Recuperação do País será rápida, prevê Land Rover

O Estado de S. Paulo

 

O que a maioria dos brasileiros chama hoje de crise, o britânico Terry Hill, presidente da Jaguar Land Rover, considera uma “desaceleração”. Ele acredita que a economia do País vai se recuperar mais rápido do que muitos esperam. Em razão dessa confiança, compartilhada pela matriz britânica/indiana, ele diz não se sentir frustrado por inaugurar uma fábrica em meio a um furação econômico e político, que levará o setor automotivo ao seu pior desempenho em nove anos.

 

A inauguração da fábrica de veículos premium da Jaguar Land Rover em Itatiaia (RJ), vai ocorrer no primeiro trimestre de 2016, como previsto no anúncio do projeto, há dois anos. No dia 16, teve início a produção do primeiro protótipo para testes.

 

O executivo afirma que o projeto de R$ 750 milhões (tudo com capital próprio), representa um grande voto de confiança no futuro do Brasil. “O País tem potencial para crescer e não queríamos ficar aqui apenas como importadores, ser um nicho no mercado, vendendo 4 mil veículos ao ano”, justifica. “Temos plano de ir muito além.” A fábrica tem capacidade para produzir 24 mil unidades por ano.

 

Além disso, a unidade local deixa o Brasil no foco da marca britânica adquirida pelo grupo indiano Tata Motors.

 

Mais otimista do que muitos parceiros do setor, Hill vê possibilidade de a economia começar a se recuperar na segunda metade de 2016, e mais consistentemente a partir de 2017.

 

Um dos fatores que pode impulsionar a retomada são os Jogos Olímpicos no Rio. Ele lembra que, em 2012, o Reino Unido enfrentava dificuldades. Com a realização da Olimpíada, houve uma onda de otimismo no país, que se reverteu em benefícios para a economia.

 

“Acho que o mesmo pode ocorrer no Brasil.” Ele lembra que o mercado automotivo é muito influenciado pelo nível de confiança dos consumidores e uma mudança no cenário ajudará na retomada.

 

Este ano, o mercado total de veículos registra, até outubro, queda de 24% nas vendas em relação a 2014, para 2,1 milhões de unidades. No segmento premium as vendas cresceram 22%, com 52,3 mil unidades.

 

A Jaguar, com modelos entre R$ 199 mil e R$ 662 mil, cresceu 21,8% (396 unidades). A Land Rover, especializada em utilitários-esportivos, registra queda de 7,8%, para 7,1 mil unidades. Os produtos da marca custam de R$ 183 mil a R$ 670 mil.

 

Hill ressalta que a companhia trabalha com o ano­calendário abril/março e, nesses 12 meses, a marca deverá registrar estabilidade. “Em cinco anos pretendemos dobrar nossas vendas”.

 

Ele ainda espera queda de 5% nas vendas do mercado total no próximo ano, pois a recuperação esperada para o segundo semestre não será suficiente para reverter dados negativos do primeiro. “As coisas vão começar a melhorar e 2017 será melhor”.

 

Ainda assim, sua previsão para que o mercado brasileiro atinja vendas de 5 milhões de veículos – antes projetada para 2015 – só deve ocorrer em dez anos. Até lá, acredita que o segmento de luxo represente 5% das vendas, ou 250 mil carros ao ano.

 

Produção

 

O primeiro veículo a sair da linha de montagem de Itatiaia é o crossover Evoque. Cerca de dois meses depois deve chegar o utilitário Discovery Sport. “Quase toda a demanda desses modelos será atendida pela produção local”, diz Hill.

 

Os dois veículos serão produzidos em versões diesel e gasolina. No futuro, serão introduzidos motores flex. Inicialmente, de 70% a 85% dos componentes serão importados. Apenas um fornecedor de peças, a Benteler, estará ao lado da fábrica.

 

A montadora vai iniciar operações com 400 funcionários e já contratou 320, dos quais 94 foram treinados em fábricas do Reino Unido.

