O Estado de S. Paulo
Existem carros no mercado brasileiro que são muito bons, mas têm detalhes (pequenos ou muito relevantes) que comprometem a qualidade. Em alguns casos, o consumidor percebe isso. Em outros, não, e o veículo faz sucesso mesmo assim.
Independentemente da percepção do consumidor, causa certa revolta a percepção de que carros que tinham tudo para ser quase perfeitos perderem a “estrela” por causa de soluções improvisadas ou decisões tomadas para reduzir custos.
E não é só com os carros que isso acontece, mas também com as montadoras. Algumas têm gamas fantásticas no exterior, mas produtos sem grande apelo aqui (produções vindas da Índia, ou de países do leste da Europa). A estratégia geralmente dá certo e as vendas são boas, mas o sentimento, para quem gosta de carros, é de tristeza.
Com a ajuda da equipe do Jornal do Carro, listei algumas “coisas revoltantes” nos carros e nas estratégias.
1 – Corolla não ter ESP
Não dá né, gente? Um carro cuja versão de topo tem tabela de R$ 105.220 não trazer o sistema que corrige a trajetória das rodas, ajudando a evitar acidentes graves, é uma falha imperdoável. O consumidor, no entanto, perdoou. O Corolla vende mais que todos os rivais juntos. Mas que é triste, é. O Ka, modelo de entrada da Ford, tem . E o sistema será – para novos projetos, a lei entra em vigor em 2020. Há um rumor de que a versão atualizada do Corolla, a ser lançada no Brasil no fim do ano, terá ESP. Para o bem dos fiéis e maravilhados consumidores do carro, esperamos que essa especulação seja verdadeira.
2 – A mecânica do Renegade flexível
Um utilitárioesportivo que realmente honra a denominação desse segmento começou a ser feito no Brasil no ano passado. Tem um belo motor a diesel acompanhado por câmbio automático de nove marchas, excelente suspensão e sistema de tração eficiente. Mas, para a versão mais vendida, o que a Jeep fez? Usou um defasado motor 1.8 flexível da Fiat (sua dona), junto com um câmbio automático de seis marchas que tem funcionamento ruim. Não há nenhuma moderna tecnologia para reduzir consumo de combustível ou melhorar o desempenho. Uma pena. Fiat, dá para melhorar, vai. Mas o carro vai bem em vendas: é o segundo utilitárioesportivo mais emplacado do País.
3 – Fiesta com motor 1.0 Ecoboost só na versão de topo
Está chegando às concessionárias o Fiesta equipado com o moderno , com injeção direta de combustível e turbo. O propulsor vem da Europa e é só a gasolina. Mas, até aí, tudo bem. O problema é que a Ford lançou esse motor só para a versão de topo, Titanium, a R$ 71.990. Para piorar, tirou o 1.5 de linha e manteve o 1.6 (que tem 130 cv, quase a mesma potência do 1.0 turbo, de 125). Por causa disso, a gama agora parte de altos R$ 51.990. Sinceramente, não deu para entender nada dessa bagunça. Estratégia estranha. Será que vai dar certo?
4 – 2008 automático, só com motor 1.6 aspirado
Aí a Peugeot vai lá e lança um utilitário lindo, bem equipado, bom de guiar. E vem a bomba: a versão equipada com motor 1.6 turbo de até 173 cv só vem com câmbio manual. Quer câmbio automático? Só com o 1.6 aspirado das versões de entrada. E é aquele velho câmbio de quatro marchas da marca, um dos piores do mercado. Não deu para entender nada, mas a montadora explicou, no fim das contas. A plataforma do carro (a mesma do 208), desenvolvida na Europa, não foi prevista para combinar o 1.6 turbo com o ótimo câmbio automático de seis marchas – conjunto que já está em outros carros de Peugeot e Citroën, como 408 e C4 Lounge. Lá na Europa, nesse segmento, que é de entrada, ninguém liga muito para transmissão automática. Aqui no Brasil, porém, o 2008 está longe de ser de entrada. Ele é voltado a um público que faz questão de veículo sem pedal de embreagem. Resultado? O carro não está vendendo nem o planejado, que já era pouco. Uma pena, porque, no geral, o produto é muito bom.
