Car and Driver Brasil
O que moverá os carros (provavelmente autônomos) no futuro próximo nos países desenvolvidos? A Toyota, maior fabricante do mundo, acha que será a célula de combustível, ou fuel-cell, e não os híbridos ou elétricos. “A tecnologia desses dois tipos de carro é relativamente simples e não há nada que não tivéssemos feito para aperfeiçoar o sistema”, disse ao jornal Japan Times, de Tóquio, o diretor geral da Toyota, Koei Saga. (A Toyota, vale lembrar, construiu o Prius, lançado em 1997 e o híbrido de maior sucesso no mundo). “Mas quando se busca por soluções energéticas mais eficientes, os elétricos provavelmente não se enquadrarão nesta proposta.”
A antevisão do futuro da empresa foi lançada em novembro, em Tóquio, e se chama Mirai, um sedã que entra para a história como o primeiro fuel-cell (ou FC) de produção para venda ao público – até então, esse tipo de veículo era vendido no sistema de leasing. O Mirai, palavra que significa futuro, em japonês, circula no Japão e nos EUA e depois chega a alguns países europeus.
A Honda, que nos últimos anos passou a investir com mais força nos híbridos e no downsizing dos motores, também retomou o desenvolvimento da célula de hidrogênio e apresentou, simultaneamente ao Mirai, a segunda geração do Clarity, sedã de porte equivalente ao Toyota, mas com maior autonomia: roda 700 km, 50 km a mais que o Mirai. A venda no Japão e nos EUA começou recentemente.
Comunidade hidrogênio
O preço é uma das barreiras que podem retrair o projeto da Toyota em criar uma comunidade baseada no hidrogênio. Ainda assim, a empresa prevê que o Mirai terá 2 mil compradores até o fim deste ano e quer fechar 2017 com outros 3 mil carros vendidos. Até 2020, ano em que o Japão sediará os Jogos Olímpicos, espera ter uma frota de pelo menos 30 mil FCs.
Mas o problema – de novo – é o preço: no Japão, o Mirai custa o equivalente a US$ 62 mil (ou US$ 47 mil com o subsídio do governo, de 25%). Nos EUA, terá valor semelhante ao praticado no Japão. Os americanos podem comprar um carro do mesmo porte, o Toyota Avalon híbrido com todos os equipamentos, por US$ 40 mil. O Clarity custa o equivalente a US$ 65 mil, sem os descontos. O Honda Accord híbrido sai por US$ 29.300 nos EUA. “Por enquanto, contamos com o subsídio do governo, mas esse incentivo não será para sempre”, disse Kiyoshi Shimizu, chefe do projeto Clarity, na apresentação do modelo no Salão de Tóquio. Ele, no entanto, acredita que até 2020 o preço dos FCs será mais tangível.
A queda no preço é natural, na medida em que a tecnologia se torna mais acessível – e comercialmente mais viável. Os primeiros fuel-cell da era moderna começaram a circular no fim dos anos 1990: pesados, tinham autonomia limitada, raros postos de abastecimento e enfrentavam a desconfiança do público. O alto custo de desenvolvimento, no entanto, foi o que levou empresas como a GM, uma das pioneiras no uso do FC, a adiar o projeto – mesmo caminho seguido pela BMW e pela Volkswagen, entre outras grandes fabricantes.
Hoje, a GM se associa com a Honda para aprimorar o sistema e obter escala para reduzir custos, enquanto a Hyundai anuncia redução de quase metade do preço do ix35 FC, vendido na Coreia do Sul pelo equivalente a US$ 77 mil. A Toyota adota outro tipo de estratégia: no Consumer Electronics Show, exposição internacional de eletrônicos de consumo em Las Vegas, EUA, em janeiro, anunciou que abriria mais de 5.500 patentes da tecnologia fuel-cell e liberaria os projetos a outros interessados.
É preciso considerar, igualmente, que houve um salto de evolução tecnológica nos últimos 15 anos. As pilhas de hidrogênio estão 33% menores e, com a redução do uso de platina, de 29 gramas para 10 gramas, 50% mais leves. As baterias são mais eficientes, as carrocerias estão mais leves – e mais rígidas –, os pneus de baixo atrito já equipam carros de entrada e há ambiente favorável para a disseminação de veículos não poluentes.
Onde?
O que move as fabricantes a desenvolver os carros com emissão zero de poluentes, como os fuel-cell, é a legislação ambiental cada ano mais rigorosa e os incentivos fiscais. Nos Estados Unidos, além dos descontos no preço do leasing, quem tem um FC pode abastecer de graça nas estações espalhadas pelo país. O sul da Califórnia concentra a maior parte dos postos de abastecimento: atualmente, são nove em funcionamento, além dos vinte em construção. É pouco. A meta é chegar a pelo menos 100 postos, quantidade suficiente para atender a todos os interessados. O governo do estado empenhou US$ 20 milhões por ano para atingir a meta.
E aqui, chegamos a outra dificuldade para o avanço dos carros FC: onde abastecer. No Japão existem 28 estações processadoras de hidrogênio, a maioria distribuída na região metropolitana de Tóquio. “É pouco, mas, por enquanto, o suficiente para atender aos donos dos FCs”, nos disse Yoshikazu Tanaka, engenheiro-chefe da Toyota. Ele conta que até o fim do ano a rede será ampliada para 81 postos, quantidade ainda insuficiente para atender a todo o país.
