O Estado de S. Paulo
O governo Lula apoiou modificação, feita de última hora, no projeto de lei que criou o programa nacional Mobilidade Verde e Inovação (Mover) e que altera as regras de conteúdo local da indústria do petróleo e gás natural. A emenda estabelece porcentuais mínimos fixados em lei para as atividades de exploração, desenvolvimento e escoamento de óleo e gás, o que provocou a reação de representantes da indústria do petróleo.
Hoje, a exigência é feita de acordo com as características de cada projeto e é estabelecida por regras da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Se a emenda for mantida pelo Senado, que ainda vai analisar e votar o projeto do Mover (mais informações nesta página), os porcentuais passarão a ser rígidos e fixados em lei.
O presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Roberto Ardenghy, diz que a definição do que é nacional é feita em função das características geológicas dos reservatórios – se o campo de exploração fica em águas rasas ou profundas, por exemplo. E, também, conforme a capacidade de fornecimento de equipamentos da indústria brasileira.
Por isso, os porcentuais variam e são definidos em reuniões técnicas. O uso de serviço nacional para operações abaixo da linha d’água, por exemplo, pode chegar a 80% dos projetos, dadas as inovações tecnológicas desenvolvidas no País nos últimos anos. A emenda aprovada pela Câmara, porém, não considera essas nuances, adverte Ardenghy.
Pouco interesse
A flexibilização das regras ocorreu em 2017, no governo de Michel Temer (MDB), depois de anos de baixos investimentos no setor e pouco interesse de petroleiras em participar dos leilões para a exploração de novas áreas.
“A flexibilização das regras permitiu que projetos importantes que existem hoje, como a produção do pré-sal, que representa mais de 3 milhões de barris/dia, sejam uma realidade. O Brasil não produziria hoje 4,3 milhões de barris/dia se não tivesse havido essa flexibilidade. Isso é consenso no mercado”, diz Ardenghy.
O texto aprovado pela Câmara exige conteúdo local de 20% a 40% para a exploração feita em áreas do regime de partilha. Na fase de exploração do petróleo, o porcentual mínimo é de 20%. Na fase de desenvolvimento da produção (quando se começa efetivamente a retirada de petróleo e gás em escala comercial), a cota sobe para 30% na construção de poços e para 40% na instalação de sistemas de escoamento.
A emenda fixa ainda quanto destes porcentuais deve ser direcionado para bens e para serviços contratados no Brasil. Na caso da exploração feita em áreas de concessão em altomar, o conteúdo local exigido varia de 18% a 40%.
Atualmente, segundo Ardhengy, os porcentuais exigidos nas concessões em alto-mar são menores e variam em média em torno de 25% a 30%.
‘Erro técnico’
“Há um erro técnico de visão e de conhecimento sobre o setor e do que é um projeto de exploração de petróleo e gás. Apoiamos o conteúdo local, achamos justificável, todos os países fazem, mas essa não é a maneira de fazer”, diz Ardenghy. “Estão tirando do Ministério de Minas e Energia, do CNPE e da ANP o papel de definir o nível que seja interessante para a indústria do País e, ao mesmo tempo, não inviabilize os próprios leilões.”
A Associação Brasileira das Empresas de Bens e Serviços de Petróleo (Abespetro) também criticou a inclusão da medida. “Entendemos que não seria este o espaço mais apropriado para tratar de políticas de conteúdo local relativas à indústria de petróleo e gás. Além disso, o texto da emenda traz também propostas que foram superadas a partir da interação entre atores dos setores público e privado ao longo dos últimos anos”, disse a Abespetro em nota.
A emenda foi inserida no texto do Mover por iniciativa do líder do Solidariedade, Áureo Ribeiro, do Rio de Janeiro, onde a indústria do petróleo e gás é o principal motor da economia.
Já passava das 21h da terça-feira quando o plenário da Câmara dos Deputados começou a discutir o adendo ao texto do Mover. Parlamentares do Novo e do PL foram contra a emenda, que por sua vez recebeu o apoio do líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE).
Partidos de esquerda como PSOL e Rede se posicionaram contra. A medida, porém, foi aprovada por 174 votos favoráveis e 159 contrários.
Com a derrota, a indústria agora se mobiliza para tentar tirar a emenda do texto no Senado, que votará o projeto na terça-feira. “Esse tipo de política tem de ser feito de maneira equilibrada porque pode causar grandes prejuízos”, diz Ardenghy. (O Estado de S. Paulo/Mariana Carneiro)