc., que já investiu mais de US$ 300 milhões na Tesla. As metas não cumpridas não o preocupam. “São grandes as chances de ganharmos muito dinheiro com este investimento”.

 

Alguns analistas começaram a se preocupar com o risco de que os prognósticos ambiciosos de Musk possam prejudicar a Tesla em sua meta de produzir um milhão de carros por ano até o fim de 2020. Ela vendeu cerca de 140 mil veículos desde 2008.

 

No mês passado, Musk anunciou um novo “plano mestre”, que inclui projetos de versões elétricas de uma caminhonete, um utilitário esportivo pequeno, um caminhão e um ônibus nos próximos anos. A Tesla vai dobrar sua força de trabalho após a compra da SolarCity Corp., empresa de energia solar da qual Musk também é o maior acionista, um negócio de US$ 2,6 bilhões.

 

“As metas de (…) produção são ridiculamente agressivas”, diz Colin Langan, analista do banco suíço UBS Group AG.

O futuro da Tesla depende, em grande parte, da capacidade de Musk para ampliar o apelo da montadora californiana entre a massa de consumidores. Os primeiros modelos da Tesla custavam mais de US$ 100 mil. Ela agora se apressa para concluir o Model 3, um sedã cujo preço inicial é US$ 35 mil. Em maio, Musk disse a analistas e investidores que a produção do Model 3 começaria em 1o de julho de 2017. Em entrevista ao WSJ no mês passado, o executivo contrariou sua própria meta. “Se acredito que o Model 3 começará a ser produzido em 1o de julho?”, perguntou Musk. “Não”.

 

As leis que regem os mercados americanos dão a executivos margem de manobra para fazer prognósticos e estipular metas, mas uma empresa pode ser penalizada caso seus executivos saibam que suas projeções têm pouca ou nenhuma chance de serem concretizadas.

 

“Quando você faz uma projeção, precisa de uma base razoável para acreditar em sua validade”, diz Harvey Pitt, expresidente da SEC, a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos. Ele agora dirige uma consultoria.

 

Musk disse que não “define metas sabendo que elas não podem ser cumpridas”. Metas difíceis alimentam o avanço da Tesla. “Para obter um bom resultado, temos de batalhar por um resultado excelente”.

 

A Tesla tem hoje cerca de 14 mil empregados, ante 6 mil no fim de 2013. Em 2014 e 2015, Musk elevou as metas de produção, mas não conseguiu cumpri­las no fim de ambos os anos. Uma carta de maio de 2014 aos acionistas definiu a meta de entregar mais de 35 mil carros Model S naquele ano. A Tesla ficou aquém em 3.345 veículos, segundo documentos apresentados aos reguladores.

 

Em vez da média de 100 mil veículos produzidos e vendidos até o fim do ano passado, ou mais de 8 mil por mês, como Musk previu em agosto de 2014, o número real ficou perto de 5.800 carros por mês. A Tesla terminou o ano 8% abaixo da projeção do executivo feita em fevereiro de 2015, de que ela entregaria cerca de 55 mil veículos até o fim do ano.

 

Musk admitiu que levou mais tempo que o esperado para cumprir as projeções. Mas isso tem pouca importância, disse, porque a Tesla em algum momento vai cumprir todas as suas metas.

 

Cristina Balan, uma ex­engenheira de design da Tesla, diz que problemas de qualidade aumentaram à medida que a empresa elevou a produção do Model S.

 

No início de 2014, ela verificou que carros na linha de montagem apresentavam uma falha no forro interior do teto. Havia uma lacuna que expunha a estrutura metálica do carro, diz ela. Depois de se queixar sobre a falha, ela foi forçada a se demitir, diz Balan. Após sair da Tesla, ela diz que escreveu um e­mail a Musk dizendo que os gerentes estavam “colocando peças no carro sabendo que elas eram ruins”, de acordo com cópia do e­mail a que o WSJ teve acesso. Ela abriu um processo de arbitragem contra a Tesla no ano passado. A empresa e Musk não quiseram comentar sobre o caso.

 

A defasagem na produção do ano passado foi causada, em parte, por problemas de design com o Model X, que atrasaram a produção do utilitário em dois anos. Em um comunicado à imprensa em abril, a Tesla informou que foi um erro incluir tanta tecnologia nova no Model X.

 

Após apresentar o Model 3 em março, a Tesla recebeu 373 mil encomendas para o carro. Musk previu que a Tesla vai vender um total de 500 mil veículos até 2018, dois anos antes da meta anterior. Em uma teleconferência em maio, ele foi ainda mais longe. “É melhor dizer que nossa meta para 2020 talvez seja um volume mais próximo de um milhão de veículos, ou algo assim”, disse.

 

A produção do Model 3 deve começar em menos de um ano, mas os projetos finais de engenharia foram concluídos apenas alguns meses atrás. Outras montadoras costumam completar os planos de engenharia dois anos antes de lançar um novo modelo.

 

Questionado sobre o prazo do carro, Musk admitiu que é “realmente curto. Será como um recorde mundial”. Quem não acreditar que a Tesla cumprirá as metas, “obviamente (…) não deve comprar as ações”, acrescentou. (The Wall Street Journal/Susan Pulliam, Mike Ramsey e Ianthe Jeanne Dugan)