O Estado de S. Paulo
As fábricas da Volkswagen em São Bernardo do Campo e Taubaté, em São Paulo, estão com as linhas de produção paradas desde terça-feira e os cerca de 8 mil funcionários da unidade do ABC e os 4 mil do Vale do Paraíba foram dispensados do trabalho, em princípio até hoje. Mais uma vez, o problema não é a crise, que reduziu as vendas, mas a falta de peças para a montagem de veículos.
Problemas similares são enfrentados pela filial de São José dos Pinhais (PR), que também parou em alguns dias da semana passada. As três fábricas tinham como fornecedor exclusivo de peças estampadas, usadas na carroceria dos automóveis, a Fameq, metalúrgica da capital paulista que atua no País há cerca de 40 anos e pertencia a um grupo brasileiro.
Em dificuldades financeiras, a Fameq foi vendida em julho para o grupo de origem alemã Prevent, dono de várias autopeças no Brasil. Há uma semana, a empresa fechou as portas e demitiu 180 funcionários. Um grupo de 20 operários que tinha estabilidade será transferido para outras unidades do Prevent.
Com isso, a Volkswagen – que tem uma disputa comercial com o Prevent há mais de um ano –, deixou de receber os componentes da Fameq e teve de suspender a produção. “Esse fornecedor, com um relacionamento comercial sem problemas com a Volkswagen por mais de 40 anos, teve sua atuação completamente alterada ao ser adquirida pelo grupo Prevent”, afirma a montadora, em nota.
Segundo a Volkswagen, a Fameq interrompeu entregas em meados de julho. Com o fim dos estoques, não teve como manter a produção dos modelos Gol, Saveiro, Voyage, up!, Fox e Golf.
Compras
Desde o início de 2015, o grupo Prevent comprou 11 fábricas da Keiper, Tower Automotive, Mardel, TWB, Cavelagni e agora da Fameq em São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Elas produzem bancos, estrutura de bancos, couro, têxteis, interiores, disco de freios e peças estampadas, segundo levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Segundo a Volkswagen, desde que os problemas de abastecimento começaram, em março de 2015, as três fábricas da marca somam mais de 100 dias de paralisações nas linhas de produção. Ao todo, 90 mil carros deixaram de ser produzidos.
Em maio, a montadora obteve três liminares na Justiça de São Bernardo obrigando Keiper, Mardel e Cavelagni a retomarem a entrega de peças, sob pena de multa diária de R$ 500 mil. A Fiat, em Betim (MG), também enfrentou desabastecimento e obteve liminar da Justiça local contra a Mardel e a Tower para o fornecimento imediato de estruturas metálicas. A multa diária pelo não cumprimento da decisão era de R$ 200 mil.
A Fiat informou que fez acordo com o grupo. Já a Volkswagen diz que a empresa tem descumprido contratos “e reiteradamente faz solicitações de aumento de preços e pagamento injustificado de valores (sem respaldo contratual ou econômico)”. Diz também que o grupo Prevent “tem se mostrado inflexível, elencando uma série de condições (que nada tem a ver com o contrato atual) para a continuidade do fornecimento, incluindo exclusividade para os próximos projetos.”
Negociata
Segundo o Dieese, o Prevent tem 51 empresas em 13 países nas áreas de autopeças, serviços, construção naval e vestuário de segurança. Embora sua sede seja em Wolfsburg, na Alemanha, a empresa pertence a um grupo de investidores da Bósnia, segundo fontes do mercado. As fontes também afirmam que a estratégia da companhia é adquirir fabricantes de um mesmo item para monopolizar a produção.
Nenhum porta-voz do grupo Prevent foi localizado na sexta-feira para comentar o tema.
“Estamos lidando com um grupo que faz negociata, compra empresas e depois descarta os trabalhadores como bagaço de laranja”, diz o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Miguel Torres.
Na quinta-feira, a entidade obteve no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo acordo com o Prevent de pagamento das verbas rescisórias, abono de R$ 10 mil, cesta básica e assistência médica por um ano aos demitidos da Fameq.
O acordo foi feito após os trabalhadores acamparem nas instalações da fábrica por cinco dias para evitar a retirada de maquinários. O diretor do sindicato, Luiz Valentim, conta que os funcionários trabalharam até sexta-feira, dia 23, sem saber do fechamento da fábrica, anunciado na segunda-feira seguinte.
“Por acaso, passei em frente à fábrica no sábado e vi as máquinas sendo retiradas. Chamei reforço dos trabalhadores e ficamos acampados para evitar a saída”, diz Valentim. Eles só deixaram o local na quinta-feira, após a assinatura do acordo. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)