Alvo da Lava Jato abriu offshores de Caoa

O Estado de S. Paulo

 

Dois contadores que fizeram delação premiada na Operação Lava Jato aparecem em documentos da panamenha Mossack Fonseca como diretores de companhias offshore ligadas ao empresário Carlos Alberto de Oliveira Andrade, dono da rede de concessionárias CAOA e da montadora Hyundai no Brasil, e detentor de um patrimônio declarado de R$ 833 milhões em 2014.

 

Roberto Trombeta e Rodrigo Morales, que assinaram acordo com os procuradores da Lava Jato para devolver aos cofres públicos US$ 7 milhões, estão relacionados a quatro empresas offshore abertas pela Mossack Fonseca em 2010. Ouvidos pelo Estado, eles afirmaram, por meio de seu advogado, que representam as empresas apenas no papel, “por conta e ordem do Grupo CAOA e seu controlador”, a quem prestaram serviços de contabilidade e assessoria tributária por cerca de duas décadas.

 

Em uma das offshores, Trombeta e Morales aparecem como presidente e vice­presidente, respectivamente. Nas demais, a diretoria é ocupada por funcionários de seu escritório de contabilidade.

 

O Estadão Dados detectou as ligações entre CAOA e as offshores ao analisar os cerca de 11,5 milhões de documentos resultantes do vazamento dos dados da Mossack Fonseca. Os documentos foram obtidos pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung e compartilhados com o Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ) e mais de 100 veículos de mídia do mundo todo. No Brasil, a investigação dos dados é feita, além do Estado, pelo UOL e a Rede TV!

 

A abertura de uma empresa offshore não é, em si, ilegal. A legislação brasileira, porém, exige que ela seja declarada ao Imposto de Renda e ao Banco Central, caso haja remessa de recursos para o exterior. O Estado perguntou à assessoria de imprensa da CAOA se essas providências foram tomadas, mas, sobre esse ponto específico, obteve resposta apenas em relação a uma das empresas, a Caoa Internacional, que foi devidamente declarada.

 

Ao abrir suas offshores, o proprietário da CAOA se utilizou de uma estratégia que garantiu sigilo quase absoluto em relação a essas empresas: além de sediá­las no Panamá, um paraíso fiscal, ainda ocultou seu nome ao registrar como diretores seus contadores, Trombeta e Morales, e funcionários destes. As empresas foram registradas com ações ao portador, ou seja, o nome do proprietário não aparece em nenhum registro oficial – o dono das companhias é quem detiver fisicamente as ações.

 

O empresário Oliveira Andrade foi, recentemente, investigado por duas operações do Ministério Público e da Polícia Federal, a Zelotes, que apura sonegação, e a Acrônimo, sobre a suposta compra de medidas provisórias de interesse da indústria automobilística. Seus advogados negam irregularidades. O empresário não foi incluído na denúncia da Zelotes feita em novembro passado.

 

Inquérito da Polícia Federal instaurado em 2015, no âmbito da Lava Jato, apontou que Trombeta e Morales integravam uma organização criminosa juntamente com o doleiro Alberto Yousseff, peça­chave no escândalo que envolve políticos e empreiteiras em desvios de recursos públicos. Segundo o inquérito, eles “mantinham vínculos com o fim de produzir documentos falsos para dissimular a origem, movimentação e localização de recursos decorrentes de crimes tais como evasão de divisas, corrupção ativa e passiva, entre outros antecedentes”. Os dois foram indiciados pela Polícia Federal em novembro do ano passado por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro no âmbito da Lava Jato.

 

Passo a passo

 

No dia 23 de março de 2010, uma funcionária da filial uruguaia da Mossack Fonseca enviou um e­mail para a sede da empresa, no Panamá, solicitando a abertura de cinco empresas offshore, todas a pedido do mesmo cliente. Uma delas era a CAOA Internacional, que tinha entre seus diretores o próprio Carlos Alberto de Oliveira Andrade. Outra das offshore, chamada Perlas del Pacífico, incluía na lista de administradores Roberto Trombeta, Rodrigo Morales e Mariana de Paula – esta última é funcionária do escritório de contabilidade dos dois primeiros. Emais três empresas tinham Mariana de Paula como presidente ou diretora – Palatina Services, Tampa Services e Centuria Financial Services.

 

O e­mail não e a única evidência das relações entre o dono da CAOA e os contadores. Em maio de 2013, segundo emails da Mossack Fonseca, Mariana de Paula deixou a presidência da Centuria Financial Services e foi substituída pelo próprio Oliveira Andrade.

 

Além disso, em abril de 2013, Trombeta, Morales e Mariana de Paula renunciaram a seus cargos como diretores da Perlas del Pacífico e foram substituídos por terceiros. A ata que formalizou esse processo indica que os diretores demissionários se reuniram na Avenida Ibirapuera, 2822 – o principal endereço da CAOA em São Paulo.

 

O fato de Oliveira de Andrade estar relacionado a investigados pela Polícia Federal não significa que ele está envolvido com a Lava Jato, ou mesmo que tenha cometido ilegalidades.

 

Em nota enviada ao Estado, a concessionária de automóveis informou que “a CAOA Internacional é uma subsidiária integral da CAOA Montadora, perfeitamente regular perante as autoridades brasileiras, com todo o seu capital declarado e registrado junto ao Banco Central, sendo seu braço para negócios internacionais”.

 

A assessoria informou ainda que as demais empresas que aparecem no pedido de abertura das offshores “não estão em nome da CAOA” e “não tiveram participação em seus negócios”.

 

Segundo a empresa, houve ainda outra offshore registrada em nome do grupo CAOA nos anos 90, a C.A. de Oliveira Andrade Com. Imp. e Exp., que importava e distribuía veículos da marca Renault. (O Estado de S. Paulo/Daniel Bramatti, José Roberto de Toledo e Rodrigo Burgarelli e Guilherme Duarte)