Tesla prepara lançamento do Modelo X; analistas pedem mais rapidez

Folha de S. Paulo/Financial Times

 

Só foram precisos cinco segundos de silêncio. Em uma conversa telefônica com analistas, perguntaram a Elon Musk, o presidente-executivo da Tesla Motors, se sua montadora de carros elétricos ingressaria no segmento de carros compartilhados, o que poderia fazer dela um potencial desafiante para o app de táxis Uber.

 

Musk, um dos maiores experts em relações públicas do planeta, parou para pensar e, em seguida, se recusou a responder.

 

A manobra tática mostrou um novo truque da parte do tecnólogo utópico conhecido por fascinar a mídia e os investidores com seu discurso sobre desordenar setores inteiros e por seus tweets capazes de movimentar mercados.

 

“Você já tinha ouvido Elon Musk enrolar para responder a uma pergunta sobre estratégia?”, comenta Adam Jonas, o analista da Morgan Stanley que fez a pergunta.

 

Passadas duas semanas, em 17 de agosto, Jonas elevou sua estimativa quanto ao valor potencial das ações da Tesla para US$ 465 – quase duas vezes a cotação atual -e deixou clara sua crença de que a empresa logo lançaria a Tesla Mobility, uma nova linha de negócios com carros autoguiados e compartilhados, que triplicaria seu faturamento até 2029.

 

Assim, uma nova camada de expectativas foi acrescentada com relação a uma das empresas que já atraem mais atenção no planeta. Mas bem antes que Musk possa colocar em sua mira mais um setor que pretende desordenar, ele tem tarefa mais premente: levar ao mercado o terceiro modelo da Tesla, muitas vezes postergado. Isso deve acontecer ainda este mês, quando a montadora planeja lançar o Modelo X, um utilitário esportivo com vistosas portas em estilo “asa de falcão” e preço inicial antecipado de US$ 90 mil.

 

Mesmo que o Modelo X seja sucesso, a avaliação estratosférica da Tesla – seu valor de mercado equivale a quase US$ 1 milhão por carro que a empresa vendeu no ano passado – exige nível ainda mais elevado de ambição.

 

A visão de Musk é que a Tesla deixe de ser uma fabricante de carros bacanas e exclusivos que despertam o amor dos californianos e se torne fabricante de veículos elétricos para o mercado de massa, com longo alcance e preço acessível, mas preservando o estilo. Ao mesmo tempo, a empresa utilizará sua tecnologia de baterias para criar um negócio complementar de venda de unidades de armazenagem de eletricidade para casas e empresas.

 

Os dois objetivos giram em torno do sucesso de uma fábrica de baterias de lítio­íon em construção em um terreno de 400 hectares no deserto de Nevada, conhecida como Gigafactory, que segundo a Tesla ajudará a reduzir os custos de seus produtos.

 

A menos que você seja uma montadora tradicional de automóveis, a visão de Musk é empolgante. Os otimistas quanto à Tesla falam de Musk como o “próximo Henry Ford”, ou “Steve Jobs com sotaque sul­africano”, nas palavras de um professor de administração de empresas. Já os pessimistas dizem que a Tesla não conseguiu fazer o salto de startup de tecnologia para montadora de automóveis.

 

“Os riscos do que a Tesla está fazendo são extraordinários”, disse Max Warburton, um respeitado analista da indústria automobilística.

 

“Não se trata apenas da companhia de tecnologia mais verticalmente integrada que você já viu, mas da montadora de automóveis mais verticalmente integrada desde a Ford nos anos 20”.

 

Nota 103, em escala de 0 A 100

 

A mais nova montadora de automóveis com ações cotadas em bolsa nos Estados Unidos realizou feitos notáveis em seus 12 anos de existência. O Tesla S, seu segundo produto depois de um esportivo de dois lugares, é um bom carro. Tão bom, de fato, que a mais recente versão recebeu nota recorde da revista “Consumer Reports” nos Estados Unidos, marcando 103 pontos em uma escala de um a 100. A revista definiu o modelo como “um marco automotivo”, e como o melhor carro que já resenhou.

