Escândalo na VW indica necessidade de mais tecnologia

The New York Times

 

O escândalo da Volkswagen nos faz sentir saudade dos tempos felizes em que os automóveis não tinham muita sofisticação. Lembram de quando nossas viagens não eram controladas por um software secreto, corrupto – quando o Oldsmobile de papai tinha funcionava de maneira tão simples que até um regulador do governo poderia entendê-la?

 

Contudo, embora desperte simpatia, o automóvel analógico não é uma opção realista. A verdadeira lição a ser tirada do escândalo da VW não é que os nossos automóveis abusam de recursos tecnológicos. Ao contrário, eles não usam tecnologia suficiente.

 

A fraude da VW funcionava da seguinte maneira: o software dos carros a diesel da companhia foi projetado para detectar quando um motorista o submete às rotinas específicas que a Agência de Proteção Ambiental utiliza em seus testes de laboratório. Quando detectava tais rotinas, o software do carro adotava um modo inocente com baixas emissões que não usava em estradas abertas.

 

A descoberta da trapaça só foi possível quando pesquisadores do Conselho Internacional de Transporte Limpo utilizaram uma tecnologia mais inteligente. Para analisar as emissões de veículos da VW em condições reais, eles instalaram dispositivos sofisticados no porta-malas de dois automóveis da fabricante que lhes permitiram coletar e analisar os gases do escapamento enquanto rodavam nas estradas.

 

Tais dispositivos são denominados “sistemas portáteis de medição de emissões” – P.E.Ms, na sigla em inglês – e permitem medir o desempenho do veículo em condições normais. Desse modo, foi possível constatar que as emissões de óxido de nitrogênio do VW Jetta eram de 15 a 35 vezes superiores aos padrões aceitáveis, enquanto as do Passat eram de cinco a 20 vezes superiores.

 

“O sistema começou a ser utilizado recentemente – o equipamento que existe num laboratório é miniaturizado de maneira a caber num porta-malas”, explicou John German, pesquisador sênior do Conselho. Trata-se de aparelhos grandes e caros, cada um deles ocupa quase todo o porta-malas de um automóvel, e para operar o sistema e analisar os dados são necessários profissionais treinados.

 

German adianta que “levará muito tempo” para que seja possível reduzir as proporções e o preço destes dispositivos. No entanto, como costuma acontecer em todas as coisas que utilizam software, é provável que se tornem mais acessíveis em poucos anos.

 

Mudança

 

Entretanto, estão surgindo outras tecnologias para o monitoramento das emissões. Sensores remotos instalados nas estradas, por exemplo, podem medir as emissões médias de uma frota de carros e avaliar a ocorrência de desvios em larga escala das normas estabelecidas. Outra ideia é a “caça aos resíduos” – os investigadores seguiriam determinados veículos e coligiriam suas emissões de gases, permitindo a análise do desempenho do carro em condições normais.

 

Analisando esses dados, o grupo descobriu que os automóveis que trafegavam em condições normais emitiam muito mais dióxido de carbono do que indicariam os testes oficiais. Em 2014, foi constatado que as emissões eram 40% superiores às esperadas para o cumprimento das normas – e esta proporção cresce continuamente desde 2001. O grupo de pesquisadores, então, concluiu que os fabricantes têm a capacidade de manipular seus carros para os testes.

 

Futuramente, a coleta de dados realizada pelo conselho poderá tornar-se obrigatória para todos os veículos. A Tesla, fabricante de carros elétricos, já têm acesso à “telemática” dos seus carros – a medição de fatores como quilometragem e utilização de combustível, mais ou menos como Apple e Google controlam o desempenho dos smartphones.

 

Hoje, várias start-ups também fabricam dispositivos para dotar de inteligência este tipo os carros.

 

“O que aconteceu na Volkswagen teve a ver com o software incorporado nos veículos, e somente o fornecedor sabe o que há nele – para os leigos, trata-se de uma espécie de caixa preta”, disse Stefan Heck, fundador da Nauto, uma start-up que está introduzindo uma câmera montada no para-brisa para monitorar condições da estrada.

 

O objetivo final dos sistemas para carros inteligentes, disse o dr. Heck, é criar uma rede rodoviária de dados que são analisados continuamente a fim de obter um quadro mais preciso do que acontece nas estradas. É evidente que os fabricantes ainda poderão trapacear. Mas com a possibilidade de colher dados suficientes de fontes independentes e de diferentes pontos da malha de trânsito, isto se tornará muito mais difícil.

 

Segundo ele, não se trata de um retrocesso – o software incorporado nos veículos se destina não apenas ao conforto dos motoristas, como o utilizado na navegação, mas também a sistemas fundamentais de segurança e desempenho, muitos dos quais visam melhorar a pegada ecológica do automóvel.

 

Quando os carros estiverem conectados a uma rede inteligente, a caixa preta se tornará muito mais transparente. (The New York Times/Farhad Manjoo, tradução de Anna Capovilla)