‘Acessórios’ para veículos elétricos ganham força com ajuda de startups

O Estado de S. Paulo

 

Enquanto montadoras enfrentam dúvidas sobre a viabilidade dos carros elétricos no Brasil e no mundo, startups de eletromobilidade dedicam-se a desenvolver soluções de “ecossistema” para esse tipo de veículo, tido como a principal aposta para a descarbonização dos transportes em um futuro sustentável. O objetivo dessas empresas é montar a infraestrutura de carregamento e criar aplicativos de gestão de energia, acompanhando o crescimento da demanda por esse tipo de automóvel no País.

 

A startup carioca Ezvolt é a única que se mantém como dona de uma rede própria para abastecimento de automóveis elétricos. Fundada em 2019, a companhia possui hoje mais de 2 mil carregadores instalados em 600 pontos espalhados por 40 cidades do Brasil. Isso inclui garagens residenciais e comerciais, eletropostos nas ruas e abastecedores ultrarrápidos em rodovias. A expectativa é chegar a 50 cidades até o fim deste ano. “O foco da Ezvolt é oferecer a recarga de dia a dia, em grandes centros urbanos e em condomínios residenciais”, afirma Gustavo Tannure, presidente executivo e fundador da Ezvolt.

 

O foco em condomínios residenciais surge como uma possibilidade de crescimento, diz Tannure. Nesse formato, o motorista estaciona o automóvel na garagem de casa, deixa-o carregando durante a noite (como se faz com um smartphone) e, pela manhã, poderá reutilizar o veículo, já pronto para uso. A ideia é seguir um modelo de expansão similar às lojas de conveniência que vêm surgindo em prédios da capital paulista.

 

Segundo o CEO da Ezvolt, essa rede de infraestrutura nos condomínios é diferente daquela vista na Europa, mercado tido como pioneiro na eletrificação das frotas e que serve de “inspiração” para a implementação de soluções no Brasil. Lá, os edifícios não têm garagens, os veículos permanecem estacionados na rua e, portanto, os eletropostos ficam na calçada – algo que, no Brasil, é inexistente. Então, é preciso levar os carregadores para as casas dos consumidores. “Queremos ‘tropicalizar’ o abastecimento de eletropostos”, explica Tannure.

 

Nas cidades, toda a infraestrutura é da Ezvolt. Já nas estradas, os postos são administrados pela Vibra Energia (ex-BR Distribuidora), que fez aporte de R$ 10 milhões na startup em 2023. Em 2022, a companhia já havia colocado outros R$ 5 milhões no negócio. Para o segundo semestre deste ano, um terceiro cheque, de cerca de R$ 50 milhões, deve ser levantado com mais investidores entrando no negócio.

 

Até agora, o investimento da Vibra serve não só para aumentar o capital da empresa, mas para auxiliar no incremento da infraestrutura pelo Brasil, resolvendo um dos principais problemas no ritmo de disseminação dos veículos elétricos no País.

 

Além disso, a parceria com a Vibra tenta resolver um dos principais problemas para as startups do campo de veículos elétricos. Nessa área, o custo da energia e de itens de infraestrutura, bem como a manutenção, é a principal barreira de entrada para as novas empresas. Levantar um posto com um único carregador pode partir de, pelo menos, R$ 50 mil, diz Tannure. “Para sobreviver nesse mercado, é preciso abraçar as grandes empresas do setor”, afirma o CEO da Ezvolt.

 

Mudança de rotas

 

Se, para as startups, é alta a barreira de entrada para levantar a infraestrutura física de recarga, o caminho mais rápido é viabilizar soluções de software.

 

A Tupinambá Energia fornece uma plataforma de gestão para que casas e empresas controlem os pontos de recarga em tempo real, gerenciem pagamentos, tenham assistência e criem relatórios, entre outras funcionalidades. O modelo é criado para que supermercados, shopping centers e condomínios paguem uma assinatura mensal para administrar essas informações, aumentando rentabilidade dos eletropostos instalados.

 

A Voltbras, fundada em 2018 em Florianópolis (SC), segue nessa mesma estrada. A startup desenvolveu um software que pode ser adaptado para qualquer marca e que pode ser integrado a diversas ferramentas de gestão, como de finanças e relacionamento com cliente, por exemplo.

 

No Brasil, o maior nome envolvido na promoção de um ecossistema para a mobilidade elétrica é a 99, startup de transporte por aplicativo que, no País, foi a primeira a alcançar o status de “unicórnio” (título dado às poucas startups que atingem avaliação de mercado superior a US$ 1 bilhão) – desde 2018, a companhia faz parte do grupo Didi Chuxing, da China. Até 2025, a empresa brasileira quer eletrificar até 10 mil automóveis que circulam em sua plataforma – hoje, esse número está em 3,7 mil.

 

A meta ambiciosa faz parte da Aliança pela Mobilidade Sustentável, encabeçada pela 99 e seguida por outras 11 companhias. O programa, lançado em 2022, tem como objetivo promover a cadeia da eletromobilidade para motoristas e usuários. Para isso, um time de estrelas de outras categorias foi reunido: montadoras (Caoa Chery e BYD), bancos (Santander e BV), concessionárias de energia elétrica (Enel, Raízen), locadoras de veículos (Movida e Unidas) e startups (Zletric, Tupinambá e Ezvolt).

 

Elétrico Made in Brazil

 

A startup Hitech Electric não trabalha nem em eletropostos nem em software de gestão para a eletromobilidade. A empresa nascida em 2017 em Campo Largo, no Paraná, vende veículos totalmente elétricos – e made in Brazil.

 

Fabricados no Brasil e com tecnologia da catarinense Weg, a Hitech Electric desenvolveu três veículos para realizar o que se chama de “última milha” de entregas do e-commerce, ou seja, da loja até a casa do cliente. O desenho, também brasileiro, está entre uma van e uma picape. Os modelos têm velocidade de até 70 km/h, autonomia para rodar de 160 km a 280 km, podem transportar de 400 kg a 800 kg de mercadorias e precisam de quatro a cinco horas ligados na tomada para carga total. No site da startup, são vendidos por preços que variam de R$ 124,4 mil a R$ 141,6 mil.

 

O negócio da Hitech Electric está focado em empresas do varejo que querem eletrificar as frotas e agilizar entregas nas grandes cidades. Os modelos destinam-se a levar itens de dia a dia, como mercadorias de lojas. Os compradores da marca incluem Electrolux e RD Saúde, entre outros. Ao todo, 120 veículos foram vendidos.

 

“Desde a pandemia, o last mile virou febre. Utilizamos muito mais serviços de entrega do que antes”, afirma o gerente de operações da empresa, Leandro Gedanken. (O Estado de S. Paulo/Guilherme Guerra)