Dólar pesa, e Haddad vai levar a Lula cardápio de cortes de gastos

O Estado de S. Paulo

 

O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, levará ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um cardápio com medidas para desindexar os gastos do Orçamento federal. Entre elas, há a ideia de estabelecer o teto de 2,5% acima da inflação para as despesas hoje vinculadas ao salário-mínimo, como os benefícios previdenciários, e também para os pisos da Saúde e Educação – atrelados à arrecadação do governo. Por esse modelo, esses gastos ficariam sujeitos ao mesmo limite do atual arcabouço fiscal – corrigindo a distorção de se ter rubricas obrigatórias com crescimento acelerado, que acabam comprimindo gastos para investimentos e para o custeio da máquina pública.

 

Essa solução já havia sido apresentada por Haddad em encontro com investidores na sexta-feira passada, e confirmada pelo Estadão. O que azedou o clima com o mercado, no entanto, foi a certeza de que a decisão não cabe a Haddad e ainda precisará do aval de Lula. Como o ministro disse que é o presidente quem decide – e as declarações de Lula no campo econômico têm seguido na mão contrária às da equipe econômica –, a percepção de risco aumentou muito da sexta-feira para cá.

 

O dólar chegou a bater ontem em R$ 5,38 na abertura dos negócios, abaixo apenas das cotações da virada de governo – de R$ 5,48, em 5 de janeiro de 2023. No fechamento, ficou em R$ 5,35, ainda assim uma alta de 0,6% no dia, levando o acumulado no mês para 2,02% e no ano, para 10,37%. Além da questão fiscal no País, a cotação refletiu a expectativa do mercado com a reunião de amanhã do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que deve manter os juros congelados.

 

Com o dólar mais forte, a pressão sobre a inflação tende a aumentar, o que diminuirá a margem de manobra do Banco Central para dar continuidade ao corte da Selic. Nesse sentido, a disparada do dólar acaba sendo uma aliada de Haddad no esforço de convencimento do presidente. Lula está sob influência do ministro da Casa Civil, Rui Costa, e da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que não veem urgência no ajuste fiscal.

 

Até aqui, Haddad tem conseguido ganhar as principais disputas no campo econômico, como a reoneração dos combustíveis, a manutenção da meta de inflação de 3% e o pagamento de dividendos extraordinários por parte da Petrobras. O problema é que essas vitórias têm acontecido sempre no “varejo”, e não no “atacado”. Ou seja, ele precisa atuar fortemente nos bastidores para conseguir cada uma das vitórias, e não tem carta branca de Lula para adotar as medidas que achar necessárias.

 

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse ontem que a dúvida sobre a capacidade de harmonizar as políticas monetária e fiscal no Brasil é o principal risco percebido no País no curto prazo. No longo prazo, ele mencionou a dificuldade de aumentar a produtividade.

 

“A maior percepção de risco no Brasil está relacionada à capacidade de chegar a um sistema em que haja harmonia nas políticas fiscal e monetária, é nisso que as pessoas se concentram no curto prazo”, disse ele, durante webinar organizado pela Constellation Asset.

 

No longo prazo, ele mencionou uma dificuldade de aumentar a produtividade do País. “Nós focamos muito no curto prazo”, afirmou. Ele avaliou que o desemprego baixo do Brasil pode ser consequência dos efeitos da reforma trabalhista.

 

Inflação

 

O presidente do BC também afirmou que a mudança da classificação das expectativas de inflação de “reancoragem parcial” para “desancoradas” (ou seja, estão longe das metas que devem ser seguidas pelo BC) foi um dos pontos para a redução do ritmo de cortes da taxa Selic. Apesar disso, Campos Neto frisou que os números recentes de inflação vieram um pouco melhores na margem. “Especialmente a inflação de serviços relacionada a áreas de trabalho intensivo.”

 

A autoridade monetária, disse ele, está fazendo um trabalho detalhado de observar o comportamento de serviços para verificar se está ocorrendo uma correlação entre a intensidade do mercado de trabalho e os preços, mas por enquanto isso não foi verificado.

 

Sugestões

 

No mesmo evento, Campos Neto listou três sugestões que deixaria para seu substituto na presidência do BC, a partir de 2025. Ele aconselhou o próximo chefe da autarquia a preservar ao máximo a sua independência, a tentar garantir que a comunicação do BC não cause ruídos e a continuar investindo na agenda de tecnologia.

 

“Sempre há um desafio. É uma linha muito tênue, porque às vezes você é próximo de forma a ir para as reuniões e falar com o governo, mas isso só é bom se você tiver independência para tomar uma decisão. E, às vezes, não será o que o governo quer.”

 

O presidente do BC repetiu que é importante poder dizer “não” ao governo. Ele também defendeu que o próximo presidente do BC deve dar atenção à comunicação. “Precisa ter um processo em que você seja transparente, as pessoas entendam o processo e você possa comunicar as coisas de forma a reduzir o ruído o máximo possível.”

 

Campos Neto também afirmou que é necessário continuar investindo na agenda de tecnologia. Segundo ele, o que foi feito até aqui foi apenas a “ponta do iceberg”. “A tecnologia é uma forma mais barata de promover inclusão e melhorar o mercado financeiro.”

 

Ele salientou o desempenho do Pix, classificado por ele como o “sistema de pagamento de maior sucesso globalmente”. Campos Neto citou que a ferramenta incluiu sete milhões de pessoas na bancarização. (O Estado de S. Paulo/Alvaro Gribel)