“A Classe C como consumidora de carros saiu do mercado”

O Estado de S. Paulo

 

Principal responsável pelo crescimento contínuo das vendas de carros novos por quase dez anos, até atingir o recorde de 3,8 milhões de unidades em 2012, a classe C já não faz mais a festa da indústria automobilística. “Como consumidora de carros, praticamente saiu do mercado”, diz o presidente da General Motors América do Sul, Jaime Ardila. Segundo ele, quem compra carro hoje são as classes A e B, mas mesmo estas mudaram o padrão de consumo. Em entrevista, o executivo colombiano, que está no Brasil há oito anos, fala que o mercado brasileiro deve cair 20% em 2015 e só começará a se recuperar no fim de 2016.

 

Qual sua avaliação sobre a situação econômica do País?

As projeções feitas por analistas independentes de uma redução do PIB de 2% para o ano é realista e coloca a economia num patamar difícil para o próximo ano. Esperávamos uma recuperação mais rápida, mas vai levar mais tempo. Significa que o próximo ano terá um crescimento muito pequeno, abaixo de 1%. É lógico que um adiamento do ajuste fiscal pode postergar a recuperação também. Fico preocupado de ver que o ajuste pode levar mais tempo do que esperávamos.

 

O ajuste está correto?

Esperávamos que o governo cumprisse a meta de 1,1% de superávit, mas já foi dito que não será possível. Isso pode adiar a recuperação.

 

Precisamos de um ajuste fiscal profundo e rápido, que é muito melhor do que um pequeno e lento.

 

O cenário político atrapalha?

Pode atrapalhar a economia por duas razões simples: a primeira, a de tornar ainda mais difícil a recuperação dos investimentos externos e internos. E também porque torna muito mais difícil a aprovação das medidas econômicas no Congresso.

 

É hora de continuar subindo juros?

As cifras de inflação mostram que os aumentos que estão sendo feitos são necessários e não vejo uma recuperação econômica possível sem uma rápida redução da inflação. Quantas altas de juros ainda precisa para reduzir a inflação? Não sei. Minha impressão é que estamos chegando ao limite necessário, porque a economia está praticamente num cenário de recessão.

 

Por que o mercado de carros caiu tão rapidamente? É efeito da crise ou de um esgotamento de consumo?

A indústria automobilística é pró­cíclica. Cresce mais rápido quando a situação econômica é boa e piora muito mais quando é ruim. Eu já esperava que, com a situação econômica difícil, para a indústria seria ainda pior. Isso é o normal nos ciclos econômicos. Porém, há dois fatores que complicam ainda mais. O primeiro é a queda forte na confiança dos consumidores – o medo de perder o emprego.

 

Temos também um esgotamento do modelo, em razão do alto endividamento das famílias. As pessoas não têm mais condições de comprar carros. E fica ainda mais difícil com a inflação alta. Isso faz com que a queda nas vendas seja maior do que esperávamos.

 

O que o sr. esperava inicialmente?

Começamos o ano com cenário de vendas de 3,2 milhões de veículos. No primeiro trimestre, ajustamos para 3 milhões. Hoje, prevemos 2,8 milhões (queda de 20% ante 2014). E acreditamos que só na segunda metade de 2016 começará uma recuperação.

 

É a pior crise do setor?

Eu não falaria que é a pior da história, pois já tivemos situações muito difíceis, com queda da demanda de 20%, 30%. O que é diferente hoje é que a capacidade da indústria é muito maior. Todos fizeram investimentos baseados numa projeção de mercado que não se cumpriu. Temos capacidade em excesso e trabalhadores em excesso, o que complica mais a situação.

 

O excesso é resultado de investimentos em ampliação e da vinda de novas fábricas ao País. Ninguém percebeu que não havia demanda para tudo isso?

Devo falar, com humildade, que a GM percebeu, pois fomos uma das poucas empresas que avaliou que não era o momento de construir novas fábricas. Estivemos perto de tomar uma decisão, mas ao final vimos que era prudente aguardar. Mas, quando você tem um mercado de quase 4 milhões de veículos ninguém quer ficar de fora. Aí chegam os concorrentes novos e eu não posso culpá-los por instalarem fábricas aqui porque o Brasil era e continua sendo um mercado interessante. O que me surpreendeu foram os investimentos de alguns concorrentes tradicionais, que já conheciam bem o mercado. Mas o Brasil vai crescer de novo. Continua sendo um dos maiores mercados do mundo.

 

A indústria estava viciada na redução do IPI?

Incentivos precisam ser temporários para ter impacto. Quando o mercado se acostuma, começa a incorporar nas expectativas e nos preços e o impacto desaparece. Foi o que ocorreu com o IPI. Desse ponto de vista, a resposta é sim: acho que a indústria se acostumou a um incentivo que, por natureza, ia ser temporário. Porém, também acho que os impostos na indústria automobilística são muito altos e em algum momento será preciso rever isso. Estou ciente de que não é o momento, seria uma irresponsabilidade fiscal pedir isso hoje. Mas vai chegar o dia em que o governo vai ter de procurar fazer receita fiscal em outras áreas e reduzir de forma permanente o IPI e outros impostos, pois como está hoje é exagerado.

