O Estado de S. Paulo
O dólar subiu ontem 0,92% e fechou em R$ 5,76, a maior cotação desde 30 de março de 2021. Declarações do ministro Fernando Haddad (Fazenda), de que não há data e valores para o pacote de corte de gastos do governo, foram mal-recebidas. O rumo das eleições presidenciais nos EUA também preocupa.
O dólar alcançou ontem o seu maior valor desde 30 de março de 2021 e fechou cotado a R$ 5,76, em alta de 0,92%. No ano, a moeda americana registra valorização de 18,72%. Preocupações com os gastos do governo brasileiro e uma agenda carregada nos EUA, que inclui as eleições presidenciais na próxima semana, foram apontadas por operadores do mercado como os motivos para a alta.
No Brasil, as declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, negando que haja data e valores para o pacote de corte de gastos, foram mal-recebidas segundo analistas.
Haddad disse que a equipe econômica faz as contas para apresentar um conjunto de medidas para conter despesas, mas que “não há prazo”. Questionado sobre as estimativas de cortes entre R$ 30 bilhões e R$ 50 bilhões, o ministro disse que não há definição ainda. “Nunca divulguei o número para vocês (falando a jornalistas). Eu não divulgo o número. Porque o número sai depois da decisão tomada.”
O mau humor do mercado com a economia brasileira, porém, não é de hoje. Um cenário externo incerto e a questão fiscal pesam, mesmo com a perspectiva de crescimento da economia maior do que a projetada, como divulgou o Fundo Monetário Internacional (FMI).
“O mercado está esperando esse corte de gasto do governo. O governo vai ter de fazer isso, senão o dólar continuará subindo”, afirma o sócio e economista-chefe da Equador Investimentos, Eduardo Velho.
Segundo analistas, ontem os investidores também procuraram se proteger de incertezas nos EUA, que, além da disputa presidencial, terá a divulgação ainda esta semana do relatório de empregos e, na próxima semana, a decisão do Fed, o banco central americano, sobre os juros. Diante desse cenário, a Bolsa fechou ontem em queda de 0,37%, aos 130.729 pontos.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, Haddad faz movimentos para blindar os planos de cortes de gastos. Ele quer convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva da proposta antes de apresentar números. A ideia é evitar que o projeto seja alvo de ataques, o que poderia começar a desidratá-lo ainda antes do início das discussões formais.
O presidente Lula já sabe em linhas gerais da proposta elaborada pela equipe econômica, mas ainda não conhece os detalhes. Uma apresentação formal da proposta provavelmente ocorrerá ainda nesta semana. Ela deve ser conduzida por Haddad e pela ministra do Planejamento, Simone Tebet. Um interlocutor da equipe econômica disse que Lula não será pego de surpresa pela proposta, mas ponderou que há ainda detalhes relevantes a serem explicados ao presidente.
A foto da economia brasileira pode parecer boa, mas o filme preocupa. Nos últimos dias, o dólar ultrapassou a barreira de R$ 5,70 e os juros futuros subiram, mesmo com o cenário de crescimento melhor do que o esperado para 2024 – o Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, aumentou para 3% a previsão para o Produto Interno Bruto (PIB).
“Assim como um acidente de avião não é causado por um único fator, o que está acontecendo com os ativos brasileiros não é causado por um único motivo”, afirma Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners.
No Brasil, a grande preocupação continua sendo o rumo das contas públicas. Por ora, os analistas não veem uma estabilização no crescimento da dívida no curto prazo – e o País já tem um alto endividamento para uma economia emergente. “O elevado nível de dívida pública e déficits fiscais persistentes preocupam os investidores”, diz Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management.
Em 2032, a dívida bruta deve superar o patamar de 90% do PIB, de acordo com as projeções de analistas colhidas pelo Banco Central.
Dólar forte
No mundo, o dólar tem se fortalecido – e, consequentemente, as demais moedas se enfraquecido – com a avaliação do mercado financeiro de que Donald Trump se tornou o favorito para vencer a eleição presidencial dos EUA e pelas indicações de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) não deve baixar os juros na velocidade que o mercado imaginava depois da reunião de setembro, quando surpreendeu parte dos analistas ao cortar as taxas em 0,50 ponto porcentual, para a faixa entre 4,75% a 5%.
“Depois que o Fed reduziu os juros, o mercado americano entrou numa euforia de que o BC iria promover mais duas quedas de 0,5 (ponto porcentual). Mas tanto números melhores da economia dos EUA quanto falas de dirigentes do Fed fizeram com o que o mercado reprecificasse essa trajetória”, diz Leal. Juros em patamares mais elevados nos Estados Unidos tiram a atratividade de economias emergentes para os investidores.
Se conseguir mais um mandato, o republicano promete adotar novas tarifas de importação e restringir a imigração, o que deve tornar o mercado de trabalho nos EUA ainda mais apertado. “O que se entende é que o reflexo da política de Trump é inflação para cima, com uma política fiscal mais deteriorada e um aumento do endividamento mais rápido”, afirma Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia e análise setorial na Tendências Consultoria. (O Estado de S. Paulo/Caroline Aragaki, Luiz Leal, Caio Spechoto e Fernanda Trisotto)