 

Mas as finanças da Tesla são uma proposição mais desafiadora. Pelo final do ano passado, ela já havia realizado US$ 3,3 bilhões em investimentos de capital e gastos de pesquisa e desenvolvimento – o que equivale a US$ 40 mil por carro vendido até agora -, de acordo com pesquisa do “Financial Times”. E está queimando caixa em ritmo cada vez mais intenso: gastou US$ 760 milhões nos seis primeiros meses deste ano.

 

Problemas de fluxo de caixa não são novidade. Antes que as ações da companhia sediada em Palo Alto se tornassem sucesso no mercado, ela era acompanhada por um blog chamado “Tesla Death Watch” [vigia de morte da Tesla]. A companhia passou perto da falência diversas vezes ­ mas sempre conseguiu obter uma injeção salvadora de capital na última hora.

 

“O dinheiro sempre chegou na hora certa ­ provavelmente porque Elon Musk conseguiu inspirar pessoas na hora certa”, diz Paul Nieuwenhuis, do Centro de Pesquisa da Indústria Automotiva na escola de administração de empresas da Universidade de Cardiff.

 

Mais dinheiro chegou no mês passado quando a companhia vendeu 3,1 milhões de ações e arrecadou US$ 740 milhões. Isso é só o começo do capital que de ela precisará. A Tesla deve vender cerca de 55 mil carros este ano, um quarto das vendas da Porsche. Mas Musk, que é o maior acionista da empresa, com 26,7% de participação, pretende que ela chegue aos 500 mil carros em vendas anuais em 2020.

 

No salão do automóvel de Detroit, em janeiro, ele disse que a empresa seria capaz de vender volumes comparáveis aos da BMW, de “alguns poucos milhões” de carros por ano, em 2025. “Nossa missão fundamental é promover a transição do planeta para os carros elétricos”, ele disse. “Assim, se não produzirmos muitos carros, não estaremos fazendo nosso melhor”.

 

O projeto da Tesla para o mercado de massa, chamado Modelo 3, deve começar a ser produzido em cerca de dois anos, e será vendidos por US$ 35 mil. O preço é 50% mais baixo que o do Modelo S, e não fica muito distante do preço médio de um carro zero nos Estados Unidos.

 

A Tesla planeja investimentos de capital de US$ 1,5 bilhão este ano. Jonas prevê US$ 14,4 bilhões em investimentos de capital e gastos de pesquisa e desenvolvimento daqui até 2020, para a construção de uma nova fábrica, aquisição de maquinaria e a conclusão da Gigafactory. “E estou preparado para mais”, ele diz. Parece um preço salgado, mas equivale a apenas metade da atual capitalização de mercado da Tesla, gastos em cinco anos. A Ford, em contraste, gasta o equivalente a todo o seu valor de mercado no mesmo período.

 

Mas essa comparação depende de as ações da Tesla manterem suas cotações elevadas. Os preços estão altos – subiram em cerca de um terço depois de um tweet de Musk falando sobre os objetivos da empresa no mercado de armazenagem de energia. Mas alguns observadores do mercado sentem que o sentimento positivo quanto à companhia não se justifica pelos fatos, e que ele serve para tirar os céticos do caminho.

 

“A situação resulta em um desequilíbrio que leva apenas os sentimentos positivos a encontrar expressão no mercado”, disse Brian Johnson, analista do Barclays.

 

“Alguém deseja estar em posição vendida quando eles divulgarem imagens do Modelo 3 e promoverem a entrevista coletiva sobre ele?”, acrescentou Johnson.

 

A Tesla tem pontos de semelhança com todas as empresas que Musk, um empreendedor serial nascido na África do Sul, ajudou a criar.

 

Da Zip 2, sua primeira empreitada na Internet, à X.com, empresa de tecnologia financeira que se tornou o PayPal, as companhias dele foram caracterizadas pelo sonho de virar setores inteiros de cabeça para baixo, pelas exigências severas aos funcionários e por cronogramas altamente otimistas.

 

“Grandes visões, grande ousadia, grandes apostas, grandes afirmações… é esse o seu jeito característico de operar”, disse um antigo funcionário de Musk.

