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O Banco Central (BC) poderá retardar a queda da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 14,25% ao ano. Essa foi a visão do mercado após o tom cauteloso do Comitê de Política Monetária (Copom) sob a presidência de Ilan Goldfajn na ata divulgada ontem.
Segundo especialistas no assunto, a ata foi bastante clara sobre os objetivos da autoridade monetária de levar a inflação para o centro da meta de 4,5% já em 2017.
“O Banco Central foi extremamente cauteloso e mandou um recado muito claro ao mercado: que não vai produzir nenhuma redução dos juros se a inflação não começar a ceder”, avaliou o mestre em economia do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT) Ricardo Balistiero.
Em linha semelhante, o professor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) Fernando de Holanda Barbosa disse que o Banco Central buscou ancorar as expectativas do mercado. “O cenário é da autoridade mantendo a taxa atual [Selic em 14,25% ao ano] e buscando ancorar as expectativas de inflação. O mercado ainda não convergiu para essa expectativa”, afirmou.
Em linguagem clara e objetiva na ata, o BC fala que o cenário de referência supõe, entre outras hipóteses, taxa de juros e câmbio inalteradas em 14,25% ao ano e o dólar em R$ 3,25 respectivamente por todo o horizonte de projeção. “Esse cenário aponta para inflação em torno da meta de 4,5% já em 2017”, diz o BC. O mercado espera inflação de 5,3% para o próximo ano.
Na ata, o Copom registra que há uma discrepância de aproximadamente 0,5 ponto percentual entre as expectativas de inflação apuradas pela Pesquisa Focus e as projeções produzidas pelo Copom.
O BC monitora o cenário externo (decisão do Fed sobre juros nos EUA) e nota que há riscos de inflação no curto prazo. “A elevação recente nos preços de alimentos pode se mostrar persistente, dado o processo de transmissão dos preços do atacado para o varejo. Em contrapartida, o período sazonalmente favorável pode contribuir para uma reversão rápida desses preços”, diz a ata.
Ao mesmo tempo, membros do comitê já reconhecem que o processo de desinflação está em curso. “Diante da desaceleração econômica observada até aqui, esperava-se uma queda maior da inflação”, aponta.
Incerteza política
Questionados sobre o motivo de o Banco Central ter mantido os juros na última reunião mesmo com a inflação caminhando para o centro da meta em 2017, os economistas justificaram as incertezas políticas no horizonte de curto prazo.
“Existe um componente político que transcende a atuação do BC. Isso vai passar pelo afastamento definitivo ou não da presidente Dilma Rousseff e pelo empenho do Congresso Nacional em aprovar o teto dos gastos nas contas públicas, e a votação das reformas”, respondeu Ricardo Balistiero.
Holanda Barbosa também abordou o risco político. “O impeachment previsto para o final de agosto ainda não foi sacramentado, portanto, tem incertezas. E o prometido ajuste fiscal vai depender da contribuição do Congresso”, lembrou o professor da FGV.
A gestora de renda fixa da Mongeral Aegon Investimentos, Patrícia Pereira, pontuou que a questão fiscal está presente claramente na ata do Copom divulgada ontem. “Está lá no item 16 do documento.”
Na visão do mercado, o item em questão traz uma preocupação sobre um possível aumento dos impostos, indiretamente relacionado, mas não citado, sobre o aumento das alíquotas da Contribuição sobre Domínio Econômico (Cide) nos combustíveis, o que poderia afetar a dinâmica da inflação, persistente no Brasil.
“Os membros do comitê ressaltaram que o ajuste das contas públicas pode envolver medidas com impactos diretos desfavoráveis sobre a inflação, e que esse é um risco a ser monitorado”, diz o item 16 da ata.
Em outro trecho do mesmo item, o BC ressalta a importância da questão fiscal. “Todos os membros do comitê enfatizaram que a continuidade dos esforços para aprovação e implementação dos ajustes na economia, notadamente no que diz respeito a reformas fiscais, é fundamental para facilitar e reduzir o custo do processo de desinflação”, diz a ata.
Diante dessa sinalização transparente, Patrícia Pereira acredita que não há indicativos para uma redução da Selic na próxima reunião de agosto. “Só vai ter um número de inflação até lá. A votação do impeachment da Dilma estará muito em cima da reunião. Não há tempo hábil para passar qualquer votação no Congresso. Já em outubro é um caso para pensar”, diz a gestora.
Em relatório, o economista do Itaú, Caio Megale, projeta corte de 0,25 ponto percentual em outubro na Selic, e redução de 0,50 ponto percentual em novembro, ou seja, a taxa básica em 13,5% no final de 2016. (DCI/Ernani Fagundes)