Uma chance para o Mercosul

O Estado de S. Paulo

 

Concluir um acordo c o me rc i a l com a União Europeia será o objetivo mais vistoso do governo brasileiro, na presidência rotativa do Mercosul, no segundo semestre deste ano. A expectativa de um acordo nesse prazo já foi anunciada pelo presidente argentino, Mauricio Macri, empenhado em dar novo impulso às negociações entre os dois blocos, depois da quase paralisia nos anos finais do petismo e do kirchnerismo. Se o esforço der certo, o mandato brasileiro será considerado um sucesso, embora as conversações com os europeus sejam apenas parte – sem dúvida importante – de uma agenda política desafiadora, complexa e já muito atrasada.

 

Os planos para um acordo entre Mercosul e União Europeia entraram na pauta bilateral em 1994, três anos depois da fundação do bloco sul-americano. Em Paris, em maio de 1995, chanceleres anunciaram uma estratégia para alcançar uma associação inter-regional, “com liberalização progressiva e recíproca de todo o comércio”. Passados mais de 20 anos desde os contatos iniciais, o acordo continua na pauta.

 

Houve dificuldades e muita cautela, de cada lado, desde os primeiros passos. Os sul-americanos tendiam a ser avaros nas concessões de benefícios para o comércio de bens industriais. Os europeus, sabia-se desde o início, tentariam defen- der sua já superprotegida agricultura, procurando limitar as importações competitivas de produtos do Mercosul. De toda forma, as discussões progrediram durante alguns anos, mas perderam vigor e acabaram empacando.

 

Depois de ter enterrado as negociações da Área de Livre-Comércio das Américas (Alca), a aliança entre o kirchnerismo e o petismo deu prioridade aos acordos Sul-Sul, um anacronismo terceiro-mundista, e deixou o próprio bloco atolar-se em ações protecionistas.

 

Esse anacronismo beneficiou indústrias pouco empenhadas na busca de modernização e de competitividade. Até o acordo automotivo entre Brasil e Argentina, concebido inicialmente para ser um arranjo de curta duração, transformou-se, afinal, num pacto de mediocridade ainda em vigor. O Mercosul emperrou, ficou fora dos acordos bilaterais e birregionais celebrados em todo o mundo nos últimos anos, perdeu muitas oportunidades de integração na economia global, ficou sem rumo e abandonou as ambições iniciais.

 

Novos governos no Brasil e na Argentina trouxeram a esperança de políticas mais modernas e mais propícias ao desenvolvimento econômico da região. Os presidentes Mauricio Macri e Michel Temer mostraram disposição de abandonar os padrões diplomáticos mantidos em seus países por mais de uma década. Ministros argentinos e brasileiros anunciaram em várias ocasiões a intenção de favorecer a abertura econômica e de buscar uma integração mais dinâmica de seus países nas cadeias internacionais de produção. Governantes do Uruguai e do Paraguai haviam reclamado das limitações diplomáticas do Mercosul. Mas prevaleceu, sempre, o peso das duas maiores economias do bloco. O ingresso da Venezuela, hoje afastada, ampliou os temores de um renovado compromisso com o atraso, mas essa preocupação foi superada.

 

As negociações entre Mercosul e União Europeia progrediram durante a presidência argentina. Houve avanços nas discussões sobre serviços, compras governamentais, barreiras técnicas e padrões sanitários e fitossanitários. Acordos sobre estes últimos pontos são importantes para a prevenção de medidas protecionistas no comercio do agronegócio. Mas nada garante, por enquanto, o sucesso final na formalização do acordo entre os blocos.

 

Se tudo der certo, o pacto comercial com a União Europeia será o primeiro acordo desse tipo entre o Mercosul e um mercado de grande importância. Mas será apenas o começo do retorno a uma diplomacia pragmática e voltada para o desenvolvimento econômico e social da região. Outros países latino-americanos estão muito à frente dos sócios do Mercosul no rumo da integração global, um caminho rejeitado quando os grupos hoje na oposição decidiam o rumo do Brasil. (O Estado de S. Paulo)