 

De certa forma, isso tem efeito positivo. Um fornecedor atual da Tesla relata como um problema foi identificado em uma sexta­feira. Musk exigiu que os engenheiros trabalhassem para resolvê­lo no final de semana, o informassem do andamento da questão a cada hora e que resolvessem o caso antes da segunda­feira. “Se fosse a Ford, os sindicatos reclamariam. O processo demoraria dois anos”, segundo o fornecedor. “Elon não se prende a modelos tradicionais de negócios. Olha para o mundo e não vê limites”.

 

Prazos estourados

 

Mas essas práticas também podem causar problemas. O Modelo X deveria ter começado a ser produzido em 2013, mas só agora está se aproximando da linha de chegada. Isso funciona se você é um fabricante especializado de carros elétricos que atende a um nicho de mercado, e, como disse um presidente­executivo do setor, “enquanto o produto for espetacular e você dispuser do fluxo de caixa para sustentar o processo”.

 

Mas o histórico de prazos estourados da Tesla pode gerar problemas quando o volume de produção da empresa atingir o padrão do mercado de massa, e diante dos desafios de dirigir uma empresa que fabrica múltiplos modelos. A Tesla informou que as entregas mais baixas do Modelo X este ano poderiam levá­la a não cumprir a meta de atingir fluxo de caixa positivo até o final do ano, Analistas dizem que o caixa gerado pelos negócios existentes pode ficar bem aquém do volume necessário para bancar o desenvolvimento do Modelo 3 de nova geração.

 

Ao embarcar na nova fase de sua expansão, a capacidade de Musk de sustentar a confiança de Wall Street se tornou essencial para as chances de sucesso da empresa. “Ele é fabuloso em promoção. Conseguiu sustentar o preço das ações em um nível notável, dadas as finanças da empresa”, diz Jeffrey Pfeffer, da Escola de Administração de Empresas da Universidade Stanford.

 

O preço estratosférico das ações agora se tornou um dos ativos mais importantes da Tesla, abrindo caminho à arrecadação dos montantes vultosos que serão necessários sem promover diluição excessiva para os investidores.

 

Mas Musk também criou condições para uma reversão ainda mais aguda se e quando o preço das ações começar a cair: usou algumas de suas ações na empresa como caução para obter empréstimos junto a diversos bancos (quando montantes foram mencionados pela última vez, no ano passado, a empresa devia US$ 275 milhões só ao Goldman Sachs). Se o preço das ações cair, Musk pode se ver forçado a vender para cobrir os empréstimos, o que forçaria baixa ainda maior nas ações da empresa, de acordo com documentos oficiais submetidos pela companhia às autoridades regulatórias.

 

Musk, 44, tem papel central no destino da Tesla mas há momentos em que representa uma figura controversa. Tanto amado quanto temido pelos funcionários, ele inspira intensa lealdade mas ao mesmo tempo fornece munição aos incrédulos quando fala sobre suas ambições mais amplas.

 

As atenções dele estão divididas, além disso. Musk não quer só liderar uma revolução no transporte elétrico como comanda a SpaceX, uma lucrativa fabricante de foguetes que atende a bilhões de dólares em encomendas da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa) e do Departamento de Defesa, e é presidente do conselho da Solar City, que instala painéis solares de uso doméstico.

 

“Observando atentamente”

 

Pouca gente duvida de que a Tesla tenha realmente desordenado uma das maiores indústrias do planeta com a sua abordagem ­ a companhia não faz publicidade, não usa concessionárias, não oferece descontos ­, a despeito das afirmações públicas de executivos do setor de que não a consideram como rival.

 

“Não há pessoa alguma, em nível sênior, que não leve a Tesla a sério”, disse um assessor de uma importante montadora. “Eles sabem que se trata de uma empresa determinada a desordenar o mercado, e estão observando atentamente”.

 

A Tesla tem vantagens claras, quanto aos carros elétricos. sobre seus rivais automobilísticos, que têm bilhões de dólares investidos nos motores de combustão interna. Mas pouca gente acredita que ela possa levar adiante sua abordagem no mercado de massa, em parte por causa da integração vertical.

