O Estado de S. Paulo
As projeções do mercado financeiro para a inflação no Brasil voltaram a registrar piora, aumentando a pressão sobre o Banco Central. Divulgada ontem, a nova edição do boletim Focus (uma compilação semanal de estimativas feita pelo próprio BC) indica que a mediana para o IPCA em 2024 passou de 3,80% para 3,86%, enquanto a de 2025 foi de 3,74% para 3,75%, dando continuidade ao movimento observado nas últimas semanas. Já a projeção para 2026 avançou de 3,50% para 3,58%, depois de ficar estável nas últimas 46 semanas.
Um aumento das estimativas de inflação de longo prazo já era esperado por analistas do mercado. Segundo eles, a incerteza sobre o comportamento do BC a partir de 2025 – quando o atual presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, será substituído por um indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva – pesa no movimento.
Essa incerteza cresceu desde a última decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), que terminou com um corte de 0,25 ponto porcentual da Selic, para 10,5% ao ano. Dos nove integrantes do colegiado, quatro – todos já indicados por Lula, crítico do atual patamar de juros, que considera altos – defenderam uma redução maior, de 0,5 ponto porcentual. A explicação desses diretores é de que haveria prejuízo para a imagem do BC se ele abandonasse o “guidance” (sinalização) dado anteriormente de novo corte de 0,5 ponto.
Declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na semana passada também podem ter pesado no movimento. Em uma audiência na Câmara, ele disse que o centro da meta de inflação, de 3%, é “exigentíssimo para as condições do Brasil”. O comentário renovou a percepção de que o governo ainda pode, eventualmente, aumentar a meta de inflação.
Já a mediana das estimativas no relatório Focus para a taxa Selic no fim de 2024 ficou estável em 10%, depois de três semanas de alta. Um mês atrás, estava em 9,5%. A projeção para o fim de 2025 também foi mantida, em 9% – estável há cinco semanas.
‘Serenidade’
Ontem, ao participar de evento em São Paulo, Campos Neto falou em “serenidade” ao mencionar a piora de expectativas do mercado nas últimas semanas. “Temos de manter a serenidade e endereçar o que causou a piora das expectativas”, disse ele.
O presidente do BC voltou a dizer que essa piora reflete o cenário fiscal no País, a indefinição sobre os juros nos Estados Unidos e também os efeitos da tragédia climática no Rio Grande do Sul na economia nacional. Ressaltou ainda que, apesar dos temores de analistas depois da reunião passada do Copom, todas as decisões têm base técnica.
“O tempo vai fazer com que pessoas entendam que as decisões do BC são técnicas. Ao longo do tempo, o mercado entenderá que a reunião do Copom foi técnica e que a dúvida foi sobre o custo de não cumprir o ‘forward guidance’, que é um critério técnico”, disse Campos Neto.
A mudança de projeções de mercado também foi abordada pelo diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo. Em evento promovido pela Liga de Mercado Financeiro da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), de Minas Gerais, repetiu que a autarquia tem instrumentos para colocar inflação na meta. “Isso pode ser com maior ou menor custo”, afirmou Galípolo, acrescentando que não gostaria de passar a ideia de ter a situação fiscal como “muleta” para não colocar a inflação na meta.
Próximo Copom
Depois da falta de consenso em maio, economistas do mercado financeiro esperam unanimidade na próxima reunião do Copom, em junho. Um levantamento do Projeções Broadcast mostra que essa é a visão de nove de 14 instituições participantes (64%) da pesquisa.
Para os economistas ouvidos, a volta da unanimidade na próxima decisão do Copom serviria como um instrumento para a retomada da credibilidade da comunicação do BC. “Os membros do Copom vão precisar reconquistar a confiança de alguns agentes do mercado”, resume o economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores.
A LCA prevê que os nove membros do comitê optem por um corte de 0,25 ponto porcentual da Selic em junho e que defendam a estabilidade da taxa, em 10,25%, nas reuniões seguintes. Imaizumi relembra que, sob a gestão de Campos Neto, apenas três de 42 decisões registraram alguma divergência.
O cenário para a reunião de junho é compartilhado pelo economista-chefe da Análise Econômica, André Galhardo. Ele espera, no entanto, que os membros decidam unanimemente por ainda mais dois cortes de 0,25 ponto até dezembro, levando a Selic a 9,75%. “Sem ‘guidance’, o grupo dissidente parece caminhar em torno do grupo majoritário que havia votado pelo corte de 0,25 ponto”, afirma o economista.
Já a economista-chefe da CM Capital, Carla Argenta, também prevê consenso na decisão de junho, mas avalia que os membros já devem optar por estabilidade da taxa, em 10,50%. Ela ressalta que, apesar da decisão dividida em maio, a ata da reunião mostrou um comitê coeso na análise do cenário econômico.
Pelo texto da ata, existiria um entendimento no Copom em torno de uma política monetária “mais contracionista, mais cautelosa e sem indicações sobre os próximos passos”. (O Estado de S. Paulo/Cícero Cotrim, Francisco Carlos de Assis, Eduardo Laguna, Marianna Gualter, Daniel Tozzi Mendes e Gabriela Jucá)