O Estado de S. Paulo
A Volkswagen é a primeira empresa a negociar uma reparação judicialmente por ter financiado ou participado ativamente da repressão à oposição política e ao movimento operário durante a ditadura militar no Brasil. Dirigente da matriz do grupo que esteve no Brasil neste mês a pedido do Ministério Público Federal (MPF) afirmou ao Estado que a companhia busca um acordo com o órgão, que baseia sua ação nas investigações feitas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV).
Segundo Manfred Grieger, diretor do departamento de Comunicação Histórica do Grupo Volkswagen, sua intenção ao participar do encontro no MPF, ocorrido em São Paulo no dia 14, era de entrar em contato com vítimas da ditadura militar brasileira e buscar mais informações sobre o relacionamento entre a Volkswagen do Brasil e as instituições brasileiras daquela época.
“Foi o início de uma discussão sobre como chegar a um acordo a respeito dessa questão”, afirmou Grieger. “Uma ideia é talvez desenvolver um conceito de memorial em conjunto com outras instituições brasileiras, como sindicatos, e colocá-lo em prática. Queremos continuar as discussões para explorar os prós e contras a respeito dos próximos passos”, disse, por email, o diretor.
Desde 2014 Grieger recolhe informações e documentos sobre as acusações de apoio dado pela montadora ao regime. Quem se reuniu com ele foi o procurador regional dos Direitos do Cidadão, do MPF, em São Paulo, Pedro Antônio de Oliveira Machado.
“Queremos fazer um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta). O objetivo é que o dinheiro da reparação seja depositado no Fundo de Interesses Difusos ou usado para a construção de um memorial ou museu sobre o período”, confirmou Machado.
Objetivo. Nas mãos de Machado e de seus colegas do MPF estão os documentos reunidos por dez centrais sindicais, associações, pesquisadores, por exintegrantes da CNV e exoperários da Volkswagen perseguidos pelo regime militar.
Os papéis foram entregues aos procuradores em setembro. Por meio de uma representação, eles pediam a abertura de um inquérito civil público a fim de que se apurasse “o quanto objetivamente contribuiu a Volkswagen do Brasil para a consecução das violações de direitos humanos noticiadas na representação”.
Os sindicalistas queriam ainda que o MPF apurasse o grau de participação do corpo dirigente da empresa em cada violação, em especial “aos crimes de tortura perpetrados no interior de suas plantas industriais” e a “colaboração com os órgãos de segurança estatal, unidades militares e organizações sindicais patronais”. Por fim, o grupo pediu que fossem investigados “benefícios obtidos pela empresa em razão da cumplicidade com o regime”.
Entre os documentos apresentados pelos sindicalistas estão os relatos de que a montadora doou equipamentos como modelos Fusca para o Destacamento de Operações de Informações (DOI) do 2.º Exército. Há documentos com o carimbo do Departamento de Segurança Industrial da empresa que foram enviados ao Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DopsSP) com detalhes sobre a atuação de operários, descritos como subversivos, em manifestações e greves.
Torturas
Há ainda cópias de cerca de 200 “boletins de ocorrência” feitos pela segurança da empresa e enviados ao Dops. Neles há relatos de operários surpreendidos pela Polícia Militar fazendo piquetes que, em vez de serem levados à delegacia, eram conduzidos pela PM para a fábrica da empresa em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, para serem identificados e interrogados. Há ainda relatos de espancamento e torturas de operários ligados a partidos comunistas ocorridos dentro da empresa.
Além de Machado e de Grieger, sindicalistas, pesquisadores e algumas das vítimas que reuniram esses papéis também estiveram na reunião na sede do MPF. Da Alemanha também veio para o encontro Joerg Kother, representante da Comissão Internacional dos Trabalhadores da Volkswagen.
“Nós queremos que seja feita uma reparação. Não procuramos acordos individuais, mas uma solução que seja coletiva”, disse Sebastião Lopes de Oliveira Neto, que coordenou o grupo de trabalho sobre a repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical, da CNV. De acordo com ele, que dirige o instituto Intercâmbio, Informações Estudos e Pesquisas (IIEP), “havia uma relação muito íntima entre a segurança da montadora e os órgãos de repressão do regime militar”. (O Estado de S. Paulo/Marcelo Godoy e Cleide Silva)