 

Fábrica trouxe geração de emprego e renda para Itatiaia

 

Ainda na estrada que leva ao município de Itatiaia, no sul fluminense, surgem os primeiros contornos da mais nova “moradora” da cidade – uma vizinha muito benquista, por sinal. A instalação da Jaguar Land Rover tem trazido esperança de novos empregos, geração de renda para empresários locais e incentivo a projetos sociais.

 

Nos últimos meses, foram admitidas cerca de 100 pessoas para trabalhar na produção ou em empresas terceirizadas de segurança, limpeza e alimentação, segundo estimativas do governo municipal, que tem coordenado os processos seletivos por meio do Núcleo de Emprego e Qualificação (NEQ).

 

“Não temos problema de emprego. Temos problema de mão de obra”, diz o secretário de Trabalho, Emprego e Geração de Renda, Djalma da Silva.

 

O técnico em automação industrial Tiago da Silva Ramos, de 33 anos, no ramo automotivo há 12 anos, foi convidado para trabalhar como analista de qualidade na linha de produção. “Eu estava bem no outro emprego, mas surgiu esse desafio”, diz. “Venceu também a questão da qualidade de vida. Agora, vou de bicicleta até o trabalho”.

 

Itatiaia fica a 170 quilômetros da capital Rio de Janeiro, onde é possível encontrar o mais caro metro quadrado de imóvel do Brasil. Mas a especulação imobiliária também chegou ao sul fluminense, na esteira da instalação não só da Land Rover, mas de outras empresas.

 

Os preços de aluguéis deram um salto nos últimos dois anos, desde que a montadora anunciou que iria para lá. Corretores contam que casas antes alugadas por R$ 500 agora não ficam por menos de R$ 800 mensais.

 

Quem anda pelo centro vê os sinais do progresso recente. Há inúmeras construções novas, tanto comerciais quanto residenciais, além de franquias e filiais de marcas internacionais (como a rede de fast food Subway) e regionais (como Lojas Cem e Eraldo Magazine) recém-inauguradas.

 

Projetos sociais também ganharam força. Um deles, chamado de “A Música Venceu” e patrocinado pela montadora oferece aulas de iniciação e formação musical a 100 crianças do município.

 

Desde 2009, com a edição de uma lei de incentivos fiscais a novas empresas, diversas multinacionais escolheram o local como destino, entre elas Hyundai, Procter & Gamble, Michelin, além da própria Land Rover.

 

“A crise infelizmente é no Brasil inteiro, mas Itatiaia ainda ficou numa posição privilegiada. As empresas que vieram para o município não deixaram de investir. Então, estamos conseguindo passar por essa fase com certa tranquilidade”, diz o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Denilson Sampaio.

 

Este ano, a prefeitura deve arrecadar R$ 164 milhões em tributos. Ainda que seja quase 25% menos que em 2014, impacto da crise, a cifra é mais de três vezes o montante que encheu os cofres do governo em 2008, antes da lei de incentivo fiscal.

 

“Sem a fábrica, teria fechado muita coisa”

 

A corretora Rozimar de Oliveira Pires, no ramo há seis anos, tem aproveitado a maré favorável na cidade. Ela conta que os preços de imóveis deram um salto tanto em termos de aluguel quanto de venda, processo que se acelerou desde o anúncio, em 2013, da chegada da Jaguar Land Rover.

 

Casas de dois dormitórios, antes alugadas por R$ 500, agora têm como mínimo um contrato de R$ 800 mensais. Com quintal, o preço sobe para R$ 900, informa a corretora. Neste ano, os valores encolheram um pouco por causa da crise econômica, mas ainda estão distantes do patamar original. Nem por isso a demanda enfraqueceu. “Tenho poucas casas disponíveis”, comemora Rozi, como é conhecida na cidade.

 

A chegada da montadora ajudou muitos empresários locais a reforçar o cofre em tempos de economia não tão boa. “Está dando para levar. Sem a fábrica, teria fechado muita coisa. A cidade é muito pequena”, afirma Rozi.

 

“Com a vinda da Land Rover, aluguei casas para empresas que trabalham na obra a preços que ninguém pagaria em Itatiaia. Uma delas por R$ 2,5 mil, outra por R$ 3,3 mil”, conta a corretora, sem esconder o entusiasmo. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva e Idiana Tomazelli)