The Wall Street Journal
Em setembro de 2015, três executivos entraram no escritório do presidente da Toyota Motor Corp., Akio Toyoda, em Tóquio, com um apelo para uma mudança radical. A Toyota, acreditavam eles, precisava abraçar a produção de carros autônomos, potencialmente sem motoristas algo que Toyoda, um entusiasta de corridas automobilísticas que gosta de ter as mãos e os pés no controle de seus veículos, vinha resistindo há muito tempo.
Os três encararam Toyoda, prontos para passar um bom tempo persuadindo o chefe. Mas ele já havia mudado de ideia.
“Vocês estão pensando demais sobre isso”, disse Toyoda durante a reunião, lembra um dos participantes. “Nosso objetivo é garantir que todo mundo possa se mover livremente”.
“Eu pessoalmente mudei radicalmente a forma de pensar”, disse Toyoda em entrevista ao The Wall Street Journal no Salão Internacional de Automóvel de Detroit esta semana. A revelação havia ocorrido mais de um ano antes, durante um encontro do executivo com atletas paraolímpicos que queriam andar em carros elegantes, disse ele, embora admitindo que só comunicou sua mudança de atitude muito mais tarde.
“Acredito que faz sentido para a Toyota participar na área de veículos autônomos”, disse. “E nós temos os recursos para fazêlo”.
A surpreendente mudança da Toyota faz parte de uma agitação na indústria automobilística. Com a gasolina barata e vendas recordes nos Estados Unidos, os negócios vão bem para as grandes montadoras. Mesmo assim, a ameaça da evolução tecnológica as amedronta. Na batalha pela supremacia global, as montadoras tradicionais temem que os fabricantes de software roubem a alma e a lucratividade do setor, colocandoas em uma posição similar à das fábricas chinesas que produzem smartphones para marcas globais.
A Alphabet Inc., controladora do Google, está desenvolvendo software para carros autodirigíveis e a Apple Inc. está trabalhando em um carro elétrico. Essas empresas e “startups” como a provedora de serviços de carona paga Uber Technologies Inc. estão investindo em um futuro em que a potência dos carros aumentará com a largura da banda.
A ascensão de carros elétricos produzidos por empresas como a Tesla Motors Inc. pode reduzir as barreiras de entrada no setor ao evitar o centenário motor de combustão interna e sua centenária engenharia acumulada ao longo do século.
Algumas grandes montadoras estão servindo de ponte para novas empresas entrarem no setor. A General Motors Co. investiu US$ 500 milhões na Lyft Inc., rival do Uber. A Ford Motor Co. negocia com o Google uma parceria para desenvolver carros autônomos em conjunto, segundo pessoas a par do assunto.
Nada ilustra melhor o desafio para o setor que a Toyota. Ela é a maior montadora do mundo em vendas mais de 10 milhões de veículos por ano e lucro. Para o ano que se encerra em março, a expectativa é de um lucro líquido de US$ 19 bilhões. Mas, dentro da empresa, cresce a ansiedade em relação à transformação do setor, que a forçará a competir fora de seus pontos fortes tradicionais de confiabilidade dos carros e potência manufatureira, dizem executivos e exfuncionários da Toyota.
Nos bastidores, nos últimos quatro anos os executivos da Toyota rechaçaram tentativas do Google de negociar e lutavam até com a terminologia, já que a palavra “autônomo” era um tabu.
Agora que Toyoda revelou seu novo ponto de vista, a empresa vem lançando várias iniciativas. Ela anunciou que vai investir mais de US$ 1 bilhão em um laboratório no Vale do Silício e contratar alguns dos melhores talentos da tecnologia. A Toyota espera estar produzindo carros autônomos até 2020 e busca oportunidades de negócios criadas pela inteligência artificial e robótica.
