AutoIndústria
Executivo com mais de três décadas no setor automotivo, o engenheiro Mauro Correia assumiu o cargo de CEO da HPE Automotores, representante e fabricante de modelos Mitsubishi e Suzuki no Brasil, no início do ano passado. Como ele mesmo afirma nesta entrevista exclusiva ao AutoIndústria, sua missão era reenergizar a empresa, criar um espírito mais combativo, uma mentalidade um pouco mais ágil, de que tudo vai dar certo.
De fato, a HPE trilha novo caminho desde então. Em 2024, após um 2023 de negócios em baixa, registra crescimento de 40% nos licenciamentos da linha Mitsubishi, três vezes mais do que a média do mercado, ao mesmo tempo que aumenta a capilaridade de sua rede de concessionárias e pontos de vendas.
Mais e ainda mais importante: anunciou investimentos de R$ 4 bilhões. Os recursos serão destinados a dobrar o portfólio de veículos produzidos na fábrica goiana de Catalão — restrito atualmente a apenas dois —, inclusive com vistas à eletrificação e ingresso em novo segmento. Correia antecipa que pelo menos um dos novos veículos será inédito, ainda em desenvolvimento no Japão.
Além de esclarecer estratégias comerciais e de gestão, Correia confirma que parte do dinheiro será encaminhada para aumentar a eficiência da planta goiana, base produtiva também do Suzuki Jimny, mas “sem aumentar um metro quadrado construído”.
As melhorias, assegura, objetivam aumento da produção para atendimento do mercado interno — “Não temos estoque. O que produzimos hoje o mercado está absorvendo” — e, a depender ainda de negociação com a Mitsubishi no Japão, eventual transformação da operação local em base exportadora para América do Sul.
A Mitsubishi está crescendo o triplo do que o mercado brasileiro em 2024. Essa evolução é episódica ou há uma estratégia a sustentar esse índice?
É uma somatória de fatores. Temos os consumidores amantes da liberdade, aqueles que querem ir com o carro para qualquer local, em qualquer momento, e ele sabe que os Mitsubishi vão. A marca sempre teve imagem de produtos de alta qualidade, duráveis, confortáveis e, além disso, promove experiências únicas com os clites. Há 30 anos temos o rali de regularidade e há 25 anos a Mit Cup, o maior rali de velocidade monomarca da América Latina, do qual participam os consumidores, que têm equipes, seus carros de competição produzidos dentro da nossa fábrica. Já fizemos mais de 700 deles ao longo desses anos. Criamos ainda o Outdoor, rali de regularidade mesclado com atividades esportivas entre parentes, amigos, e o Mit Experience, no qual convidamos CEOs de empresas para passeios off-road, quando falam também de negócios, economia, família em um ambiente descontraído e com veículos que permitem que essas pessoas acessem locais que não poderiam acessar com um carro comum, sem um veículo 4×4. Temos, portanto, ferramentas espetaculares também para estourarmos essa bolha, trazer mais consumidores para dentro da marca.
O índice de fidelização dos consumidores deve ser alto então?
Altíssimo! Quase 65% dos clientes que têm Mitsubishi compram outro carro da marca. Muito maior do que a média do mercado. Então quando observei esse quadro, entendi que temos que reforçar essa relação. E isso tem sido feito desde o ano passado. Estamos ampliando nossa rede, crescendo o número de pontos de vendas. Hoje, entre showrooms e concessionários completos, são 121 pontos. E serão abertos mais onze até o fim do ano. Por outro lado, temos o Eclipse, único SUV da categoria 4×4 que não é diesel, a um preço competitivo, com teto solar panorâmico, vários equipamentos de segurança. Então, olhando tudo isso, trabalhamos para fomentar mais os nossos eventos, ampliar rede de atendimento e reposicionar nossa linha, tanto do Eclipse quanto da picape Triton, como do Pajero. Criamos um plano que para durar e que tem dado resultado, felizmente.
Dá para manter esse patamar de crescimento no segundo semestre?
Nesse caso, teremos um desafio maior, que é toda essa bagunça no transporte marítimo, com falta de navios por conta da guerra no Oriente Médio e com o canal do Panamá que ficou muito tempo com o nível de água muito baixo. Não é um problema só nosso, claro. Mas temos componentes suficientes para continuarmos acelerando a produção.
A HPE anunciou investimentos de R$ 4 bilhões até 2032. Quais serão as principais diretrizes que nortearão esse ciclo?
Para poder crescer vendas, é preciso ampliar o portfólio ou ter produtos diferenciados dentro dele. Esse é o primeiro ponto. O segundo é que não adianta ter um portfólio sem rede de distribuição forte, com boa capilaridade. E o terceiro é que não adianta fazer tudo isso se não comunicarmos o que está que está acontecendo, mostrar os novos produtos. Então estamos desenvolvendo essas três linhas de atuação em paralelo.
