O Estado de S. Paulo
Com capacidade para produzir 50 mil veículos por ano, a fábrica da Chery, em Jacareí (SP), usará neste ano menos de 10% desse potencial. Primeira marca chinesa a se instalar no País, ela teve o azar de sua estreia coincidir com uma das mais graves crises do setor automotivo, que levará a indústria automotiva local a retroceder nove anos em volume de produção, com cerca de 2,4 milhões de veículos, depois de atingir seu ápice em 2013, com 3,7 milhões de unidades.
A Chery iniciou o ano projetando produção de 30 mil carros para 2015, número depois revisto para 20 mil e na sequência para 10 mil.
Agora, pelas projeções, não deve chegar a 5 mil. “Começamos num ano ruim, mas é o preço que se paga para entrar no mercado”, diz o vicepresidente da Chery Brasil, Luis Curi. Há duas semanas, o executivo brasileiro está à frente dos negócios no País.
O então presidente da companhia no Brasil, o chinês Roger Peng, retornou à China após dois anos no cargo. Curi, que acompanha a Chery desde sua chegada ao País – primeiro como importadora –, deve permanecer como o principal executivo da filial brasileira até que a matriz decida enviar um substituto para Peng. Até lá, ele se reportará diretamente ao vicepresidente global, Thomas Wong.
Segundo Curi, “obviamente há uma frustração”, mas os chineses não estão arrependidos do investimento. Eles bancam o negócio, por enquanto, “extremamente deficitário”. O próprio Curi já havia afirmado que uma produção abaixo de 25 mil carros ao ano não seria rentável.
“Acreditamos que o dólar continuará caro e importar será difícil, portanto quem tiver unidade local se consolidará no País, embora isso demande tempo”. Ele lembra ainda que faz parte da estratégia global da Chery expandir atuação para outros mercados.
Na semana passada, a japonesa Honda, cujas vendas estão crescendo 15% num mercado que cai 22%, anunciou decisão inédita de adiar por tempo indefinido a inauguração de sua segunda fábrica no País, em Itirapina (SP). A filial está pronta e já fazia testes para a linha de montagem. A previsão era iniciar atividades no primeiro semestre do próximo ano.
Novo QQ
A crise do setor fez a Chery adiar para 2016 o início da produção do compacto QQ, antes previsto para setembro deste ano. A versão importada é vendida por R$ 30 mil, faixa de preço dos chamados “carros populares”, segmento mais prejudicado pela crise em razão da queda na renda da classe média e pela escassez de crédito.
Modelos com motor 1.0, que já chegaram a responder por mais de 60% das vendas de automóveis por serem mais baratos, hoje participam com 34% dos negócios. “O impacto maior da crise foi exatamente no nosso público, mais voltado para a Classe C”, ressalta Curi.
A marca vendeu, até outubro, 4.704 veículos, 60% deles do Celer, único modelo fabricado no Brasil. A Chery vai manter o início da produção do Tiggo para o próximo ano, assim como a de um novo modelo, que ainda está em fase de desenvolvimento.
O projeto de nacionalização de componentes também continua de pé. Entre 55% e 65% de peças do Celer são importadas. O projeto de ter um parque de fornecedores próximo à fábrica, contudo, também deve ser postergado.
Mesmo com os dois novos modelos, Curi estima que a produção deve ficar entre 7 mil e 10 mil unidades em 2016, o que significa que a fábrica continuará a operar com grande parte da capacidade ociosa.
A planta da Chery foi inaugurada em agosto de 2014, mas começou a operar em fevereiro. Desde então, ela ficou parada por dois meses – um por greve e outro por férias coletivas. Dos 600 funcionários, 100 já foram demitidos. A rede de revendas já contou com 72 lojas, mas só 52 operam hoje.
Para o presidente do Lean Institute e estudioso do setor automotivo, José Roberto Ferro, são poucas as chances de o projeto vingar. “O mercado brasileiro deve continuar fraco nos próximos cinco anos e a Chery é um ‘peixinho’ num tanque de tubarões”, diz. Ele se refere ao grande número de fabricantes no País. Até marcas tradicionais e com sólida posição na Europa, como Peugeot e Citroën, estão em dificuldade, com quedas nas vendas de 34% e 44%, respectivamente.
Sem invasão
Há poucos anos, as montadoras que estão no Brasil há mais de três décadas temiam os chineses. As sete marcas da China que atuam no País, porém, são todas importadoras – com exceção da Chery. Elas respondem por apenas 0,8% dos negócios.
Entre suas conterrâneas, a Chery é líder, à frente da JAC, que vendeu 4.372 carros até outubro – e segue com o projeto da fábrica na bBahia congelado. A Lifan vendeu 4.088 veículos, seguida de Geely (515), Jimbei (194), Changan (137) e Hafei (69). (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)