Depois de ata do Copom, mercado já vê fim de novas reduções dos juros

O Estado de S. Paulo

 

Divulgada ontem, a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) – que terminou com a redução da Selic em 0,25 ponto porcentual, de 10,75% para 10,5% ao ano – reforçou a preocupação do Banco Central com a trajetória da inflação e, na avaliação de analistas, deixou a porta aberta para um cenário que não estava no radar de ninguém até agora: o fim imediato do ciclo de cortes da taxa básica de juros – que fecharia o ano ainda em dois dígitos.

 

A ata trouxe duas mensagens. A primeira, de que o racha entre os quatro diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o BC – e que defenderam um corte maior para a Selic, de 0,5% – e os outros cinco integrantes do Copom tinha a ver com a forma de comunicação do BC, e não com uma possível leniência com a inflação – principal temor do mercado desde a semana passada.

 

A outra mensagem diz respeito aos próximos passos da política monetária. Apesar da divisão na hora de arbitrar um índice de corte para a Selic, todos os nove diretores entenderam que, em função das projeções para a inflação, é preciso uma política “mais contracionista, mais cautelosa e sem indicações sobre os próximos passos”. Segundo a ata, essa é a posição “mais apropriada diante do cenário global incerto e do cenário doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas”.

 

Além disso, diz que é preciso “ancorar” as expectativas, ou seja, levar as projeções de mercado para a meta de 3% nos próximos anos. “Todos corroboraram o entendimento de que a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.”

 

‘Pausa prolongada’

 

O cenário de aperto monetário já apareceu no resultado de pesquisa feita ontem pelo Projeções Broadcast, que consultou 38 instituições financeiras, entre bancos e administradores de recursos. A mediana para a Selic subiu de 9,75% para 10% em 2024. Já a previsão de data para encerramento do atual ciclo de corte, que antes era em setembro, agora foi puxada para junho.

 

“A ata do Copom veio bastante dura e, a nosso ver, abriu a porta para o fim do ciclo de flexibilização”, disse o economista-chefe do Itaú, Mario Mesquita, em relatório. Por ora, o banco ainda vê o Copom reduzindo o juro básico em 0,25 ponto na reunião de junho, com a Selic parando em 10,25% – “seguido por uma pausa prolongada”. A projeção anterior do banco era de 9,75%.

 

O Banco Inter também trabalha, neste momento, com mais uma queda de 0,25 ponto na reunião de junho. Mas a economista-chefe da instituição, Rafaela Vitória, não descarta que, a depender da conjuntura, o BC opte por parar de cortar o juro já no próximo encontro.

 

Na sua avaliação, a ata deixou claro que os próximos passos do comitê estão em aberto e que ainda não há consenso entre os membros do colegiado sobre qual será o nível da Selic ao fim do atual ciclo de cortes. “O tamanho da restrição monetária suficiente para a reancoragem de expectativas ainda é a principal dúvida.”

 

Alguns analistas, porém, já trabalham com uma taxa final da Selic em 10,5% ao ano – que é o patamar atual. É o caso do economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez. Ele avalia que a perspectiva de um novo corte de juros vai contra o rigor da ata divulgada ontem. O cenário-base da corretora incorporou a reunião deste mês como sendo a da última redução da Selic, que fecharia o ano, então, em 10,5%.

 

A equipe de macroeconomia da XP Investimentos também passou a prever no seu cenário a possibilidade de fim do ciclo de redução da Selic. “Usando um modelo similar ao do Copom, nossos cálculos sugerem que a taxa Selic em ou acima da nossa projeção de 10% seria necessária para trazer a projeção de inflação de 2025 para a meta”, dizem os economistas, em relatório. “Especialmente porque vemos a expectativa de mercado de 2025 subindo ainda mais nas próximas semanas.”

 

‘Ambiente mais difícil’

 

Para Alvaro Frasson, economista do BTG Pactual, a ata foi muito clara ao apontar como o cenário se deteriorou desde o encontro anterior do colegiado – em março. Ele destaca que, desta vez, houve por parte do comitê muito mais preocupação com o cenário doméstico do que com o cenário internacional. Com isso, o economista avalia que o cenário-base do BTG hoje, de Selic em 10% ao fim do atual ciclo de afrouxamento, com mais duas reduções de 0,25 ponto, é “otimista” e que “o ambiente está mais difícil para corte de juro”.

 

A forma de comunicação do Banco Central com o mercado teria sido a principal causa para o racha na reunião do Copom do início deste mês, quando a Selic caiu de 10,75% para 10,5%. Os quatro diretores indicados pelo atual governo votaram por um corte de meio ponto porcentual, enquanto os cinco diretores herdados do governo Bolsonaro optaram por um ritmo menor de corte – de 0,25 ponto, o que acabou prevalecendo.

 

A divisão aumentou no mercado o receio de interferência política no BC, considerando o fim do atual mandato do presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, em dezembro. O favorito para assumir o posto é Gabriel Galípolo, ex-número 2 do Ministério da Fazenda e que hoje ocupa a diretoria de Política Monetária do BC. Para alguns analistas, a troca de guarda poderia indicar leniência da nova administração com a inflação.

 

A explicação para o racha está no 18.º parágrafo da ata da reunião, divulgada ontem. Para os quatro diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Ailton de Aquino Santos, Paulo Picchetti e Rodrigo Alves Teixeira, além de Galípolo), haveria um “custo reputacional” para o BC ao abandonar o chamado “forward guidance”, ou “orientação futura”, o que levaria a uma perda para as comunicações formais do banco.

 

“Como em debates ocorridos em outras reuniões, tais membros discutiram se o cenário prospectivo divergiu significativamente do que era esperado a ponto de valer o custo reputacional de não seguir o ‘guidance’, o que poderia levar a uma redução do poder das comunicações formais do comitê”, diz a ata.

 

Com isso, eles indicaram discordar da postura de Campos Neto de abandonar o “guidance” em um evento do mercado financeiro em Nova York. Campos Neto teria uma reunião fechada com investidores, mas pediu que o encontro fosse aberto. Ao fazer um discurso mais duro, o mercado entendeu que o corte de 0,5 ponto havia sido abandonado, e passou a apostar em 0,25 – o que, de fato, aconteceu. (O Estado de S. Paulo/Daniel Tozzi Mendes, Maria Regina Silva, Gabriela Jucá e Alvaro Gribel)