O Estado de S. Paulo
A ministra Carmen Lúcia decidiu manter no Supremo Tribunal Federal (STF) trecho de inquérito da Operação Zelotes que cita os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR). A decisão é motivada por indícios de que os congressistas negociaram pagamentos de R$ 45 milhões com lobistas, em troca de aprovar emenda parlamentar de interesse de montadoras de veículos.
A Zelotes apura um suposto esquema de “compra” de medidas provisórias que prorrogaram incentivos fiscais à indústria automotiva. Grandes empresas desse setor, entre elas a MMC Automotores (que fabrica modelos da Mitsubishi no Brasil), teriam contratado lobistas para viabilizar a edição, pelo governo, e a aprovação, pelo Congresso, das normas (MP 471/2009, MP 512/2010 e MP 627/2013). A perda de arrecadação provocada por elas será de R$ 13 bilhões até 2020.
O consultor João Batista Gruginski, um dos alvos da Zelotes, registrou em diário apreendido pela Polícia Federal que participou de uma reunião com os lobistas José Ricardo Silva e Alexandre Paes dos Santos, o APS, na qual este último teria mencionado a suposta negociação de propina com os senadores. Além de Renan e Jucá, APS teria mencionado Gim Argello (PTB-DF), cujo mandato se encerrou em 2014. O suborno de R$ 45 milhões seria dividido entre os três.
“APS vira-se diretamente para mim: ‘Sabe aquela emenda que você preparou? Estão negociando por quarenta e cinco (Gim Argello, Renan e Romero Jucá-relator), quinze para cada. A mesma emenda. Exatamente”, escreveu o consultor na página referente a 16 de abril de 2010.
Questionado sobre o registro no diário, APS – que está preso e responde a uma ação penal sobre a “compra” das MPs – negou ter feito os pagamentos. Ele disse que, ao mencionar propina a congressistas, se referiu a “boatos” que ouvira na época.
“Foi o boato que eu ouvi em São Paulo e fiz a anotação. Estavam dizendo em São Paulo que teria que se pagar R$ 15 milhões para cada um dos parlamentares”, declarou.
A emenda seria incluída na MP 471, editada em 2009 e aprovada em 2010, mas o texto passou no Congresso sem nenhum remendo. Num documento recentemente enviado à Justiça Federal, o Ministério Público Federal destaca a importância dos senadores na aprovação da norma.
Devido à menção aos congressistas, que têm “foro privilegiado”, o inquérito foi remetido para análise do Supremo. O mesmo caso apura suposto envolvimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do filho dele, Luís Cláudio Lula da Silva, no suposto esquema.
Como revelou o Estado, Luís Cláudio recebeu R$ 2,5 milhões de um dos lobistas investigados na Zelotes. Os investigadores suspeitam de que os pagamentos possam ser uma “compensação” pela edição das MPs e a compra, pelo governo, dos caças suecos Gripen. O filho de Lula alega que os recursos estão relacionados a serviços prestados em sua área de atuação, o marketing esportivo.
Carmen Lúcia decidiu manter no Supremo somente a parte do inquérito que cita os dois senadores. O caso corre em segredo de Justiça. O restante da investigação, incluindo a que trata de Lula e Luís Cláudio, continuará tramitando perante a 10ª Vara da Justiça Federal, em Brasília.
Jucá negou, por meio de sua assessoria, recebimento de propina para favorecer montadoras. Ele ressaltou que a acusação já foi desqualificada pelo próprio autor – no caso, APS.
A assessoria de Renan informou que não seria possível contatar o senador para falar a respeito. O advogado dele, Eugênio Pacelli, disse desconhecer o caso. (O Estado de S. Paulo/Fábio Fabrini e Andreza Matais)