Projeto de Lei quer proibir pneus recapados em ônibus e caminhões

Estradão

 

O uso de pneus recapados é reconhecido pelo Inmetro e segue normas de segurança e qualidade aprovados pela legislação brasileira. Sobretudo para caminhoneiros autônomos e transportadoras pequenas, é uma solução que permite reduzir custos. Porém, um Projeto de Lei do deputado Capitão Augusto (PL-SP) quer proibir o uso de pneus recapados em veículos pesados de transporte de carga e passageiros. Ou seja, caminhões e ônibus.

 

É verdade que um pneu recauchutado não tem o mesmo nível de qualidade e eficiência de um novo. Porém, até mesmo as fabricantes tradicionais de pneus, como Continental e Goodyear, produzem bandas de rodagem para o setor de reposição. Segundo entidades do setor de transporte, se a proposta for aprovada, trará prejuízos para o setor, por causa do aumento do custo da operação, bem como possível repasse dessa alta ao consumidor final.

 

Segundo Marcel Zorzin, diretor-operacional da Zorzin Logística, transportadora de produtos perigosos, a proibição do pneus recapados pode impactar os custos de todo o setor. “Devido aos altos preços, e olhando o segmento como um todo, ficaria inviável para muitas empresas trocarem todos os pneus dos caminhões e implementos”, afirma.

 

De acordo com Zorzin, que afirma que sua transportadora utiliza quase 100% de pneus novos, a medida pode aumentar as despesas do setor. Além disso, o executivo destaca o impacto ambiental que a proibição da recapagem pode gerar. “Os pneus levam cerca de 600 anos para se decompor, e a recapagem contribui para a redução desse impacto”, diz.

 

Portanto, se o PL virar lei, caminhoneiros e transportadores terão 180 dias para substituir os pneus recapados por novos. Pela proposta, quem descumprir a medida após o período de adequação ficaria sujeito a multa de até R$ 5 mil e ter o veículo apreendido até a regularização.

 

As principais agências e entidades dos setores de transporte terrestre e de pneus se opuseram à proposta de proibir o uso de pneus recapados no Brasil. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), por exemplo, divulgou parecer contra a medida. Nesse sentido, a entidade avaliou que a aprovação da lei pode elevar em cerca de 10% os custos operacionais.

 

Além disso, a ANTT enfatizou que a reforma de pneus desempenha um papel importante na sustentabilidade ambiental. “A prática reduz a necessidade de fabricação de novos pneus, diminuindo a exploração de recursos naturais, além de evitar que milhões de pneus sejam descartados inadequadamente”, informa a ANTT.

 

O Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Rio Grande do Sul (SETCERGS) adotou posicionamento mais enérgico contra a medida. A Associação Brasileira da Reforma de Pneus (ABR) também se posicionou da mesma forma. As duas associações divulgaram notas de repúdio contra o Projeto de Lei do deputado Capitão Augusto.

 

“A proposta revela desconhecimento sobre o tema e desconsidera a realidade do setor de transportes brasileiro, ameaçando diretamente a sustentabilidade e a competitividade das empresas, especialmente as de pequeno e médio porte”, diz o comunicado da SETCERGS.

 

De acordo com o sindicato gaúcho, a recapagem de pneus economiza 578 milhões de litros de petróleo e evita a emissão de 520 mil toneladas de CO₂. “Assim, proibir os pneus reformados, como propõe o PL 3569/2024, contraria práticas globais de sustentabilidade e prejudica o transporte rodoviário de cargas”, reclama a entidade.

 

Em nota, a ANR pediu o arquivamento do PL, “visando garantir a segurança jurídica do setor de transporte e a continuidade de práticas sustentáveis e economicamente viáveis”.

 

Projeto visa redução do risco de acidentes

 

Conforme o Projeto de Lei apresentado pelo deputado Capitão Augusto, a medida de proibir a recapagem de pneus em veículos pesados visa proteger vidas. A proposta também busca reduzir os índices de acidentes causados por falhas nos pneus, que frequentemente ocorrem devido ao desprendimento das bandas de rodagem em caminhões rodando em alta velocidade e com carga pesada.

 

A proposta menciona que estudos apontam que uma das causas mais habituais de acidentes com veículos pesados no Brasil ocorrem por conta dos pneus ressolados. Além disso, o texto diz que a banda de rodagem dos pneus recapados “tendem a se soltar com mais facilidade”, colocando em risco a vida dos motoristas, passageiros e de terceiros, ocasionando em “elevados custos para o Estado em termos de saúde pública e manutenção de rodovias”.

 

O PL, no entanto, não menciona qual é a fonte do estudo que indica tamanha frequência de incidentes envolvendo veículos com pneus reformados. Por outro lado, a pesquisa mais abrangente sobre acidentes rodoviários no Brasil, o Painel de Acidentes Rodoviários, compilado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), não mostra ocorrências com essas especificações ou elas não são relevantes estatisticamente comparado a outras causas.

 

Pneus recapados, ressolados, recauchutados

 

O estudo mais recente do CNT sobre o tema, com os números de 2023, apontam que os principais elementos motivadores de acidentes nas rodovias brasileiras foram outros. Reação tardia do condutor, ausência de reação do motorista e acesso a via sem observar a presença dos outros veículos aparecem como as três principais causas dos acidentes com vítimas, incluindo feridos e mortos. Problemas mecânicos ou especificamente com pneus ressolados, não aparecem no índice. No ano passado, conforme dados do Painel de Acidentes Rodoviários, ocorreram 67.620 acidentes rodoviários no Brasil. A conta inclui casos com automóveis, motocicletas e veículos pesados.

 

A recauchutagem começou a se popularizar nos anos 1930 e 1940, quando os fabricantes desenvolveram técnicas para reutilizar pneus desgastados. Décadas se passaram, e o método permanece praticamente o mesmo, exceto pela enorme evolução dos materiais. No Brasil, a prática é tão comum que recebeu diversos nomes. “Recauchutado” é até uma anedota popular.

 

A recapagem aproveita a estrutura do pneu (também chamada de carcaça) para aplicar uma nova banda de rodagem. Se instalado corretamente, o pneu funciona bem e custa significativamente menos do que comprar um novo.

 

Segundo especialistas, um pneu de caminhão pode ser recauchutado até três vezes, mas isso depende da qualidade da carcaça e as condições de uso. Além disso, as leis de trânsito brasileiras proíbem o uso de pneus ressolados nos eixos direcionais (dianteiro) de veículos pesados. A legislação nacional estabelece essa regra devido à função crítica desses eixos para direção e estabilidade de caminhões e ônibus, o que requer componentes em ótimas condições.

 

Atualmente, a proposta para proibir a recapagem de pneus está aguardando o despacho do presidente da Câmara dos Deputados para que possa ser discutida e avançar o processo legislativo. Até o momento, não houve novos desdobramentos. (Estradão/Thiago Vinholes)