Países fazem pouso suave e contêm inflação sem entrar em recessão

O Estado de S. Paulo

 

Após um período duro de ajustes, a economia global parece ter virado a página de um cenário de maior preocupação. De modo geral, os bancos centrais foram capazes de aumentar os juros, mantê-los num patamar elevado e iniciar um movimento de corte, com a inflação caminhando para as metas definidas e sem colocar os países em recessão.

 

O chamado pouso suave não costuma ser comum depois de períodos de aperto monetário. Em geral, o ciclo de alta de juros, ao encarecer o crédito a consumidores e empresas com o objetivo de controlar a inflação, busca também desacelerar a economia – e, em muitos casos, os países entram em recessão.

 

“A economia global parece que conseguiu fazer um pouso suave, mas tem um pouco de heterogeneidade entre os países”, diz Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos. “Observando o mundo como um todo, o (crescimento dos países do) G-20 está rodando ao redor de 3% anualizado. É um pouco abaixo do observado no período pré-pandemia, mas longe de ser um cenário ruim.”

 

A economia americana é o exemplo que melhor ilustra esse movimento. Em setembro, o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) anunciou a primeira queda de juros em quatro anos – cortou a taxa dos Fed Funds em 0,50 ponto porcentual, para a faixa entre 4,75% e 5% ao ano, num movimento que surpreendeu parte do mercado, que apostava numa redução de 0,25 ponto.

 

Na batalha para controlar a inflação e trazê-la para a meta de 2%, o Fed precisou elevar as taxas de juros ao maior patamar em 22 anos – o ciclo de alta teve início em 2022. Mas, ao contrário do que se temia, os EUA não entraram em recessão. Nesse período, a resiliência da economia surpreendeu, e os cenários mais sombrios traçados pelos analistas acabavam sempre postergados.

 

Os economistas apontam vários fatores para explicar a força da economia e do mercado de trabalho nos EUA. Nesse último ciclo de alta dos juros, famílias e empresas estavam menos endividadas do que no passado e houve um grande estímulo fiscal que compensou o aperto monetário.

 

“Houve, inclusive, a revisão do PIB de vários anos para trás e foram todos mais fortes. As indicações para esse segundo semestre também são de um crescimento forte nos EUA”, afirma Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management. “A economia (dos EUA) cresceu mais do que a gente imaginava e aponta para uma desaceleração suave.”

 

O presidente do Fed, Jerome Powell, já indicou que deve haver mais dois cortes de 0,25 ponto neste ano. “Os indicadores mostram que o mercado de trabalho continua sólido. Vamos tomar decisões para garantir que o nível de emprego permaneça exatamente onde está”, disse.

 

Na Europa, o cenário é bastante diverso entre os países, mas, ainda assim, não há uma recessão prevista para o bloco. De um lado, as economias da Espanha e da Itália mostram força, enquanto que, de outro, a Alemanha – maior potência europeia – tem preocupado com um crescimento mais fraco.

 

“Na Alemanha, existe um questionamento do modelo econômico composto por três pilares. Era uma produção industrial, principalmente focada em automóveis, para exportar para a China com base em insumos de energias vindos da Rússia”, afirma André Diniz, economista-chefe da Kinea. “Esses três pilares foram solapados com a crise de energia gerada pela guerra entre Rússia e Ucrânia e com a China mudando os motores de crescimento e provendo uma exportação enorme para o mundo de veículos elétricos, em grande medida subsidiados pelo governo. Isso coloca em questão o modelo de desenvolvimento da Alemanha”, acrescenta.

 

Em setembro, o Banco Central Europeu (BCE) voltou a reduzir os juros em 0,25 ponto porcentual. O BCE já havia feito um corte em junho de mesma magnitude. A expectativa é de que ocorra mais uma queda em dezembro, mas não se descarta outra redução antes.

 

Japão e China

 

Com impactos para todo o mundo, os analistas, claro, também se debruçam sobre os próximos passos dos bancos centrais da China e do Japão. Ao contrário de outros países, o BC japonês subiu os juros este ano para 0,25%, enquanto o da China tem adotado uma série de estímulos para acelerar o crescimento do país – a meta de expansão é de 5% este ano. “Desde 2021, estamos vendo a China tentando achar outros motores de crescimento, sem ainda ter conseguido estabilizar a economia”, diz Diniz, da Kinea.

 

No fim de setembro, o Banco Popular da China (PBOC) reduziu a taxa de juros de referência de 1,7% para 1,5%.

 

Fim do sincronismo

 

O que também se observa na condução da política monetária pelos principais bancos centrais é que chegou ao fim a sincronia entre eles. Na pandemia de covid-19, todos os principais BCs cortaram os juros de forma agressiva – quase que ao mesmo tempo – para tentar mitigar os efeitos recessivos provocados pela crise sanitária. Em seguida, com a força da inflação, tiveram de promover um aperto monetário em conjunto.

 

Em tese, esse alívio no cenário global tende a beneficiar os países emergentes, como o Brasil. Mas as condições locais é que vão dizer como cada economia deve se beneficiar. “É um cenário bom para economias emergentes. Os juros estão caindo no mundo inteiro, sobretudo nos Estados Unidos. A China está crescendo aos trancos e barrancos, mas, agora, tem notícias de um novo estímulo, e os preços de commodities estão em um patamar alto”, diz Luciano Sobral, na Neo Investimentos. “Mas o Brasil e outros emergentes têm peculiaridades que acabam fazendo com que não se beneficiem desse ciclo.”

 

No Brasil, observa ele, há uma grande incerteza com relação às contas públicas e ao ritmo de endividamento do País nos próximos anos, o que acaba afastando os investidores. (O Estado de S. Paulo/Luiz Guilherme Gerbelli)