Pondo em xeque o cheque dos executivos

O Estado de S. Paulo/The Economist

 

A Volkswagen teve um ano de cão. A revelação do esquema de fraudes nos testes de emissão de poluentes a que alguns de seus modelos eram submetidos fez com que a montadora encerrasse 2015 com o maior prejuízo de sua história. O escândalo custou o emprego de Martin Winterkorn, CEO da empresa. Há algumas semanas, soube-se que o executivo também é alvo de investigação que apura suspeitas de manipulação de mercado. Mas seus bônus escaparam ilesos: em 2015, Winterkorn embolsou € 5,9 milhões por seu desempenho.

 

Ondas de indignação pública em relação a figurões não são novidade. Mas, com a gritaria populista em alta, absurdos como a política de remuneração da Volkswagen põem gasolina no fogo. Os dois prováveis candidatos à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump e Hillary Clinton, já criticaram os níveis de remuneração dos CEOs. Entre investidores europeus, houve revolta este ano com arranjos salariais concedendo aos executivos compensações astronômicas, muito embora as ações estivessem em queda.

 

A insatisfação é compreensível. Mas o debate sobre como reformar o sistema de remuneração é comprometido por raciocínios problemáticos e objetivos contraditórios. Os políticos, que acordaram para a questão do crescimento da desigualdade, preocupam-se com as importâncias vultosas que os executivos levam para casa. Para os acionistas, que buscam a sincronia entre seus interesses e os dos executivos, a questão é mais a estrutura da remuneração do que sua escala.

 

Ao contrário do que pensa a maioria das pessoas, os salários dos executivos são determinados mais por forças de mercado do que por um cartel de mandachuvas do conselho de administração. Nas últimas décadas, em muitas áreas, aumentou significativamente a remuneração de vários tipos de profissionais, de estrelas de cinema a grandes investidores, que agora podem se valer de seus talentos num palco mais abrangente e globalizado. Com as empresas adotando práticas mais transparentes, os valores que o mercado se dispõe a pagar pela competência dos executivos passaram a ter maior influência sobre as políticas salariais.

 

Mesmo com os acionistas conquistando maior controle sobre os conselhos, os executivos estão ganhando mais. E a remuneração agora está mais atrelada ao desempenho. Em 2000, somente 20% das maiores companhias americanas atrelavam remuneração à performance; hoje, isso ocorre em 80% dos casos.

 

Mesmo assim, há muito com o que se preocupar. Uma das características de que funciona a contento é a substituição, mas executivos não trocam de emprego com frequência: de 2001 a 2014, a permanência média no cargo dos CEOs das empresas do S&P 500 foi de quase nove anos. Os mercados são mais eficientes quando compradores e vendedores conhecem a fundo as qualidades do artigo que está sendo transacionado, mas os conselhos de administração não têm como mensurar o valor que um grande CEO agrega à empresa. São reduzidas as evidências de que os executivos têm condições de aplicar seus talentos a uma série de empresas diferentes.

 

Os problemas não param por aí. A remuneração dos executivos é alvo de pressões “inflacionárias”. Os conselhos são incentivados a oferecer a seus gestores remunerações compatíveis com a média do mercado ou superiores, a fim de sinalizar que suas próprias ambições não são medianas, ou para indicar que o novo chefe é um sujeito acima da média.

 

Equilíbrio

 

O contrapeso a essa pressão é o aumento da influência dos acionistas. Se os investidores põem por terra uma política salarial, a empresa tem de ser obrigada a respeitar sua decisão. Os acionistas também deveriam usar seu poder para exigir simplicidade: de que vale uma companhia apresentar demonstrativos detalhados sobre suas políticas de remuneração, se ninguém consegue entendê-los?

 

Também deveriam pressionar pela dilatação dos períodos após os quais os prêmios em opções de ações podem ser exercidos, a fim de que os executivos não fabriquem resultados positivos de curto prazo ao custo de um desempenho positivo mais duradouro. E um dos quesitos na avaliação da performance de um CEO deveria ser a elaboração de um plano de sucessão interna, que poupe a empresa de correr riscos desnecessários com a contratação de alguém de fora quando chegar a hora de substituí-lo.

 

Mudanças como essas diminuiriam as chances de que os executivos vivam no “bem-bom” enquanto os acionistas passam a pão e água. Mas seriam insuficientes para reduzir os níveis salariais. Acionistas obcecados com a performance veem na remuneração elevada de seus principais executivos um problema menor: em 2014, a remuneração dos CEOs das empresas do S&P correspondeu a cerca de 0,5% de seus resultados líquidos. Ainda que, para os investidores, pareça boa ideia atrelar a remuneração ao desempenho, isso significa que os executivos exigirão salários absolutos mais altos, a fim de compensar o risco de ficarem sem bonificação.

 

Portanto, se o que incomoda as pessoas é o nível atingido pela remuneração dos executivos, caberá ao Estado intervir na questão. Interferir diretamente na fixação dos salários não é solução, não somente porque a intromissão das autoridades em contratos privados, firmados entre uma empresa e seu funcionário, só deve acontecer em situações extraordinárias, como porque isso tende a ter uma série de desafortunadas consequências.

 

Nos anos 1990, quando Bill Clinton tentou controlar a remuneração dos executivos, as empresas recorreram às opções de ações. Os tetos ao pagamento de bônus em bancos europeus depois da crise financeira acabou gerando salários mais altos. Além disso, mesmo que uma interferência benigna fosse viável, não há argumento que justifique concentrar a atenção apenas nos salários dos CEOs: há muita gente nos extratos sociais de alta renda que não comanda empresa alguma. Os políticos que pretendem modificar a distribuição de renda produzida pelo mercado já têm à sua disposição uma ferramenta melhor: aumentar a alíquota do imposto de renda. (O Estado de S. Paulo/The Economist)