Para que você entenda, o hidrogênio, elemento mais abundante na terra, tem a mais alta taxa de energia por peso se comparado a qualquer outro combustível, por não conter átomos de carbono. Como comparação, a energia liberada pelo hidrogênio é 2,5 vezes a da gasolina. Por ser leve, é o combustível que normalmente impulsiona as naves espaciais. O elemento é comprimido (a 700 bar, no caso do Clarity) em tanques moldados em fibra de carbono.
Expresso
O problema é que o hidrogênio precisa ser processado, por não ser encontrado em estado puro. E as usinas de processamento custam caro – e, enquanto não surgirem soluções mais eficientes (como o emprego da energia solar, por exemplo), consomem muita energia. É a maior crítica feita pelos ambientalistas: eles acham que o custo ambiental para se rodar com um veículo de emissão zero é alto demais. Há diferentes formas de processamento, mas a mais comum é a partir de combustíveis fósseis. Outra maneira, adotada no Brasil como parte do Projeto Ônibus Brasileiro a Hidrogênio, é por eletrólise da água, método que funciona à base de energia elétrica. A estação, localizada na Grande São Paulo, custou US$ 1,5 milhão.
Como alternativa aos postos de abastecimento públicos, a Honda testa desde 2003 na Califórnia uma estação doméstica, mais compacta, que processa eletrólise da água por energia solar. Além de abastecer o FC, a estação pode gerar energia para a casa. Na apresentação do Clarity em novembro, no Japão, a empresa também mostrou um gerador portátil que, conectado ao bocal de abastecimento do carro, pode gerar energia elétrica. Na demonstração, o gerador alimentava uma máquina de café expresso servido aos jornalistas, mas, segundo a Honda, pode prover energia de uma casa durante uma semana.
Como andam
Um fuel-cell é basicamente um carro elétrico – que se comporta como tal, como comprovamos em rápida avaliação do Toyota Mirai e do Honda Clarity em pistas fechadas no Japão. Silêncio absoluto a bordo e torque abundante são qualidades comuns a ambos, mas ao volante o Mirai tem reações mais rápidas que o Clarity. A aceleração é progressiva e uniforme em ambos.
O motor elétrico do Toyota gera potência equivalente a 155 cv (com torque de 34,14 kgfm) e o do Honda, 135 cv (26,13 kgfm de torque). De acordo com o teste da C/D americana, o Mirai faz 0 a 100 km/h em 9,4 s e atinge a máxima de 177 km/h (o Clarity ainda não foi testado em pista).
Os dois têm o mesmo porte (cerca de 2,80 m de entre-eixos), amplo espaço interno para quatro adultos e porta-malas de cerca de 350 litros. O Clarity pode armazenar até 67 kg de hidrogênio, e o Mirai, 87,5 kg, e ambos exigem de três a quatro minutos para o abastecimento. Pesam, respectivamente,1.624 kg e 1.850 kg. O desenho privilegia a eficiência aerodinâmica e não a estética. Ainda assim, o Clarity se parece mais com um sedã normal que o Mirai.
A estação compacta de abastecimento criada pela Honda produz hidrogênio a partir da eletrólise da água. E, além de abastecer os FCs, pode gerar energia para residências.
Fuell Cell a R$ 3,80
A única chance de você andar em um veículo fuel-cell no Brasil é, por enquanto, como passageiro: em março, três ônibus a célula de hidrogênio começaram a circular pelos 12 km do corredor São Mateus-Jabaquara, em São Paulo. Por R$ 3,80, preço da passagem, você pode ter a sensação de estar em um país mais avançado. Os veículos do Projeto Ônibus Brasileiro a Hidrogênio – que envolve a ONU, órgãos ambientais e os governos federal e estadual – estão sendo testados desde setembro e foram aprovados, diz um dos coordenadores do programa, Ivan Carlos Regina, da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU).
O consumo de 6 kg de hidrogênio/hora equivale a 300 km de autonomia. “O combustível tem alto grau de pureza e é extraído a partir da eletrólise da água”, informa Regina. O projeto consumiu US$ 2,4 milhões, dos quais US$ 1,5 milhão para a montagem da usina de abastecimento, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. A tecnologia é canadense e o projeto ainda é experimental. O ônibus é dotado de nove tanques de armazenamento de hidrogênio com capacidade total de 45 kg e 44 tabletes de baterias de íon de lítio. Pesa 15 toneladas e tem estimados 313 cv.
Audi H-Tron, o mais recente
A Audi foi uma das grandes fabricantes que retomou o projeto de veículos fuel-cell: acaba de apresentar no Salão de Detroit (EUA) o conceito H-Tron quattro. A ilustração ao lado mostra o funcionamento do H-Tron – que, a rigor, é semelhante a qualquer veículo a hidrogênio.
O Audi conta com três cilindros de armazenamento de hidrogênio líquido e dois motores elétricos, um em cada eixo. O hidrogênio sai dos tanques e alimenta a célula de combustível (no destaque). Ao reagir com o oxigênio, produz vapor d’água – eliminado pelo escapamento – e a eletricidade que é armazenada nas baterias de íon de lítio e é usada para movimentar os motores elétricos. (Car and Driver Brasil)