“Eu vou atrás da crise”, diz CEO da Marcopolo

Zero Hora

 

Francisco Gomes Neto assumiu o comando executivo da Marcopolo em agosto e, desde então, vinha mantendo baixo perfil e pouca exposição pública. Na conversa com a coluna, ficou claro que é o homem certo na hora certa: está de volta ao Brasil depois de seis anos e meio na unidade da Mann Hummel nos Estados Unidos. Chegou lá em novembro de 2008, no auge da crise que derrubava bancos e empresas do setor automotivo quase com a mesma velocidade. “Eu vou atrás da crise” assume.

 

Nos EUA, passou quatro anos e meio em Michigan e os últimos dois em Raleigh, capital da Carolina do Norte. Paulista, trabalhou também em Indaiatuba, na Knorr Bremse. Desde agosto, diz que não encontrou muito frio Caxias do Sul, mas muita chuva. Diz ter encontrado um “povo muito receptivo” e “boa comida”, da qual desfruta sem estresse correndo de 20 a 30 quilômetros por semana — em muitos dias deste 2015 chuvoso, na esteira.

 

Voltar ao Brasil de 2015 é um pouco como chegar aos EUA em 2008?

É, vou atrás da crise. Quando cheguei lá, as vendas caíram 40%, mais ou menos como aqui agora. Mas acho que tem uma diferença importante. Lá, a crise durou pouco mais de um ano. Em 2010, já houve melhora. No Brasil, a crise começou no ano passado, com PIB quase zero, este ano é um desastre, especialmente neste segmento, e não há expectativa de que melhore para 2016.

 

Saber lidar com crises foi decisivo para assumir a Marcopolo agora?

Não foi exatamente por isso, mas a experiência internacional contou, com certeza. No meu último trabalho, era responsável por várias plantas em países diferentes. A Marcopolo também tem um desafio desse tipo. É uma empresa bem internacionalizada, com experiência em diferentes países, diferentes culturas. Mas passei por várias outras crises. Em comum, tem a queda nas vendas. É preciso ajudar a empresa, da melhor forma possível, para não perder talentos e, ao mesmo tempo, evitar ou reduzir prejuízos. Manter a turma motivada para quando a crise passar. O grande desafio no Brasil é saber a profundidade e a duração da crise. Nesse momento, é difícil de enxergar.

 

Como tem sido a experiência em Caxias?

Cheguei em agosto e não senti muito o frio. Só vi muita chuva. Acredito no pessoal que está dizendo que não é sempre assim (risos). É um povo muito receptivo. E como tem boa comida, sempre que termino o expediente procuro correr, entre 20 e 30 quilômetros por semana, dependendo da disponibilidade de tempo. Muitas vezes tive de ir para a esteira, por causa da chuva. A família ficou nos Estados Unidos, porque um dos dois filhos já trabalha e quer ficar um pouco mais, ganhar experiência.

 

Qual o principal desafio de assumir a Marcopolo em um momento como o atual, em que o setor é um dos principais afetados pela crise?

Estou gostando bastante, é uma companhia muito bem estruturada, tem marca forte, um excelente relacionamento com o mercado e um time com muita experiência. O povo daqui é cheio de energia, o que é uma vantagem. O desafio, no curto prazo, é passar por essa crise sem desestabilizar a organização. Uma das alternativas que buscamos foi criar uma força-tarefa para melhorar a exportação.

 

Essa força-tarefa tem algum resultado?

Melhorou bastante em relação ao ano passado, e esperamos resultados ainda melhores em 2016. Estamos com foco na exportação, na eficiência e na redução de despesas. Tentar reduzir o custo proporcionalmente à queda nas vendas é difícil, mas estamos tentando melhorar a eficiência operacional, industrial, olhando também redução de custos de retrabalho, de hora de fabricação. A ideia é ajudar a passar 2016 igual ou melhor do que 2015. Nossa previsão é de que, no próximo ano, o mercado doméstico fique igual. Se conseguirmos aumentar a exportação, melhora um pouquinho. No médio prazo, estamos revisando a estratégia da companhia, construída no passado, para aumentar a participação no Brasil.

 

Essa redução de despesa incluiu demissões?

