O Estado de S. Paulo
Iniciada em 2021, com previsão de R$ 5,1 bilhões de investimentos até 2025, a renovação do portfólio de modelos da montadora francesa Renault entrou em sua segunda fase no Brasil no final de 2023, o que envolveu o lançamento do Renault Kardian, utilitário-esportivo (SUV) compacto que começou a ser vendido em março, e o anúncio do desenvolvimento de um SUV de médio porte ainda sem nome, que terá uma versão híbrida flex. Assim, a montadora ampliará seu portfólio de veículos elétricos e híbridos no País – a Renault já importa os elétricos Kwid E-Tech, Megane E-Tech e Kangoo E-Tech.
Em entrevista ao Estadão ,o presidente da Renault do Brasil, Ricardo Gondo, disse que o mercado de elétricos brasileiro depende menos de ter uma infraestrutura pronta de carregamento das baterias do que a Europa. “A diferença é que, no Brasil, a maioria dos clientes que estão comprando carros elétricos já instala carregadores em casa”, diz. Na Europa, por falta de garagens particulares nas grandes cidades, isso não é possível na mesma medida.
Gondo também defende a taxação da importação dos carros elétricos chineses para estimular a produção local, “a exemplo do que Estados Unidos, Canadá e Europa estão fazendo”.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista.
A briga pelo mercado de automóveis híbridos e elétricos está esquentando com a chegada das montadoras chinesas? Como a Renault vai se posicionar nessa disputa?
A gente está trabalhando com a nossa unidade chamada Horse (iniciada em março deste ano), que é uma empresa criada pela Renault, pela (montadora chinesa) Geely e pela (estatal saudita do petróleo) Aramco, com participação acionária de 45%, 45% e 10%, respectivamente. Acreditamos que o mercado de carros que utilizam motor a combustão híbrido ainda não chegou ao pico e que ainda existe espaço para crescer até 2040. Então, estamos trabalhando para ter um motor híbrido flex aqui para o mercado brasileiro.
A transição para o elétrico então terá um período longo de vendas de híbridos?
Por um período importante teremos todas as tecnologias convivendo ao mesmo tempo. Olhando para a Europa, em 2023, metade das vendas foram de veículos à combustão interna, 33% de híbridos e 17% de elétricos.
O que pode destravar o mercado brasileiro para elétricos, para a demanda crescer mais? Maior oferta, preços menores?
Apareceu bastante oferta nos últimos 12 meses, com novos concorrentes e novos carros sendo lançados. Temos de entender primeiro os clientes que estão comprando. No caso de clientes particulares, são os que chamamos de early adopters (os primeiros a adotar, numa tradução livre). São as pessoas que estão buscando novidades, que querem ser os primeiros a experimentar uma nova tecnologia. São eles que estão comprando os veículos elétricos. Atualmente, os puramente elétricos representam em torno de 4% do mercado brasileiro. Contando os híbridos mais os elétricos, a participação já se aproxima dos 8,5% do mercado total. Teremos de acompanhar para saber qual é a real quantidade de clientes early adopters, quantos mais temos por aí.
Então, é mais uma questão de tecnologia do que de preocupação com o meio ambiente?
A gente percebe que nos últimos meses está mais ou menos estável o volume de vendas dos elétricos. Mas, além do cliente particular, existem as empresas que estão comprando veículos elétricos pensando numa estratégia de descarbonização. Principalmente as de logística. Por exemplo, para as empresas estamos vendendo hoje o (furgão) Kangoo ETech, que é 100% elétrico. Elas utilizam o veículo elétrico para reduzir a pegada de carbono. Existe um nicho de mercado dos clientes que compraram veículos elétricos e estamos chegando ao limite dos clientes com este perfil.
A falta de infraestrutura de carregamento elétrico pode ser uma barreira?
Se a gente pega a Europa, que é um mercado que acompanhamos de perto, a infraestrutura é um tema importante. A aceleração das vendas dos veículos foi alta em função das ajudas dos governos, mas a infraestrutura não estava preparada para isso. Então, muitos clientes tiveram problemas. A diferença é que, no Brasil, a maioria dos clientes que estão comprando já instala carregadores em casa. Isso ajuda no desenvolvimento da tecnologia e reduz a dependência de carregadores públicos. Na Europa, os primeiros compradores de elétricos estavam nas grandes cidades. Mas nas grandes cidades europeias nem todo mundo tem garagem. Muitos estacionam na rua. Existe uma dependência maior de carregar a bateria nas ruas nas grandes cidades europeias do que no Brasil.
A Comissão Europeia anunciou semana passada a taxação dos veículos elétricos chineses em até 45%. Como vê o pedido da indústria ao governo brasileiro para elevar a taxa de elétricos importados da China?
A indústria automotiva é reconhecida pela competição. Somos a indústria mais competitiva do mundo. Nós sempre tivemos uma enorme concorrência e a competição deve ser justa, em igualdade de condições. A indústria automotiva é marcada por altos investimentos e longos ciclos de desenvolvimento de produtos. Por isso, precisamos de previsibilidade para seguir aprovando os próximos investimentos no País. E, também por isso, é importante a retomada do imposto de importação. A exemplo do que EUA, Canadá e Europa estão fazendo.
“A diferença é que, no Brasil, a maioria dos clientes que estão comprando (elétricos) já instala carregadores em casa. Isso ajuda no desenvolvimento da tecnologia e reduz a dependência de carregadores públicos”. (O Estado de S. Paulo/Carlos Eduardo Valim)