O combustível para automóveis que vem da galinha

O Estado de S. Paulo

 

Antes desprezado ou usado como adubo sem tratamento, o grande volume de excremento produzido diariamente por 84 mil galinhas poedeiras da Granja Haacke, no município de Santa Helena, a 110 km de Foz do Iguaçu (PR), hoje vira combustível para automóveis. Ao participar de um programa que transforma os dejetos em gás biometano, o proprietário da fazenda resolveu vários problemas.

 

“O dejeto tinha cheiro forte, incomodava, atraía moscas e prejudicava o meio ambiente”, afirma Nilson Haacke. Ele investiu R$ 700 mil em equipamentos para decompor as fezes até virarem biogás. Seu parceiro no projeto, o Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás), que tem a hidrelétrica de Itaipu como principal mantenedora, entrou com R$ 400 mil na instalação de um biodigestor, cuja função é purificar o biogás e transformá­lo em biometano.

 

A Itaipu Binacional adquire o gás veicular de Haacke para abastecer sua exclusiva frota de 43 veículos movidos a biometano. O produto foi regulamentado pela Agência Nacional de Petróleo há cerca de um ano.

 

Por ser combustível verde, o biometano atrai interesse das montadoras. A Scania iniciou a produção de um ônibus a gás na fábrica de São Bernardo do Campo (SP), com chassi importado da Suécia. Uma unidade será testada em São Paulo em maio, mas o grupo já tem contratos de exportação para Colômbia e México. Um ônibus da marca, também trazido da Suécia, rodou com biometano no fim de 2014, no transporte de funcionários de Itaipu e em outros cinco Estados, e comprovou a eficiência do combustível.

 

Abastecer a frota não é a única razão para a usina difundir o novo combustível alternativo. “O Paraná é o maior produtor de proteína animal e, no processo de confinamento, é gerada enorme quantidade de dejetos que, se descartada inadequadamente, polui águas, mata peixes e chega aos reservatórios da usina”, diz Rodrigo Regis Galvão, presidente do CIBiogás.

 

Segundo Galvão, as características do biometano são as mesmas do gás natural, mas a origem é verde (vem de matéria orgânica), enquanto o GNV é de origem fóssil (vem dos poços de petróleo). Além das fezes da galinha, o gás pode ser obtido de suínos, bovinos, bagaço de cana e lixo em geral. Como biogás, é muito usado na geração de energia.

 

Após separado o gás, o líquido que sobra pode ir direto para a lavoura como fertilizante natural. “O Brasil importa 90% do fertilizante químico usado na agricultura”, diz Marcelo Alves de Sousa, gerente de relações institucionais da CIBbiogás. O centro desenvolve projeto para transformar o líquido em flocos para ser revendido no mercado.

 

Com as galinhas, que também fornecem ovos vendidos na Ceasa local, Haacke consegue produzir 700 m³ por dia de biometano, que é armazenado em cilindros e levado até Itaipu, onde há um posto de abastecimento. Ele gera ainda a energia usada na granja durante o dia, por um motogerador, que resulta em economia mensal de R$ 8 mil na conta de luz. Também utiliza o fertilizante na plantação de milho e outros produtos.

 

Haacke começou a produzir biometano no fim de 2014 e, por enquanto, só fornece para Itaipu. “Quando tiver demanda, vou produzir em escala comercial”, afirma o agricultor de 53 anos. Ele iniciou a criação de galinhas aos 28 anos, com 600 aves. Hoje, tem 200 mil – das quais 84 mil são confinadas para o projeto biometano – e 900 cabeças de gado, cujos dejetos também viram biogás. Emprega 28 funcionários e conta com ajuda do filho, de 25 anos, e da filha, de 20.

 

Frota

 

A frota de Itaipu é formada em grande parte por modelos Siena, da Fiat, adquiridos pela hidrelétrica na versão tetrafuel – aceita etanol, gasolina com adição de etanol, gasolina pura e GNV. Três Mitsubishi L200 e um Chevrolet Cobalt foram alterados para receber o kit de gás.

 

Segundo a Fiat, no primeiro trimestre deste ano, foram vendidas entre 500 e 700 unidades do Siena tetrafuel. O modelo tem grande procura entre taxistas.

 

Até o fim do ano, a usina de Itaipu terá 86 carros a biometano, e quer incentivar o aumento da escala de produção do combustível não só para seu uso. O País tem hoje 1,18 milhão de veículos movidos a gás natural, segundo a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás). A grande maioria é de modelos que passaram por modificações em oficinas e podem usar o biometano.

 

De acordo com Sousa, o custo do biometano é, em média, 40% inferior ao da gasolina e 30% menor que o do etanol, além de garantir maior autonomia. Na comparação com o diesel, é 28% mais em conta, informa Silvio Munhoz, diretor da Scania. “Quando produzido em larga escala, também poderá competir em vantagem com o GNV”, diz.

 

A ideia do CIBiogás é que o biometano seja um combustível regional, especialmente nas áreas do agronegócio. “Ele só tem viabilidade em um determinado raio, pois não demanda estrutura de um gasoduto, que é cara”, afirma Galvão. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)