O Estado de S. Paulo/Mobilidade
A melhor tecnologia para descarbonizar o setor automotivo é um tema que continua gerando controvérsias. Qual é a maneira mais eficiente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) é uma pergunta com respostas muito diferentes. Depende dos critérios adotados em pesquisas feitas em várias partes do mundo.
“A todo momento é divulgado um novo estudo mostrando que a descarbonização da mobilidade depende dessa ou daquela tecnologia”, diz Luiz Augusto Horta Nogueira, especialista em estudos energéticos do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “A conclusão vai ao sabor dos parâmetros das análises, que muitas vezes atendem mais a interesses econômicos e geopolíticos do que técnicos e científicos”, afirma.
Para reforçar a tese de Nogueira, duas pesquisas recentes sobre descarbonização no Brasil – uma internacional e outra feita no País – colocam os resultados em lados opostos. O primeiro aponta que os 100% elétricos são a melhor alternativa para a frota nacional. O segundo conclui que são os híbridos. “Ambos estão teoricamente corretos, conforme as premissas escolhidas. Mas o que, de fato, mostra-se mais viável?”, questiona Nogueira.
A análise levanta dúvidas principalmente no tempo de ciclo de vida do automóvel. Um deles considerou 160 mil quilômetros rodados, ou aproximadamente 10 anos – tempo compatível com a garantia das baterias. Já o estudo do instituto internacional levou em conta a média de 288 mil quilômetros, sem troca de bateria.
Dessa forma, as emissões de GEE são diluídas ao longo de um ciclo de vida e quilometragem muito maiores. Cada estudo também usou critérios e níveis distintos de emissões de dióxido de carbono (CO2) para a produção do etanol e fabricação das baterias de carros elétricos, por exemplo.
Zona rural
Diante da polêmica da definição de regras mais assertivas, a Agência Internacional de Energia (IEA) elaborou um documento formal, com o intuito de balizar as discussões sobre o tema. Divulgado em outubro, o relatório “Contabilidade de carbono para biocombustíveis sustentáveis” não estabelece critérios técnicos para avaliação das emissões de CO2 associadas à produção e utilização dos biocombustíveis.
Em compensação, o relatório oferece indicações a respeito da importância dos biocombustíveis na descarbonização.
“Todas as tecnologias são importantes na transição energética. É oportuno conhecer os benefícios agregados em cada uma delas. Cada país deve buscar as soluções mais adequadas de acordo com sua realidade”
Em particular, aborda um aspecto polêmico do ILUC (sigla para Indirect Land Use Chamge ou a troca indireta do uso da terra, em tradução livre).
O conceito determina que uma área rural destinada à produção de biocombustíveis deve passar pela análise das emissões de gases de efeito estufa devido ao desmatamento que provavelmente ocorreu para promover a migração da cultura original em outro solo ainda intacto.
“Impossível saber o destino da lavoura original. Ela pode ter se transferido para uma área de pasto ou um terreno degradado que foi recuperado. São muitas possibilidades e incertezas”, explica Nogueira. Por isso, o IEA determinou a exclusão do ILUC no cálculo das emissões dos biocombustíveis, pela dificuldade de calcular seus efeitos.
Foco econômico
Para o engenheiro e consultor de mobilidade sustentável, Ricardo Simões de Abreu, muitos países desenvolvidos optaram por deixar em segundo plano os fatores social e ambiental da sustentabilidade. “O foco é claramente econômico e na busca de segurança energética”, afirma o especialista.
Apesar da discussão sobre os critérios dos estudos, Abreu acredita ser possível apontar a melhor opção para a descarbonização automotiva. “Há estudos de pesquisadores ou entidades autônomas do mundo todo que dão vantagem aos híbridos. Eles são a médio e longo prazos a alternativa mais sustentável”, defende.
Segundo o especialista em bioenergia, Marcelo Gauto, todas as tecnologias disponíveis são importantes na transição energética. “Mas é oportuno conhecer os benefícios agregados em cada uma delas. Cada país deve buscar as soluções mais adequadas à sua realidade”, pondera.
Em meio a tantas divergências, Gauto destaca que no processo de fabricação das baterias os carros elétricos são menos efetivos na descarbonização. “Alguns estudos comprovam que os metais utilizados para a produção da bateria de um veículo 100% elétrico de grande porte são suficientes para fazer seis baterias de carros híbridos plug-in ou 90 para híbridos não plug-in”, afirma. “Portanto, os híbridos apresentam mais equilíbrio entre o uso racional dos biocombustíveis e das reservas minerais”. (O Estado de S. Paulo/Mobilidade/Mário Sérgio Venditti)