Mão de obra escassa ameaça boom do setor automobilístico no México

The Wall Street Journal

 

Quando as fabricantes de automóveis começaram a cruzar a fronteira entre os Estados Unidos e o México para se instalar em Ciudad Juárez, mais de duas décadas atrás, a grande atração era a mão de obra abundante e barata.

 

Hoje, em pleno boom da produção automobilística, essas vantagens estão desaparecendo.

 

Toyota Motor Corp., BMW AG, Ford Motor Co. e várias outras montadoras se comprometeram em investir um total de US$ 15,8 bilhões no México para construir novas linhas de montagem ou expandir fábricas existentes. Isso sem falar nas 16 fábricas já em operação e os bilhões de dólares sendo gastos por fornecedores de autopeças para acompanhar o ritmo da atividade.

 

A competição por trabalhadores, tanto para encontrá-los quanto para retê-los, está elevando os custos da mão de obra. Programas de retenção e capacitação estão se tornando a norma. E para garantir que os funcionários, especialmente aqueles com habilidades valorizadas, permaneçam na empresa, o pagamento de bônus é cada vez mais comum. Algumas fábricas tentam atrair novos trabalhadores ao oferecer todo tipo de benefício, inclusive botas de cowboy. Vagas em aberto estão se tornando comuns.

 

“Temos uma lacuna de oferta [de mão de obra] enorme no México que precisa ser resolvida”, diz Stephan Keese, sócio da consultoria Roland Berger, de Chicago, que trabalha com montadoras no México. “O que estamos vendo é só a ponta do iceberg dessa escassez. Será inevitável que os custos laborais subam”.

 

A pressão ainda não é grave o suficiente para minar a lógica de transferir a produção para o México. Mas a tendência é um choque inesperado para as finanças das empresas — a mão de obra é um dos poucos aspectos dos custos que os fabricantes podem controlar — e uma ameaça tanto para os lucros quanto para a qualidade da produção.

 

Em algumas fábricas, os salários subiram em percentuais de dois dígitos nos últimos anos. Nas fábricas para exportação de Juárez, a rotatividade de funcionários atingiu uma média de 10% em junho, de acordo com a associação local de fabricantes Amac-Index Juárez. É um nível não visto desde a primeira onda de empresas estrangeiras que foram para o México, embaladas pelo Acordo Norte-Americano de Livre Comércio, o Nafta.

 

Leonardo Galicia, que tem 21 anos e trabalha numa fábrica da Strattec Security Corp., fornecedora americana de autopeças, em Juárez, lidera uma equipe de montagem de interruptores de ignição composta de 26 pessoas. Quando alguém decide deixar o emprego, não dá aviso — simplesmente não aparece mais. “É uma dor de cabeça”, diz Galicia. “A linha [de produção] não para, mas fica mais lenta. Minha maior preocupação é que vou ter que treinar alguém novo”.

 

A média de salário vai hoje de pouco menos de US$ 1 por hora, em algumas fábricas de autopeças, para cerca de US$ 3 a hora nas grandes linhas de montagem. É um valor bem superior ao salário mínimo do México, de 73 pesos, ou US$ 4 por dia. Ainda assim, é baixo demais para atrair a quantidade e a qualidade de mão de obra necessárias para preencher o número crescente de vagas, dizem recrutadores e consultores. Muitas vezes, os mexicanos podem ganhar mais dinheiro no setor informal, que emprega metade da força de trabalho do país, vendendo jornais nos cruzamentos ou alimentos na rua.

 

Algumas grandes montadoras fazem pouco caso do problema. Executivos da Volkswagen AG, Nissan Motor Co. e Honda Motor Co. dizem que a rotação de empregados é administrável, os salários são competitivos e as dificuldades de contratação, temporárias. “Há gente suficiente disposta e ansiosa por trabalhar”, diz Thomas Karig, diretor de assuntos corporativos da Volks no país.

 

A montadora alemã, uma das maiores do México, vai este ano iniciar a produção de sua marca de luxo Audi na cidade rural de San José Chiapa. A Audi afirma que 230 mil pessoas se candidataram às 4.200 vagas existentes, embora seja difícil avaliar se elas têm a qualificação necessária.