O reinado de Toyoda, que tem 59 anos, foi abalado por crises. Ele assumiu o comando em 2009, em meio à crise econômica global, e logo depois a Toyota divulgou seu primeiro prejuízo em décadas. Ela anunciou recalls após alegações de perda do controle de direção em alguns veículos e teve de arcar com US$ 2 bilhões em multas e acordos nos EUA. Essas crises tornaram a montadora mais sensível ao risco e, por um tempo, ela evitou mergulhar de cabeça em projetos de veículos autônomos, de acordo com executivos atuais e antigos.
O Google iniciou seu projeto de carros autodirigíveis em 2009. A atenção pública cresceu depois que os Estados de Nevada e Califórnia permitiram que os carros fossem testados em vias públicas, a partir de 2012. Naquele ano, o Google propôs à Toyota um acordo de cooperação no controle do veículo, segundo pessoas a par do assunto, incluindo Yasumori Ihara, na época um executivo sênior da Toyota. Toyoda diz que não sabia das negociações.
O Google queria que a Toyota transferisse a ele conhecimento sobre os movimentos físicos dos veículos, como acelerar, frear e fazer manobras, dizem as fontes. O Google não respondeu a pedidos de comentários.
A Toyota acabou recusando a oferta, preocupada com a possibilidade de que os carros pudessem se tornar uma mera commodity para o sistema operacional do Google, disse uma das fontes.
O orçamento anual de pesquisa de cerca de US$ 9 bilhões da Toyota incluía algumas pessoas estudando novas tecnologias. Em um centro técnico, engenheiros trabalhavam em tecnologias que permitem que carros estacionem de forma autônoma. A Toyota só começou a testar a tecnologia de direção autônoma em Michigan, por volta de 2012, dizem pessoas envolvidas no projeto, mas seus engenheiros tinham dificuldade em trabalhar por causa da ambivalência sobre a ideia na empresa, considerando que a visão de Toyoda era diferente.
Finalmente, em janeiro de 2014, a montadora formou uma nova equipe dedicada a carros autônomos sob a liderança do engenheiro Ken Koibuchi. Em maio do mesmo ano, o Google revelou o primeiro protótipo de um carro totalmente autônomo.
Pressionados por repórteres a explicar por que a Toyota parecia estar tão atrás do Google, os executivos disseram na época acreditar que a pesquisa da Toyota estava tão avançada quanto a do Google, mas, ainda assim, eles se mantiveram alinhados ao pensamento de Toyoda: a tecnologia existe para ajudar os motoristas, não para substituí-los.
Internamente, Koibuchi alertou cerca de 20 executivos, numa reunião da qual Toyoda não participou, que os desafios tecnológicos eram de uma magnitude que a Toyota jamais havia visto. Para que os veículos autônomos funcionassem, eles precisariam de mapas de alta precisão, inteligência artificial e tecnologia de reconhecimento de imagem. Os fornecedores tradicionais da Toyota não bastariam, alertou. Koibuchi diz que, depois disso, sua equipe ganhou mais engenheiros e mais orçamento.
O novo laboratório da Toyota no Vale do Silício, liderado por Gill Pratt, um exgerente de robótica da unidade de pesquisa do Departamento de Defesa dos EUA, vai estudar inteligência artificial. Além disso, a Toyota agora tem cerca de 70 pessoas estudando tecnologias autônomas no Japão e outras 100 no Vale do Silício, diz Koibuchi.
Hoje, Toyoda reconhece que até seu slogan favorito pode ter confundido alguns empregados. O slogan da Toyota é “Fun to Drive” (algo como “Dirigir é divertido”, em tradução livre). “Eu notei que mesmo quando falo sobre ‘a diversão de dirigir’ preciso diversificar mais minha forma de pensar”, diz ele, acrescentando que ainda não quer abandonar aquela meta. Carros autônomos, diz ele, deveriam no fim reduzir os acidentes de tráfego para zero.
Autônomo ou não, diz Toyoda, os carros deveriam oferecer liberdade. “Esse é um elemento que os carros nunca devem perder”, diz. “Não importa como, os carros precisam conquistar o amor de seus usuários”. (The Wall Street Journal/Yoko Kubota e Mike Ramsey)