 

A Tesla está tentando reverter uma tendência de terceirização que predomina no setor há três décadas ou mais. Volkswagen e Toyota dependem de fornecedores para cerca de 75% de seus carros. Mas a Tesla produz autonomamente muitas das peças que usa. Isso propicia controle, mas também acarreta desafiadora complexidade.

 

A integração vertical da Tesla se estende ao trabalho de reabastecer os carros. Ela está tentando combater a temida “ansiedade de alcance” criando uma rede de postos de supercarregamento gratuito que tornam possível dirigir de Mountain View a Massachusetts, nos Estados Unidos, de Manchester a Roma, na Europa, e por boa parte da China.

 

As cerca de 200 lojas da companhia, muitas localizadas em shopping centers, podem enfrentar dificuldades para lidar com vendas da ordem de 500 mil carros ao ano, o que significa que ela talvez tenha de adotar concessionárias.

 

A ambição da empresa e sua integração vertical a estão fazendo perder velocidade em um momento no qual o setor automobilístico parece enfim estar se mexendo, dizem críticos. “Não se pode avançar assim devagar quando os competidores já desmontaram o carro, compreenderam a bateria e estão preparando modelos concorrentes”, disse Warburton.

 

O salão do automóvel de Frankfurt, neste início de setembro, revelou o compromisso mais forte do setor para com os veículos elétricos, especialmente na forma de um utilitário esportivo conceitual da Audi capaz de funcionar por 500 quilômetros com uma carga de bateria.

 

Outros rivais, como a General Motors, com um modelo de 320 quilômetros de autonomia que deve chegar em 2018, também estão preparando seu ingresso no mercado de massa de veículos elétricos.

 

Mas a verdadeira concorrência da Tesla pode não estar nas poderosas montadoras alemães ou nos norte­americanos de Detroit, a 2.000 km.

 

É possível que os maiores concorrentes sejam seus vizinhos ­ Google, Apple e Uber, que já estão envolvidos em uma guerra por talento automotivo.

 

O setor automobilístico está correndo em direção de novos e incertos campos, com fontes de combustível concorrentes, tecnologias e modelos de negócios autônomos. E as gigantes da tecnologia querem entrar. O resultado deve ser uma guerra de tecnologias concorrentes, com os novos competidores lutando por suplantar o motor de combustão interna.

 

A maior montadora de automóveis do planeta, a Toyota, decidiu apostar na tecnologia do hidrogênio ­ que Musk descarta com a desdenhosa definição de “células da tolice” (trocadilho entre “fuel cells”, células combustíveis e “fool cells”, células da tolice). Mas nem mesmo as baterias da Tesla se tornaram a referência do mercado. Rivais elogiam as virtudes de outras tecnologias de bateria, como a do sódio­íon.

 

A Tesla pode se ver marginalizada caso tenha apostado no cavalo errado.

 

“É aí que entram os padrões e dinâmicas de plataformas, porque todas as grandes montadoras terão veículos elétricos em breve”, disse Michael Cusumano, professor de gestão na Escola Sloan de Administração de Empresas, Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

 

O sucesso da Tesla dependerá em parte de que plataformas vencerão. Ou a empresa estabelece um padrão de veículos acionados por baterias de lítio ­ talvez até veículos compartilhados ­ ou pode terminar seguindo o caminho de uma montadora que a precedeu no uso de portas fantasiosas. “Meu palpite é que há tanto dinheiro investido e tanta retórica exagerada quanto à Tesla que ela sobreviverá por uma década e depois seu dinheiro acabará”, diz Cusumano. “O que me traz à memória a DeLorean”.

 

Raio­X Tesla /2014

Faturamento US$ 3,2 bilhões

Lucro bruto US$ 881 milhões

Investimento em P&D US$ 464 milhões (14,5% da receita)

Prejuízo anual US$ 294 milhões

(Folha de S. Paulo/Financial Times/Andry Dharman e Richard Waters, com tradução de Paulo Migliacci)