O Estado de S. Paulo
Cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) descobriram um material que tem potencial para contribuir na fabricação de hidrogênio verde. Trata-se de um polímero condutor chamado polianilina, que possui camadas de nanotubos de carbono de paredes múltiplas.
O hidrogênio verde é uma das promessas para permitir a transição energética, mas enfrenta o desafio de superar os altos custos de produção. Publicado na revista Polymer em março, o estudo inova ao utilizar um material orgânico (a polianilina) e a nanotecnologia. Ao lançar luz ultravioleta sobre o material, uma corrente elétrica é gerada, promovendo reações químicas que resultam no hidrogênio verde.
Os pesquisadores já sabiam que a polianilina conseguia conduzir eletricidade e, assim, gerar o combustível, mas se surpreenderam ao perceber que a presença dos nanotubos de carbono aumentava o desempenho da polianilina.
Quanto maior a concentração de nanotubos, menos energia foi necessária para produzir o hidrogênio verde. Os nanotubos de carbono usados no sistema têm largura equivalente ao diâmetro de um fio de cabelo, dividido em mil vezes. Por ora, o estudo está em fase de laboratório. Ainda serão necessários testes para verificar se o material é viável em nível industrial e formas de otimizálo em termos econômicos.
O hidrogênio verde tem potencial para substituir os combustíveis fósseis em diferentes áreas, como transporte, fábricas en ageração de energia elétrica. Segundo os pesquisadores, o produto também pode servir para fazer ureia, usada em fertilizantes. Um dos autores do artigo, José Marconcini, chefe-geral da Embrapa Instrumentação e pesquisador da UFSCar, destaca que o estudo é o primeiro passo para mostrar a viabilidade do material. Agora novos estudos serão úteis para aprimorar o método. “Os primeiros passos foram vencidos, mas ainda tem muita coisa nova pra fazermos. É como se explorássemos novas oportunidades que estão nascendo”, compara.
Segundo autores do estudo, a polianilina tem a vantagem de ter produção mais simples do que a cerâmica – ao menos na escala laboratorial. Outros estudos têm testado paralelamente a obtenção de hidrogênio verde por meio da cerâmica, que é semicondutora.
Na cerâmica, os processos exigem equipamentos mais complexos, como fornos com alta temperatura em fábricas especializadas. Ela precisa ficar sob forte calor por longo tempo, explica a pesquisadora Alessandra Correa, aluna de pós-doutorado de Marconcini. Já a polianilina é feita em temperatura ambiente com reagentes líquidos. Isso tem potencial de reduzir os custos.
A pesquisa teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq), Rede AroNano/Embrapa e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O trabalho também contou com apoio da empresa Shell.
Produção de hidrogênio
Para desenvolver o experimento, os pesquisadores utilizaram os laboratórios da Embrapa de Instrumentação, o Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio e o da UFSCar. Em um recipiente de vidro com água e um tipo de sal (solução salina), os pesquisadores colocaram um vidro especial chamado de óxido de estanho dopado com flúor (FTO), contendo a polianilina com os nanotubos de carbono. Esse vidro tem como diferencial o fato de ser condutor.
Em seguida, os cientistas estabeleceram uma diferença de potencial no sistema, o que permite a passagem de corrente elétrica quando aluz ultravioleta bate em cimado vidro coma poli anilina. Ocorre, então,u mareação química– a eletrólise. Ela divide moléculas de água (H2O) em hidrogênio (H2) e oxigênio (O2), que vão para direções diferentes. OH 2 fica retidonas uperfíc ieda poli anilina, e oO 2 vai para outro material acoplado à base de platina do recipiente.
O experimento foi feito com um aluz quete m apenas radiaçãoUV,d eme lhorab sorção pela poli anilina. Já aluz do sol tem espectro maior e inclui também aluz visível eainfr avermelha. Em teste não descrito na pesquisa, Alessandra utilizou a poli anilina comum a luz que simula a solar e obteve produção de hidrogênio verde, mas com menor eficiência.
Material novo
A polianilina é uma tecnologia recente e ainda tem muito a ser explorada. Em 2000, o Prêmio Nobel de Química foi para três cientistas pela “descoberta e desenvolvimento de polímeros condutores”. Tipicamente, polímeros, entre eles os famosos plásticos, não conduzem eletricidade por serem materiais de origem orgânica. São utilizados, inclusive, como isolantes de fios de cobre em cabos elétricos comuns. Os pesquisadores agraciados como Nobel fizeram suas descobertas semifinais em 1970 e as tornaram um campo de pesquisa.
“O grande avanço na descoberta da polianilina foi por ser um polímero que conduz eletricidade”, diz Alessandra. “A utilização desse material orgânico com os nanotubos de carbo noé o grande diferencial nesse trabalho em relação ao que se tem na literatura sobre o hidrogênio verde.”
Eficiência
Para o pesquisador da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP)Ju lio Meneghini, abusca por melhores resultado sé um dos maiores desafios. “As tecnologias antigas têm baixa eficiência. Qualquer substituição com eficiência maior e utilizando diretamente a energia solar é algo que merece ser investigado”, diz ele, diretor geral do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI).
Parte das gerações mais recentes de materiais traz maior eficiência ao processo, mas ainda enfrenta problemas de alto custo. O grupo de eletrolisadores de alta temperatura (SOEC), do qual fazem parte a cerâmica e alguns metais, por exemplo, apesar demais eficiente doque ageração anterior,t ambé mé mais caro.
Para o futuro, Meneghini diz que deve ser usada uma variedade de materiais para obter hidrogênio verde. “Vamos ter diferentes tecnologias. Inclusive combiná-las, eventualmente, pode se mostrar boa solução”, afirma. (O Estado de S. Paulo/Ramana Rech)