5 – Não é Renault, é Dacia
Eu adoro a linha Renault na Europa. A (muitas e muitas à frente da oferecida aqui) é linda e cheia de tecnologia. Mas aqui, a marca virou Dacia. Explico: Sandero, Logan e Duster são originalmente da subsidiária romena da Renault, a Dacia, especializada em veículos de baixo custo. Por lá, eles são Dacia. Aqui, são Renault. Nem mesmo o Fluence é um Renault de verdade. É um carro da Samsung, parceira da montadora francesa na Coreia do Sul. Na Europa, o sedã médio é o , que acaba de mudar de geração. O cenário é de partir o coração. O coração de quem gosta de carros, porque o dos executivos da marca deve estar batendo forte de emoção. As vendas melhoraram muito, já que os Dacia oferecem espaço amplo por bom preço, embora não sejam bons carros.
6 – A total nacionalização da linha Chevrolet
Exatamente o mesmo princípio da Renault. . Todos da Opel, a marca alemã da GM. Esses carros já estiveram aqui. Não estão mais. Aqui, agora tem Onix, Spin, Cobalt. Quando o assunto é carro de qualidade, não dá para comparar. Os da Chevrolet brasileira, a maioria desenvolvida aqui no País, são bem inferiores. Mas deu certo: este ano, pela primeira vez desde 2004, a Chevrolet lidera o ranking de vendas. E o Onix se tornou o carro mais vendido do Brasil. Mas a gente sente falta do Corsa, viu. E queria, por aqui, um igualzinho à nova geração europeia.
7 – Novo Civic com CVT
A nova geração do Civic está quase chegando. Vem em agosto, e é um carrão, que . Tem um excelente motor 1.5 turbo, com mais de 170 cv. Vai fazer sucesso, podem escrever. Mas o câmbio é CVT. Um excelente CVT, o melhor que já experimentei. Então, do que estou reclamando? Bem, que fique claro: isso é muito mais um gosto pessoal, ok? Mas é que adoro a impetuosidade dos motores turbo, as acelerações brutais em baixa rotação. Adoro. E com o CVT, por melhor que seja, o carro perde muitas dessas características. Não há tanto ímpeto, e sim uma aceleração mais linear. Na minha opinião, o Civic ficaria melhor se tivesse um automático convencional, ou um automatizado de duas embreagens.
8 – Jetta com motor 2.o de Santana
Deu vontade de chorar quando a Volkswagen lançou a nova geração do Jetta no Brasil. Ele veio com versão 2.0 turbo de 211 cv, de topo. Mas a marca resolveu lançar também uma opção de entrada, e que motor usou? O 2.0 aspirado de pífios 120 cv, o mesmo do Golf IV. Uma evolução do propulsor que era utilizado no saudoso Santana. Foi de arrepiar, de gritar, de se descabelar. Mas a Volks é a prova que dá para corrigir um erro. Recentemente, esse motor jurássico foi substituído pelo 1.4 turbo flexível de 150 cv, com injeção direta. Ufa! E parabéns à Volkswagen, que mostrou que dá para melhorar.
Paguei língua
Quando soube que o A3 nacionalizado teria mudanças mecânicas – também aplicadas ao Golf , quase desmaiei. Em vez da suspensão independente na frente e atrás, eixo de torção na traseira. Em vez do câmbio automatizado de duas embreagens, o automático Tiptronic. Paguei língua. O carro ficou bom. Não tanto quanto o alemão, mas ainda assim, bom. Mal dá para perceber as mudanças no comportamento e a transmissão Tiptronic é excelente. E, com essas mudanças, a Audi conseguiu manter o preço no mesmo patamar. Diferentemente das rivais, que aplicaram altas muito pesadas a seus sedãs mais vendidos – por causa dos reajustes do dólar. (O Estado de S. Paulo/Rafaela Borges)