 

As montadoras já demitiram neste ano 7,6 mil trabalhadores e o sr. diz que ainda há excesso. Cortes vão continuar?

Já demos férias coletivas e lay­off. Estamos fazendo o possível para evitar demissões. Agora tem o Programa de Proteção do Emprego, que acho muito interessante. Para tentar minimizar o desemprego, o lay­off e o PPE são ferramentas apropriadas. A GM fará uso delas até onde for possível. Mas não posso esconder que temos trabalhadores demais. O que eu faço com os trabalhadores se não tem demanda? Inevitavelmente temos de tomar uma decisão.

 

Então haverá mais cortes?

No geral, não sei o que vai ocorrer, pois cada empresa toma suas decisões. Mas acho que ainda tem um grupo muito significativo de trabalhadores em excesso. Para a demanda que temos hoje é evidente que a indústria, incluindo fornecedores, ainda tem de passar por um ajuste.

 

A GM tem mil trabalhadores em lay­off e demitiu cerca de 400 trabalhadores no ABC. Ainda não foi suficiente para reduzir o excesso?

Neste momento não temos novos planos de cortes. O que temos são planos de usar as ferramentas existentes, ou seja o lay­off e o PPE. Porém, temos de decidir o que fazer com o pessoal que está em lay­off. Vamos nos inscrever no PPE, porque não é eficiente para uma empresa fazer cortes e depois na recuperação ter de recontratar. A prioridade será o pessoal do lay­off, mas provavelmente não para todos.

 

Como a matriz vê o cenário brasileiro? Faz sentido investir num mercado que opera com 50% da capacidade?

Nossa perspectiva continua sendo de longo prazo. O Brasil é um mercado fundamental para a GM. No nosso negócio não dá para parar de investir, se não fica atrasado tecnologicamente. Sem dúvida vamos manter investimentos em produto e tecnologia. Mas claro que estamos preocupados. A situação está pior do que imaginávamos quando fizemos o orçamento para o ano.

 

 

Está quanto pior?

Perdemos 27% em vendas no primeiro semestre e 34% da receita no segundo trimestre em relação ao ano passado. Mas temos suficiente caixa para continuar financiando os investimentos e não precisamos de empréstimos.

 

No passado recente, foi a classe média emergente que garantiu o crescimento das vendas, com a compra do primeiro carro zero, com crédito longo. E hoje, quem compra carro?

A classe C, como consumidora de carros, praticamente saiu do mercado. Hoje, a imensa maioria da classe C não tem condições de comprar carro novo por causa da alta de juros, aumento da inflação e do endividamento. É aí que está a queda da demanda. As mais de 20 milhões de novas pessoas que tínhamos na classe C, e que foi a fonte fundamental de crescimento da indústria, está comprando cosméticos, alimentos – até mudando para marcas mais baratas –, mas não está comprando carros. A imensa maioria das vendas hoje é para as classes A e B. E mesmo nessas classes há mudanças de comportamento. Por exemplo, estamos vendendo muito bem Onix e Prisma (mais populares). Não duvido que muitos desses clientes, em condições normais, iriam comprar carros de maior porte, mas por enquanto estão se conformando com Onix e Prisma.

 

Mas as vendas de modelos premium seguem crescendo…

Os ricos estão assustados com a crise, mas não sofreram impacto.

 

A exportação é saída para o setor?

Hoje ainda não, mas pode se tornar fonte de crescimento importante nos próximos dois anos se forem cumpridas condições que têm a ver não só com o patamar do câmbio, que está mais equilibrado, mas com a redução de custos. Temos custos na área trabalhista, tributária, de logística e de infraestrutura muito altos, que dificultam a competição no mercado internacional.

 

O Inovar-­Auto ajuda ou atrapalha?

Ele é um fato. No próximo ano, será avaliado quem cumpriu as metas. Os investimentos que precisavam ser feitos para cumprir a regulamentação já ocorreram, com um impacto em custos importante. Estamos preparados para o Inovar. O que eu espero é que fiquemos aí. Acho que seria inapropriado pensar em outra fase, o Inovar 2, porque as empresas e o consumidor não estão em condições de assumir novos custos.

 

O sr. acha que o excesso de capacidade se deve ao Inovar­Auto, que exigiu a produção local?

Trazer investimentos era o propósito, além de melhorar a qualidade do meio ambiente e reduzir o consumo de combustível. O aumento de capacidade foi uma consequência que na época ninguém tinha condições de prever.

 

Por que as empresas estão reajustando preço dos carros?

Comparado com a inflação e a desvalorização do real, os reajustes foram pequenos. Não compensam nem a metade dos aumentos de custos que já tivemos. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)