O Estado de S. Paulo
“Estamos atrasados no lado regulatório. O PL (projeto de lei) do SAF (combustível sustentável de aviação) passou pela Câmara, falta ainda ser apreciado no Senado, e empresas e investidores aguardam o desenrolar, para que a gente não perca essa janela de oportunidade”
As instituições financeiras têm protagonismo na transição para uma economia verde no Brasil. A avaliação é de Marcelo Marangon, CEO do Citi Brasil. Segundo ele, o setor está no centro de todas as cadeias produtivas, tendo papel importante na oferta de soluções atreladas aos pilares ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança), como green bonds (títulos verdes) e linhas de crédito conectadas à mitigação de emissões de gases de efeito estufa (GEE) de escopo 3 (emissões indiretas, ligadas aos fornecedores). “O setor financeiro tem um papel protagonista para fomentar essa transição, e são diferentes soluções financeiras que estimulam as cadeias produtivas a terem o mesmo objetivo.”
A aceleração dessa agenda, no entanto, precisa de um “senso de urgência” do poder público, pondera Marangon. Citando como exemplo a tramitação do projeto de lei Combustível do Futuro (n° 528/2020), ele diz que o Brasil está “atrasado” do ponto de vista regulatório frente a outros mercados globais, perdendo oportunidades de atrair investimentos e projetos interessados na segurança de um mercado já regulado. “Não estamos competindo com projetos dentro do Brasil, nós estamos competindo com projetos globais. Então, o projeto a ser desenvolvido no Brasil tem que ser tão bem desenvolvido, rentável, organizado e estruturado quanto um projeto feito na Ásia, na Europa ou nos Estados Unidos”, afirma.
Durante o Fórum Net Zero (ocorrido em São Paulo, em 13 de agosto), o sr. falou que o Brasil está competindo com projetos globais e por isso precisa incorporar um senso de urgência. Sob qual ponto de vista? Esse é um ponto muito importante porque, primeiro, nós não estamos competindo com projetos dentro do Brasil, nós estamos competindo com projetos globais. Então, o projeto a ser desenvolvido no Brasil tem de ser tão bem desenvolvido, rentável, organizado e estruturado quanto um projeto feito na Ásia, na Europa ou nos Estados Unidos. A perspectiva relativa é importante, não é olhar só para dentro do Brasil. E, nesse sentido, a gente está atrasado no lado regulatório. O PL (projeto de lei) do SAF (combustível sustentável de aviação, na sigla em inglês) passou pela Câmara, falta ainda ser apreciado no Senado, e muitas empresas e muitos investidores aguardam o desenrolar desse PL, para que a gente não perca essa janela de oportunidade de atrair projetos para o Brasil.
Em 2021, o Citi anunciou que faria US$ 1 trilhão em finanças sustentáveis globalmente até 2030. Mas agora essa meta já está sendo revista. Por quê?
Nós já estamos revisando a meta porque não chegamos nem à metade do período de dez anos e já atingimos US$ 440 bilhões de financiamento. Então, certamente, a gente vai passar essa meta. Estamos acelerando os projetos sustentáveis.
Só no Brasil, o Citi anunciou que R$ 760 milhões do total oferecido estiveram atrelados a critérios ESG. Esse tipo de produto se relaciona com um dos gargalos das empresas, que é diminuir as emissões de CO2 do escopo 3. Isso demonstra que os bancos podem tomar a dianteira para criar estratégias que possam mitigar essas emissões?
Sem dúvida. O setor financeiro tem um papel protagonista para fomentar essa transição, e são diferentes soluções financeiras que estimulam as cadeias produtivas a terem o mesmo objetivo. Então, como incentivar a cadeia de fornecimento a focar na transição energética e os nossos clientes a estimularem os seus fornecedores a também terem a mesma preocupação? É através de incentivo financeiro, algum tipo de benefício em taxa, bonds sustentáveis. São maneiras de auxiliar os nossos clientes a levantar funding (recursos) através de estruturas competitivas, que tenham benefícios e que mostrem para a sociedade que eles estão focados nos objetivos corretos. E nós estamos no centro de todas essas cadeias.
Existem outros produtos que o Citi pretende lançar atrelados a ESG no curto e médio prazos?
Sim. Nós temos outros produtos que já existem e vários em desenvolvimento. Por exemplo, nós temos linhas de investimento de liquidez em que parte dos recursos são direcionados para fomentar a sustentabilidade. Temos várias iniciativas que fazemos do lado social do ESG em que a gente também aloca parte dos nossos ganhos para fomentar o desenvolvimento das comunidades onde atuamos. Hoje em dia, tudo que desenvolvemos, pensamos em sustentabilidade. Nós acessamos nosso cliente para entender qual é a pegada de carbono, se ele está preocupado com transição energética, se a gente pode ajudar no financiamento da transição, como a gente vai acompanhar, quais são as métricas e se a gente tem de ter um papel protagonista para estimulá-lo a avançar mais rapidamente nos seus objetivos.
As empresas brasileiras já estão trazendo a sustentabilidade para o centro da estratégia do negócio?
Eu acho que não é uma fotografia, é um filme. Acho que todas as empresas têm o pilar de sustentabilidade na sua estratégia. Algumas se desenvolveram mais rapidamente do que outras. Já faz mais de 15 anos que a gente tem essa discussão com os nossos clientes. A gente vê progressos de intensidade e velocidade diferentes nas empresas. Mas esse é um tema que veio para ficar, e cada um está construindo a sua própria estratégia. (O Estado de S. Paulo/Shagaly Ferreira)