E esses novos produtos estarão no mercado logo?
Dois deles chegarão entre o final deste ano e início do próximo, e outros que ainda estamos estudando. Isso exigirá novos equipamentos, treinamento, adequação da fábrica. Do outro lado, também há um trabalho minucioso para atendimento e ampliação da rede de concessionárias. E não estamos falando de megalojas, mas de um showroom pequeno e que tenha pós-venda. Ou seja, com investimento menor, aumenta-se a capilaridade. Para comunicar, temos o projeto de transformação digital, um trabalho que resultará em breve no lançamento de uma nova plataforma, e o projeto agro, pelo qual vamos ao campo para entender o que os proprietários rurais, fornecedores de insumos e empresas necessitam. São formas de nos aproximarmos do consumidor e que não têm nada a ver com a publicidade.
“Criamos um plano que para durar e que tem dado resultado, felizmente.”
A Mitsubishi atua com SUVs e picapes, segmentos alvos de dezenas de lançamentos de várias marcas nos últimos anos. Os novos produtos serão para diversificar segmentos, como no passado, ou seguirão nos atuais?
Esse é um ponto muito importante. A Mitsubishi já teve um portfólio muito maior e veículos em segmentos para os quais também não existiam concorrentes. É só lembrar do TR4, cujo único concorrente era o Suzuki Jimny, também fabricado pela HPE. Teremos, sim, um produto que entrará em novo segmento. Perdemos um segmento importante com o fim do ASX, um carro que vendia bastante. Mas não vejo a Mitsubishi concorrendo abaixo dessa faixa, porque aí entraríamos em mercado de alto volume, uma briga de foice por descontos, o que não é o perfil da nossa marca. O nosso território é entregar valor agregado. Então estamos estudando seriamente isso, tivemos uma reunião no Japão em julho e outra agora no começo de agosto.
Teremos um modelo Mitsubishi eletrificado?
Sim, é um dos que vamos lançar o ano que vem.
Mas montado aqui?
Também, mas não esse que vem em 2025. Novas tecnologias fazem faz parte, sim, dos nossos planos e da cultura da marca. É só olhar um pouco lá para trás. Em 2010, a Mitsubishi foi a primeira a lançar um carro puramente elétrico. Estava muito à frente do tempo, quando não existia a pressão da sociedade pela descarbonização. Os japoneses então deram um passo atrás e agora, com muita calma, começaram a desenvolver os novos produtos. É norma na cultura japonesa desenvolvimento e execução com os pés no chão. Mas nossa fábrica poderia produzir um carro híbrido, claro.
Catalão faz hoje a picape Triton e o SUV Eclipse. O terceiro produto nacional chega quando afinal?
Não tenho uma data acertada porque estamos finalizando o tempo de desenvolvimentos específicos para o mercado brasileiro. Em julho tivemos um grupo da engenharia discutindo o que podemos acelerar no desenvolvimento para o Brasil. Este mês virão o vice-presidente mundial junto com o diretor global para visitas a empresas de engenharia e fornecedores. Será após isso que vamos fechar o cronograma e aí cravar a data de produção.
Então não será no ano que vem, pelo jeito?
No curto prazo não se consegue fazer nada. Principalmente porque é um carro que também ainda está em desenvolvimento lá fora, com novo motor etc.
Mas quantos modelos sairão da fábrica goiana no futuro?
No ciclo todo, pretendemos ter quatro veículos montados lá. Só não posso precisar ainda em que período.
Por falar em Catalão, qual o encaminhamento da HPE para a marca Suzuki lá?
Queremos ter mais produção e estamos discutindo com Suzuki também sobre o potencial do mercado brasileiro e sobre a estratégia dela para o Brasil.
Qual é o índice de nacionalização dos modelos fabricados no Brasil?
Nacionalizamos o máximo possível para aquilo que é viável dentro de veículos desse perfil. Um pelo outro, devemos estar em torno de 30% ou pouco mais, sempre atendendo toda a legislação de custo local etc. É bom recordar que hoje há somente duas picapes do nosso segmento fabricadas no Brasil. As outras marcas trazem tudo da Argentina, onde há um incentivo fiscal monstruoso, e não pagam imposto de importação. Então não é fácil aumentar a localização.
A chegada de novos produtos implicará no crescimento físico da fábrica?
Crescimento físico, propriamente dito, não. A capacidade produtiva instalada é muito boa e os equipamentos básicos são muito bons e flexíveis. O sistema de pintura é totalmente automatizado, com robôs programáveis para qualquer silhueta de veículo. Não há intenção de ampliar nem um metro quadrado construído. Ao contrário, queremos ser mais eficientes e utilizarmos menos espaço, porque cada metro quadrado tem um custo adicional que no final será colocado no carro para poder retornar o capital investido. Estamos fazendo várias mudanças no sistema logístico para isso. Se houver algum aumento, será para estocagem, alguma coisa assim, por conta do crescimento dos volumes, mas mesmo isso queremos evitar. Os investimentos serão realmente para produzir os carros novos, nos equipamentos para isso e na ampliação da rede de distribuição.