 

Em Juárez, que abriga cerca de 300 fábricas, as vagas são anunciadas em grandes faixas espalhadas pela cidade. Para evitar uma disparada nos salários, as fábricas oferecem cada vez mais outros benefícios, como aulas de inglês, acesso a campos de futebol e US$ 200 de bônus, ou cerca de um mês de salário, para aqueles que recomendam novos contratados. Autoridades locais estimam que o setor industrial de Juárez tenha hoje quase 15 mil vagas abertas.

 

Em um esforço para preencher o vácuo, os governos estaduais e federal do México estão tentando formar mais engenheiros nas universidades públicas, expandir as vagas em escolas técnicas e criar programas especiais de formação adaptadas às necessidades dos fabricantes. Em 2014, foi criado um centro de treinamento de US$ 37 milhões dentro do espaço em que será construída a fábrica da Audi, perto de Puebla, um incentivo para atrair a montadora.

 

“Obviamente, temos de redobrar nossos esforços para desenvolver capital humano”, disse Ildefonso Guajardo, Ministro da Economia do México, ao The Wall Street Journal. “No longo prazo, mão de obra barata não é uma vantagem sustentável”.

 

Os investimentos da indústria automobilística no país aceleraram na década de 90, após a assinatura do Nafta. As montadoras e fornecedores de peças de Detroit lideraram o movimento, tentando fugir dos altos custos gerados por suas forças de trabalho sindicalizadas nos EUA. Depois de se recuperar da crise financeira, o setor automobilístico dos EUA levou para o México uma fatia desproporcional de nova capacidade de produção, num esforço para acompanhar volumes recorde vendas. A produção anual de veículos leves dessas montadoras vai subir para 5,1 milhões em de unidades em 2020, um salto de 50% em relação ao recorde do ano passado, de 3,4 milhões, segundo a firma de previsões LMC Automotive.

 

A demanda por trabalhadores subiu tanto que uma solução popular para as montadoras é roubar talento de fornecedores.

 

Ricardo Garcia, gerente de operações da DIGA, SA de C.V. tem visto uma rotatividade de até 10% por mês na fábrica da fornecedora de autopeças em Monterrey. A culpa, diz Garcia, é da sul-coreana Kia Motor Corp., que abriu uma nova fábrica na região. Garcia diz que um de seus engenheiros avisou recentemente que estava indo para a Kia. Ele ofereceu um aumento de 30%, mas isso não foi suficiente.

 

Victor Alemán, um porta-voz da Kia, disse que a firma paga uma média de US$ 7.200 por ano aos empregados e que engenheiros ganham pelo menos o triplo.

 

Em setembro, a BMW abriu um centro para treinar empregados com qualificação. “Temos uma série de desafios para encontrar trabalhadores, que aumentaram nos últimos seis anos com todas essas outras empresas — Honda, Kia —investindo no México”, diz Lourdes Quijas, diretora de recursos humanos da BMW em San Luis Potosí, no México, onde a montadora alemã está investindo US$ 1 bilhão para construir a sua primeira fábrica no país.

 

A Ford planeja abrir uma nova fábrica de US$ 1,6 bilhão em San Luis Potosí em 2018 e contratar 2.800 trabalhadores. Um contrato ao que o WSJ teve acesso define os salários da Ford na fábrica em cerca de US$ 1,15 a US$ 2,30 por hora, mesmo nível do pago por outras montadoras na região. A mudança para o México vai gerar uma economia de custo de cerca de US$ 1.300 por veículo, ou cerca de US$ 300 milhões por ano, dizem especialistas do setor a par das finanças da Ford.

 

Mike Moran, porta-voz da Ford, diz que a montadora espera melhorar sua lucratividade, mas não quis revelar números específicos. Ele também apontou para outros benefícios oferecidos aos empregados no contrato, como seguro de vida, incentivos para a poupança e bônus de fim de ano equivalente ao salário de 20 dias. (The Wall Street Jornal/Christina Rogers e Duddley Althaus)