Juros subsidiados turbinam volume de crédito para compra de veículos

O Estado de S. Paulo

 

Fazia seis meses que o representante de vendas Edser Sergio Buratto Neto, de 41 anos, se preparava para trocar de carro. Vendeu o antigo, que estava muito rodado, por R$ 49 mil e estava disposto a desembolsar, no total, até R$ 98 mil à vista para levar um carro novo ou usado. No início do mês, ele conseguiu fechar negócio por um zero quilômetro, pagando R$ 120 mil. “Fui atraído pela boa taxa de juros”, diz.

 

O representante comercial observa que acabou fechando um negócio completamente diferente do planejado. “Comprei um carro mais caro e com uma parcela que coube no meu bolso, sem me descapitalizar.” Pelo veículo, deu R$ 65 mil de entrada e parcelou o saldo em 36 meses, com prestações fixas de R$ 1.890 e juros de 0,60% ao mês. As aquisições de Buratto Neto e de outros compradores devem engrossar as estatísticas do Banco Central que já apontam um salto na aprovação de novos financiamentos para a compra de veículos.

 

Turbinado por campanhas agressivas de financiamento com taxas de juros reduzidas bancadas pelas montadoras e também pela retomada, em alguns casos, da modalidade “troca com troco”, o volume de novos financiamentos para compra de veículos cresceu 26,8% em valor nos últimos 12 meses até abril, segundo dados do BC.

 

Essa linha de financiamento ao consumidor, que encerrou abril com R$ 17,670 bilhões no total de novos empréstimos, foi a segunda que mais cresceu em 12 meses até abril. Perdeu a corrida apenas para a do cartão de crédito parcelado (32%).

 

O ritmo de aprovação de novos créditos para aquisição de veículos em 12 meses até abril também superou de longe o avanço de novos financiamentos com recursos livres liberados para pessoas físicas como um todo, de 10,6% no período.

 

Dados da B3, que reúne o cadastro das restrições financeiras de veículos que entram como garantia em operações de crédito em todo território nacional (Sistema Nacional de Gravames), confirmam a disparada dos novos empréstimos. Abril foi o melhor mês para a venda de veículos financiados dos últimos dez anos, desde dezembro de 2014.

 

Campanhas

 

Para o presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef), Paulo Noman, o fator que mais tem puxado o aumento dos financiamentos de veículos novos são as campanhas das montadoras, por meio de seus bancos, para oferecer taxas de juros mais vantajosas. “Os juros dos financiamentos, que estavam na casa de 20% ao ano, hoje caíram para 10% ao ano, porque a montadora pagou a outra metade”, diz ele.

 

Também os planos com taxa zero disponíveis no mercado e bancados pelas montadoras para escoar os estoques ajudaram a impulsionar a venda a prazo. Neste caso, o valor exigido na entrada é maior, e o número de parcelas é menor em relação a um financiamento com juros.

 

Marcos Leite, diretor de vendas de uma revenda Volkswagen, conta que tem praticamente em todas as linhas de veículos planos com taxa zero. O que varia é a entrada e o prazo. Hoje, do volume total de vendas da concessionária, entre 65% e 70% são financiadas e pelo menos 80% são com taxa zero. “Isso acelera as vendas”, afirma.

 

O financiamento com juro zero tem atraído, de acordo com Leite, até quem tem dinheiro para pagar à vista o carro novo. É que acaba sendo uma oportunidade de manter o dinheiro aplicado no banco ou gastar os recursos com outras atividades, como uma viagem ou reforma da casa. “Se a pessoa for buscar uma linha de crédito para reformar a casa ou para viajar, terá de pagar juros, e, se pegar um financiamento pessoal, os juros serão bem mais altos”, observa.

 

Até a modalidade de venda chamada “troca com troco” está de volta, e tem ajudado a aumentar o volume de financiamentos, segundo Leite. Na “troca com troco”, o comprador do veículo entrega o carro usado e recebe em troca dinheiro vivo, financiando integralmente o carro zero quilômetro. Essa modalidade de vendas tinha caído no esquecimento por causa dos juros mais altos – antes em 1,99% ao mês e, hoje, entre 1,29% e 1,39% ao mês e sem entrada.

 

Além da queda dos juros, Caio Napoleão, economista sênior da MCM Consultores Associados, acrescenta outra razão para o avanço do volume de financiamento: a descompressão de preços dos veículos. Na saída da pandemia, a falta de componentes turbinou os preços dos carros novos e, por tabela, os dos usados.

 

“Quase todos os bancos cativos fizeram campanhas com taxas de juros subsidiadas pelas montadoras, o que tornou o financiamento mais atrativo para o cliente”, Paulo Noman, Presidente da Anef.

 

Segundo dados Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a medida oficial da inflação, esse movimento vem perdendo força. Em 12 meses até abril, o preço do carro novo subiu 1,18%, bem abaixo do IPCA cheio do período, que foi de 3,69%. No caso do carro usado, houve até deflação de 4,87%, na mesma base de comparação. “Inflação baixa e queda nos juros é a combinação para puxar vendas financiadas”, diz o economista.

 

Quanto à tendência, o economista observa que, no momento, está sendo desafogada a demanda por financiamento de veículos que havia sido represada por causa de preços e juros altos. A perspectiva da procura por financiamentos de veículos daqui para frente, diz ele, é de acomodação em razão do escoamento da demanda represada e do aumento das bases anuais de comparação. (O Estado de S. Paulo/Márcia de Chiara)