Indústrias trabalham no limite da capacidade e pressionam inflação

O Estado de S. Paulo

 

Com o aumento da demanda, boa parte das indústrias do País opera hoje quase com sua força máxima, o que acendeu um alerta entre especialistas sobre a capacidade de a economia brasileira crescer sem gerar inflação. Em setembro, segundo a pesquisa Sondagem da Indústria de Transformação da Fundação Getulio Vargas (FGV), a capacidade de produção da indústria bateu 83,4%. Esse é o mesmo nível atingido em julho deste ano – houve um ligeiro recuo em agosto – e a maior marca desde maio de 2011 (83,6%).

 

A capacidade de produção de uma indústria nada mais é do que a quantidade de equipamentos, pessoas e outros recursos necessários para fabricar um determinado produto. Se a demanda for maior que a capacidade da empresa, os preços podem subir.

 

No jargão dos economistas, o movimento é chamado de “hiato do produto positivo”. Esse foi um dos argumentos apontados na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) para iniciar o ciclo de alta dos juros básicos da economia. Segundo dados divulgados pelo IBGE na terça-feira, a inflação de setembro foi de 0,44% – em 12 meses, o índice está em 4,42%, próximo do teto da meta perseguida pelo BC, de 4,50%.

 

Na opinião de Stéfano Pacini, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV responsável pela sondagem sobre a capacidade da indústria, o elevado nível de uso das fábricas seria mais preocupante se o Banco Central não tivesse começado a subir juros para desarmar as expectativas de reajustes de preços. Na última reunião do Copom, a taxa básica de juros subiu de 10,50% para 10,75% ao ano. E a perspectiva é de alta.

 

Outro ponto de atenção que emergiu nos últimos meses foi nível de estoques. No mês passado, o estoque estava enxuto, na média da indústria. O indicador da FGV encerrou setembro em 97,1 pontos. Abaixo de 100 pontos, o índice aponta volume menor que o desejado e acima de 100 pontos mostra que há sobra de produtos nos depósitos das fábricas.

 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já chamou a atenção para essa questão, admitindo que o País pode ter dificuldade de continuar a crescer sem que a inflação suba. “Se não aumentar nossa capacidade instalada, vai chegar o momento em que teremos dificuldade de crescer sem inflação”, disse, no início de setembro, após a divulgação do PIB do segundo trimestre – que cresceu 1,4%. “Algumas indústrias ainda estão com muita margem para crescer a produção, mas isso não diz respeito à economia como um todo.”

 

Ao longo de 2024, a produção industrial cresceu 3%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No acumulado de 12 meses, o resultado é positivo em 2,4%.

 

Em alta

 

Com fábrica no Brasil desde 2011, a empresa suíça SIG, que produz embalagens cartonadas e flexíveis para a indústria láctea e de sucos, nunca havia atingido 92% da capacidade de produção. No entanto, essa marca foi alcançada neste ano na fábrica de Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba.

 

O ritmo de produção das embalagens que a empresa fabrica, normalmente, é mais fraco entre janeiro e junho. Neste ano, porém, o desempenho tem sido diferente. No primeiro semestre, a produção da companhia cresceu dois dígitos em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o diretor de Operações da América do Sul, Fernando Kawata. A previsão é fechar 2024 mantendo esse ritmo de crescimento.

 

Para dar conta da forte demanda de seus clientes, prevista para continuar em 2025, a unidade de Campo Largo recebeu investimentos de ¤ 12 milhões (R$ 72 milhões). Os recursos são voltados para ampliar em 14% a capacidade de produção. Entre os clientes estão companhias como Nestlé, Quatá, Tirol e Britvic (dona da Maguary).

 

Com a nova linha de produção, a capacidade da fábrica passa de 5 bilhões de embalagens ao ano para 5,7 bilhões. Na conta de Kawata, com a expansão o uso da capacidade da fábrica cairá para 85%.

 

De 16 segmentos da indústria de transformação avaliados pela pesquisa Sondagem da Indústria de Transformação da Fundação Getulio Vargas (FGV), seis estavam em forte alta em setembro, ou seja, o uso da capacidade das fábricas superava a média da indústria como um todo e a maioria deles estava com estoques enxutos. Nesse grupo estão os fabricantes de alimentos, vestuário, celulose e papelão, derivados de petróleo, metalurgia e têxtil.

 

O ritmo acelerado de produção é um desafio enfrentado hoje por quase todos os segmentos da indústria e é fruto do aumento do emprego e da renda, segundo Stéfano Pacini, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV e responsável pela sondagem sobre a capacidade da indústria nacional.

 

No trimestre encerrado em agosto, havia 102,517 milhões de pessoas trabalhando no País, um número recorde, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A massa de salários em circulação na economia alcançou um novo ápice: R$ 326,205 bilhões no trimestre encerrado em agosto, um avanço de 8,3%, descontada inflação, em relação ao mesmo trimestre do ano anterior.

 

Para analistas, esse aumento da renda tem muito a ver com a política do crescimento real do salário-mínimo acima da inflação. Além disso, a antecipação do pagamento de precatórios, no início do ano, também injetou mais dinheiro na economia, elevando o consumo.

 

Com mais dinheiro no bolso, o brasileiro passou a comprar neste ano uma quantidade maior de comida, bebida e roupa. Esses itens, por sua vez, necessitam de um volume maior de embalagens para chegar ao consumidor e também puxam a demanda de insumos intermediários usados na sua produção.

 

O aquecimento gradual do consumo de bens diretamente ligados ao aumento da renda, isto é, aqueles cuja compra não depende do crédito e da taxa de juros, bateu na indústria desde o final do terceiro trimestre do ano passado, observa Pacini. Num primeiro momento, o crescimento da demanda foi atendido pela sobra de estoques. “Mas, nos últimos meses, as fábricas estão ligando as máquinas e acelerando a produção”, diz o economista.

 

Comida em alta

 

Líder na produção de peixes enlatados, a multinacional espanhola Nauterra, dona da marca Gomes da Costa no Brasil, por exemplo, confirma o forte aquecimento da produção nas duas fábricas, uma de pescados e outra de embalagens em Itajaí (SC). Nos últimos meses, a companhia chegou a usar até 90% das instalações para atender ao avanço da demanda.

 

De janeiro a julho, os volumes de sardinha produzidos cresceram 20% em relação ao mesmo período do ano passado. No atum, a alta foi de 10%. “Estamos voltando ao patamar pré-pandemia”, afirma o CEO da empresa para América Latina, Martin Barbesi.

 

O ritmo de crescimento mais acelerado do Produto Interno Bruto (PIB) e, consequentemente, do consumo de alimentos fez a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) rever para cima as projeções para este ano.

 

Em fevereiro, a expectativa para 2024 era de um aumento das vendas reais de 2% a 2,5%. “Com a diminuição do desemprego para uma taxa de 6,6% e o ritmo forte das exportações, é provável que as vendas registrem crescimento acima de 3%”, prevê João Dornellas, presidente executivo da Abia, em nota. Em agosto, segundo a entidade, as fábricas de alimentos usavam 81,9% da capacidade de produção. A sondagem da FGV aponta que esse índice tinha subido para 85,3% no mês passado. (O Estado de S. Paulo/Márcia de Chiara)