O Estado de S. Paulo
Além das medidas lançadas pelo governo federal em abril, visando estancar as importações de aço, principalmente da China, siderúrgicas brasileiras decidiram atacar o material chinês por outro flanco. Fabricantes locais decidiram abrir vários processos antidumping na Secretaria de Comércio Exterior (Secex). As ações atingem, na maioria, produtos não incluídos no esquema de cotas-tarifas adotado nas medidas do governo, que passaram a vigorar no início de junho.
No início de março, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) obteve da Secex uma decisão para investigação das importações de folha metálica (estanhada e cromada) de origem chinesa. A CSN é, no Brasil, a única fabricante desse tipo de aço, utilizado na fabricação de embalagens diversas, como latas de tintas. O pleito foi feito em novembro.
No mês passado, a Aperam South America, produtora de aços especiais inox, obteve decisão de direito definitivo antidumping contra importações de dois tipos de aço inox da China. A empresa entrou em julho do ano passado na Secex com pedido de extensão de medida aplicada em 2013, revalidada em 2019, indicando que os dois produtos sofreram alterações por parte de exportadores chineses para driblar o antidumping para continuar vendendo ao Brasil.
Outros pedidos de investigação estão a caminho. Segundo o Estadão apurou com pessoas ligadas às empresas, recentemente pelo menos três pedidos entraram na Secex. A China, maior produtor mundial de aço e maior exportador de produtos siderúrgicos, é o alvo dos pleitos. Estimativas apontam que os embarques do país ao exterior neste ano podem chegar a 113 milhões de toneladas, alta de 25% ante 2023. O Brasil, além de outros países da América Latina, é um mercado em que as usinas chinesas vêm fazendo desova de excedentes devido à retração da demanda no mercado chinês.
Os novos pedidos envolvem desde aços galvanizados, galvalume, aços pré-pintados até os laminados a frio. Além da CSN, os pleitos são endereçados por Usiminas e ArcelorMittal, dois importantes fabricantes desses tipos de aço usados no setor automotivo, na indústria de linha branca e na construção civil.
No caso do aço pré-pintado, utilizado na fabricação de telhas e revestimentos de fachadas e em geladeiras, freezers e fogões, a petição conta com o apoio da Tekno, um grande produtor desse tipo de aço, conforme acesso do Estadão à petição. A maior fabricante no País é a CSN.
Produção local
O consumo de pré-pintado no mercado nacional é da ordem de 300 mil toneladas por ano. Neste ano, de janeiro a maio, já entraram 99 mil toneladas, conforme dados oficiais. Mantido o ritmo, o volume totalizaria quase 240 mil toneladas em 2024 – cerca de 80% da capacidade de produção local, segundo um operador desse segmento com acesso aos números.
Em março, um mês antes da divulgação das medidas, a Gerdau também avaliava entrar com pedido de medidas comerciais contra a entrada de vergalhões e outros tipos de aço. A empresa tomaria a decisão após a divulgação do “pacotaço de abril” de medidas contra o excesso de importações pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). CSN, Usiminas, ArcelorMittal e Gerdau não se manifestaram.
A invasão de aço estrangeiro ganhou dimensão nacional a partir do segundo trimestre de 2023, quando os volumes começaram a subir mês a mês e as siderúrgicas passaram a alertar o governo, em encontros com o ministro Geraldo Alckmin e depois com Fernando Haddad, da Fazenda. Ao final do ano, os desembarques somaram 5 milhões de toneladas, representando aumento acima de 40% sobre 2022 considerando apenas aços acabados. Quase dois terços do volume que entrou nos portos brasileiros tinha como origem a China.
As medidas de 23 de abril que entraram em vigor dia 1.º de junho, após nove meses de negociações com produtores e consumidores de aço, definiram o sistema de cotas-tarifas pelo prazo de um ano, em vez de uma sobretaxa direta de 25% para todas as origens como pedia as siderúrgicas. De 31 tipos de aços apresentados pelo setor, 11 foram contemplados.
Foi uma saída salomônica do governo, uma vez que a China, maior exportador de aço para o Brasil, é, ao mesmo tempo, o maior parceiro comercial do País, importando de minério de ferro a grãos e carnes, entre outros bens primários.
As cotas – média das importações de 2020 a 2022, acrescida de 30% –, segundo informações do setor, abrangem menos da metade (45%) do total de aço importado pelo País em 2023 de diversas origens: China, Rússia, Coreia do Sul, Japão, Turquia e outros países. A Gerdau, por exemplo, como informou em entrevistas o presidente, Gustavo Werneck, teve seu mix de produtos contemplado com apenas 25%. (O Estado de S. Paulo/Ivo Ribeiro)