Sim, foram feitas antes de eu chegar. De dezembro de 2014 até junho de 2015, foram quase 2 mil funcionários a menos. Agora são 8,5 mil na empresa. A gente faz o possível para não deixar a situação social do país piorar ainda mais. Estamos usando todos os recursos de flexibilidade, como férias coletivas. Depende da situação da unidade, temos algumas piores, no Rio. Em Ana Rech, nossa menina dos olhos, estamos com bons pedidos para o último trimestre, vamos até trabalhar uns três sábados até o final do ano. É a unidade mais nova, que faz veículos pesados, para exportação.

 

A compra do controle da Neobus tem esse objetivo?

Exatamente, com a Neobus aumenta nossa fatia do mercado doméstico de 40% para mais de 50%. A Marcopolo também comprou ações da New Flyer no ano passado. Essa empresa de Winnipeg, no Canadá, está indo muito bem, tanto que comprou outra, a MCI. O forte da New Flyer é ônibus urbano para transporte público, e o da MCI, ônibus rodoviário. A participação de 20% da Marcopolo na New Flyer é bem importante, até por representar receita em dólar, o que ajuda a amenizar a crise brasileira. Esse é nosso desafio, rever mercado por mercado e definir onde quer acelerar.

 

Fechar negócio nesse momento foi um negócio de oportunidade?

A Marcopolo já tinha 45% na Neobus, e agora surgiu essa oportunidade de adquirir o saldo de 55%. Quando cheguei, essa negociação já estava andando. O que fiz foi ajudar e apoiar o processo. A conjuntura teve algum impacto, mas a possibilidade já vinha sendo conversada há vários meses. Queremos buscar sinergias, não na distribuição e nos canais de venda, porque as marcas e os produtos vão continuar totalmente independentes, mas há possibilidade de ganhos em suprimentos e administração.

 

Qual é a maior diferença entre atuar nos EUA e no Brasil?

Os negócios nos EUA são muito mais simples, o pagamento de impostos, por exemplo, lá sim é supersimples. Tem regras diferentes de ICMS em cada Estado, IPI, PIS, Confins. O nível de automação industrial lá é bem maior, porque os equipamentos são mais acessíveis e baratos, é fácil comprar equipamento da China ou de outro lugar com imposto de importação quase zero. No Brasil, chega a 30%. A produtividade também é muito maior do que a daqui, deve ser entre 20 e 30% maior. Mas a Marcopolo tem uma boa estrutura, com grande força de trabalho do povo.

 

O fato de a Marcopolo ser uma empresa familiar ajuda ou atrapalha na hora de tomar decisões?

A Marcopolo é uma empresa familiar, mas muito profissionalizada em termos de governança. A família não atua na operação, só no conselho de administração. Quando é necessário, ligo para o presidente do conselho, Mauro Bellini.

 

A empresa consegue projetar o ‘fundo do poço’, quando a situação vai parar de piorar?

Estamos prevendo um 2016 ligeiramente melhor para a Marcopolo. No mercado interno, muito parecido com 2015, mas com alguma chance de melhorar na exportação. Alguns mercados estão respondendo melhor, como Oriente Médio, América Latina, Ásia e África. A boa estrutura da Marcopolo, que tem fábricas na África do Sul, na China, na Índia e na Austrália, ajuda. Até a unidade da Argentina, por incrível que pareça, está indo muito bem. Não é uma operação grande, mas é bem gerida.

 

E quais serão as mudanças estratégicas?

Estou aprendendo ainda. As vendas de ônibus para fretamento quase pararam, com a queda na atividade industrial, e isso representa quase um terço de nossas vendas. Com a falta de dinheiro em muitas cidades, também diminuiu a venda de ônibus urbanos, e a de rodoviários perdeu mais um pouco. Isso explica a redução de quase 40% no mercado interno. A queda total não é essa, estamos cerca de 20% abaixo do ano passado, porque a exportação compensa. Em anos anteriores, o mercado interno estava tão bom que deixamos o externo em segundo plano, até porque a cotação do dólar não favorecia, não tinha preço. As empresas chinesas ocuparam espaço. Agora voltamos, com competitividade, mas para deslocar concorrentes demora um pouquinho. No próximo ano, melhora um pouco mais. Aprendemos a lição: não vamos mais descuidar da exportação no futuro. (Zero Hora/Marta Sfredo)