Indústria e segmento de petróleo dizem que regra vai encarecer gás natural

O Estado de S. Paulo

 

O projeto de lei do “combustível do futuro” fixa como obrigatória a adição de 1% de biometano ao gás natural a partir de janeiro de 2026, em outra vitória do setor de biocombustíveis – o biometano é fabricado principalmente a partir do bagaço da cana-de-açúcar, mas também há produtos oriundos de aterros sanitários.

 

O porcentual poderá ser alterado pelo Comitê Nacional de Política Energética (CNPE) até o teto de 10%. Os atores do setor de petróleo alegam que a regra vai encarecer o gás natural, argumento que é corroborado pela indústria consumidora, sobretudo a que faz uso intensivo desse tipo de energia.

 

O Ministério de Minas e Energia (MME) estima que o impacto relativo ao primeiro estágio da meta, de 1%, será de 0,47% no preço do gás.

 

O segmento produtivo, porém, contesta e afirma que o impacto é mais elevado. Pelos cálculos feitos pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) em março, haverá gastos extras de até R$ 1,7 bilhão ao setor, que é o maior consumidor de gás natural (usa tanto como combustível quanto como matéria-prima).

 

Segundo André Passos, presidente da Abiquim, o aumento do gás natural, provocado pela entrada do biometano, vai retirar capacidade de competir da indústria instalada no Brasil frente a concorrentes externos.

 

“É diferente do biodiesel, que o consumidor seguirá comprando no posto de gasolina, porque a demanda não vai parar. No caso da indústria, um produto que fica mais caro porque é fabricado com gás misturado ao biometano é deslocado por um importado mais barato”, afirma Passos.

 

Ele afirma que o texto trata de combustíveis e não deveria abordar o uso do biometano, que também é matéria-prima industrial. Assim como ocorreu com o hidrogênio, diz ele, o tema deveria ser tratado em texto legal à parte.

 

Estudos

 

O relator do projeto, senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), previu que a inserção do biometano será feita de acordo com estudos de impacto econômico, o que pode atender aos pleitos da indústria, mas ainda assim, na visão da Abiquim, há insegurança jurídica sobre como o tema será tratado no futuro. “O Brasil já tem o gás mais caro do mundo, e vai ficar ainda mais caro com o biometano”, afirma Passos.

 

Para tentar amenizar as críticas, o relator no Senado acrescentou atenuantes nas exigências ligadas ao biometano, como a exclusão das térmicas conectadas ao Sistema Interligado Nacional. Pelo parecer, o consumo flexível de gás natural dessas usinas ficará fora da base de cálculo da meta de redução de gases de efeito estufa.

 

Nos bastidores, parlamentares ligados ao agronegócio afirmam que tentarão reverter esse ponto, sobretudo no retorno do texto à Câmara, já que o consumo de gás pelas termoelétricas é alto.

 

“O biometano é um produto excelente para descarbonizar, mas ficou um ‘jabuti’ (matéria estranha ao texto principal) dentro de um projeto de lei sobre mobilidade. Estão criando um programa que vai atingir a indústria, e ela deveria ter sido escutada”, afirma a diretora executiva do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Ana Mandelli. “Há uma diferença grande entre os cálculos do MME e da indústria em relação ao impacto nos custos. Isso já demonstra que o tema não está maduro o suficiente para avançar”. (O Estado de S. Paulo/Bianca Lima e Mariana Carneiro)