E agora temos que batalhar, e já estamos fazendo isso, na perpetuidade de uma empresa sem incentivo.
Quanto desse investimento se deveu ao lançamento do Mover? O programa acelerou essas decisões?
Os estudos já vinham sendo realizados. O Mover é um grande programa para manter o incentivo ao investimento local e, claro, levamos em consideração, mas não quer dizer que tudo foi amarrado em função dele. Um ponto muito importante também foi a extensão do incentivo fiscal até 2032 [para o Centro-Oeste], porque hoje os carros que produzimos em Catalão concorrem com veículos que são importados da Argentina ou do México. Na ponta do lápis, o incentivo fiscal da Argentina para comerciais leves é maior do que no Brasil. Então precisamos de ferramentas para concorrer com esses veículos que vêm da Argentina, se não exportaremos empregos. E agora temos que batalhar, e já estamos fazendo isso, na perpetuidade de uma empresa sem incentivo.
Qual o papel que caberá à exportação no futuro da HPE?
É uma discussão muito importante que estamos tendo com o Japão. Ainda não concluímos, mas, sim, há possibilidade de começarmos a exportar do Brasil, ter um projeto para países da América Latina. Mas precisamos ser mais competitivos do que os países da Ásia, onde os carros da Mitsubishi são produzidos e de lá exportados para alguns países da América Latina. Hoje a exportação é muito esporádica, são casos específicos, como concorrências públicas para atender algum segmento ou órgão que precisa de um produto específico. E a HPE é muito competitiva em transformação de veículos. Fazemos dentro de casa produtos para as polícias federal e rodoviária ou para os bombeiros. É a única montadora que faz isso internamente. Até desenvolvemos kits próprios para, por exemplo, mineração. O que estamos discutindo agora é ter o foco também na exportação.
Isso dependerá dos novos produtos?
Pode ser a partir do que já temos. Mas tudo isso, se vier a acontecer, será feito em conjunto com a Mitsubishi, nós passaríamos a ser o polo de manufatura e exportação para a região.
O senhor está à frente da HPE há menos de dois anos. Qual a missão lhe foi dada para aceitar o comando de uma marca que aqui tem atuação em nichos de mercado?
Antes de tudo, tenho que reconhecer a competência monstruosa das pessoas que criaram tudo isso, como os fundadores da HPE, que fizeram essa marca muito forte, consolidada. Faltava reenergizar a empresa, melhorar a relação com a rede, talvez com o Japão. Não é que vamos continuar sendo apenas uma marca de nicho, mas sim de volumes crescentes sem perder o DNA de olhar para o consumidor como um membro da tribo Mitsubishi, de propiciar a ele experiências que ninguém mais oferece e produtos diferenciados. É um grande desafio também entrar na era digital e oferecer produtos, tecnologia e serviços sem esperar que o consumidor vá a uma loja para comprar um automóvel. Nossos clientes também se atualizaram: tínhamos os puramente analógico e agora há também o que nasceu analógico e está se tornando digital e mais aquele que já nasceu digital. Então temos que olhar para essa evolução e nos adequarmos. Simultaneamente também mexemos na área comercial, embora a grande maioria do time sempre esteve aqui. Meu desafio, enfim, era criar um espírito mais combativo, uma mentalidade um pouco mais ágil, de que tudo vai dar certo.
Pelos números recentes, já está dando certo.
Não temos do que reclamar. O que é mais bacana é a união de todos, da diretoria, dos gerentes para fazer as coisas acontecerem. Duas semanas atrás fui a Catalão, subi no caixote com microfone na mão e disse para toda a fábrica o que está acontecendo, o caminho que vamos seguir, quais os objetivos, o que já foi cumprido e o que ainda precisa ser feito. A comunicação é grande. Fazemos muito reuniões, que eu chamo reuniões de cafezinho, com os operadores. Reúno 20 pessoas numa sala e peço para me contarem o que está acontecendo, o que eles julgam que precisam. Falamos de futebol, da família. Se quiserem falar do negócio, também falam. O objetivo é uma equipe motivada, alinhada, com o norte bem definido.
Qual a meta de participação ou vendas a ser atingida em 2024? As eventuais dificuldades logísticas no segundo semestre mencionadas pelo senhor podem atrapalhar o caminho até elas?
Acho que não, a princípio. Projetamos crescimento em torno de 24% para o ano, o que já é ambicioso. Mas podemos até superar. Estamos bem focados e otimistas. Talvez mantenhamos os 40% registrados até aqui. Uma coisa é fato: não temos estoque de produtos dentro de casa, o que produzimos o mercado está absorvendo. (AutoIndústria/Alzira Rodrigues e George Guimarães)