O Estado de S. Paulo Online
De olho no crescente mercado automobilístico e de autopeças do México, a siderúrgica brasileira Gerdau estuda a viabilidade econômica de montar uma usina de produção de aços especiais no país. O objetivo é fornecer esse tipo de material para a fabricação de componentes e peças usados na montagem de veículos, principalmente pesados (caminhões e ônibus), que têm no aço especial sua principal matéria-prima.
O projeto da usina de aço mexicana prevê uma capacidade de produção de 600 mil toneladas por ano, segundo o CEO da Gerdau, Gustavo Werneck. A companhia não revela o montante a ser aplicado no empreendimento. “Ainda é cedo para falar”, diz ele, ao Estadão. Especialistas do setor estimam um valor entre US$ 500 milhões e US$ 600 milhões numa unidade desse porte.
Werneck disse que a empresa já vem há algum tempo avaliando essa possibilidade no México, onde a empresa já outras três operações de aços comuns — perfis estruturais, perfis médios e vergalhões — na região próximo à capital mexicana. Os estudos, bem como a decisão do investimento pelos acionistas da companhia, estão previstos para até o final deste ano.
As obras civis e de montagem devem ser iniciadas ainda em 2025, após escolha do local, compra de terreno e equipamentos e a contratação de empresas para executar os serviços. A previsão é de 24 a 30 meses para a conclusão da usina e o início da operação.
Segundo o executivo, à frente do grupo desde janeiro de 2018, o consumo desse tipo de aço no México vem subindo nos últimos anos e acelerou mais recentemente. Atualmente, soma 1,2 milhão de toneladas. O que mais chama atenção, afirma, é que 70% desse volume é atendido por importações. A própria Gerdau, a partir de suas operações já existentes de aços especiais nos EUA e Brasil, exporta volumes para clientes que estão no México.
Rafael Japur, vice-presidente de Finanças, diz que estimativas apontam que a demanda interna de aço especial pode chegar, alguns anos, a 1,5 milhão de toneladas por ano — o que, num primeiro momento, justifica o investimento em uma siderúrgica local. Ele destaca que isso se deve ao fato de o México estar recebendo muitos investimentos de montadoras e de fabricantes de autopeças.
Os anúncios abrangem desde montadoras de veículos — Nissan, Hyundai-Kia, Toyota, Stellantis, BMW e Tesla — até fabricantes de componentes e peças, como SKF, Dana GKN, JTEKT, Nexteer e Hirschvogel, entre outros, que já são clientes da Gerdau no país, EUA e Brasil. O executivo comenta que companhias chinesas também estão avaliando entrar no México.
Werneck afirma que outra vantagem local é o fato de o México participar da região formada pela América do Norte, contando com medidas de defesa comercial que “asseguram a competitividade da indústria nacional e condições justas de mercado”. O país, seguindo o governo americano, impôs tarifa de importação de 25% para aço oriundo da China e outros países. Além disso, diz, haverá uma política de conteúdo local (compra de bens e insumos fabricados na América do Norte).
Outro ponto mencionado por ele é que o país tem se beneficiado de maiores volumes de negócios com países vizinhos, principalmente EUA, o chamado “nearshoring”. Esse modelo ganhou força na pandemia e com as questões geopolíticas agravadas pelas guerras na Ucrânia e recentemente no Oriente Médio. Por meio de parcerias ou investimentos em novas geografias, as empresas querem aproveitar vantagens competitivas por ficarem próximas do mercado consumidor.
O CEO diz que a intenção de investimento nessa fábrica mexicana não tem relação com os problemas da entrada excessiva de aço estrangeiro no Brasil em 2023 e com a demora do governo local em adotar medidas de contenção de importações predatórias, em especial da China.
“A Gerdau já tem unidades de produção de aço especial no Brasil (Pindamonhangaba e Mogi das Cruzes, em São Paulo, e Charqueadas, no Rio Grande do Sul), com capacidade plena para atender a demanda no País.” Recentemente, diz, o grupo investiu R$ 700 milhões na instalação de novo equipamento e na modernização da usina de Pindamonhangaba.
Japur informa que o México já é o terceiro maior produtor de autopeças do mundo e o principal exportador desse produto para os EUA. Ele afirma que a previsão é o país montar 4 milhões de veículos pela primeira vez, em 2025.
Atualmente, a Gerdau tem duas usinas de produção de aços especiais nos EUA e mais duas unidades dedicadas a acabamentos desse tipo de aço para entrega aos clientes americanos — Monroe, Fort Smith, Huntington e Jackson. Com Brasil e EUA, o grupo dispõe de capacidade anual de 2,49 milhões de toneladas, sendo líder nas Américas e um dos maiores fabricantes do mundo nesse negócio.
Na montagem de veículos, um caminhão pesado chega a utilizar 1,5 mil quilos de aço especial, usado na fabricação de sistemas de transmissão, barras de direção, caixa de câmbio, suspensão, molas e outros componentes. Em tratores ou máquinas, são consumidos até 500 quilos e, num automóvel, cerca de 150. Uma motocicleta leva 15 quilos. Esse tipo de aço é também usado em projetos de energia eólica e solar e em equipamentos da agricultura, construção civil e de mineração.
A planta industrial no México, se aprovada pelo conselho, prevê produzir aço na forma de barras chatas e redondas, uma carência do México, que traz de fora. A Gerdau vai avaliar ainda, no estudo, se inclui a produção de fio-máquina (tipo de produto do qual se faz arames, pregos e vários outros itens). O objetivo é que o projeto seja montado na região central do país, próximo das demais unidades siderúrgicas da empresa no país. “Será 100% abastecida à base de sucata metálica, permitindo fazer aço com baixa emissão de carbono, além de processo produtivo moderno e alta tecnologia”, afirma Japur.
“Já aprendemos a operar no México, onde um dos nossos últimos investimentos foi a usina de Sahagún, que faz aços estruturais. Temos um parceiro local, o Grupo Corsa, que é minoritário”, comenta o CEO da Gerdau. Ele diz não ver risco político para o investimento pelo fato de ter eleições previstas no país para este ano, e também nos EUA.
A empresa conta ainda com as usinas de Tultitlán, que faz vergalhões, e La Presa, de perfis médios (mais leves), além de sete pátios voltados para coleta e reciclagem de sucata de ferro e aço.
A unidade de negócios de aços especiais, uma das quatro da siderúrgica, teve receita líquida de R$ 11,38 bilhões no ano passado, com produção de 1,42 milhão de toneladas. A unidade respondeu por 16,5% da receita total do grupo, que atingiu R$ 69 bilhões e teve Ebitda (sigla em inglês para lucro antes de juros, impostos, depreciação em amortização) de R$ 1,91 bilhão. Emprega atualmente mais de 6 mil pessoas nos dois países.
Importações de aço no Brasil
Sobre as medidas tomadas pelo governo brasileiro para minimizar as importações de aço, principalmente da China, Werneck avalia que foi um alívio, mas que não resolvem totalmente o problema da entrada de material estrangeiro, no elevado volume que se verificou no ano passado.
No caso da Gerdau, disse que as cotas definidas (média de volumes de 2020 a 2022, mais acréscimo de 30% sobre o volume) abrangem 25% das vendas no mercado doméstico. “Vamos ter que monitorar e avaliar os efeitos das medidas.” As importações de vergalhão, produto de relevância da empresa, por exemplo, não entraram nas cotas.
“As negociações mostraram que foi importante o governo e as empresas chegarem ao um entendimento. Diria que foi fundamental para a empresa manter seus investimentos no país”, declarou o executivo. Ele lembra que 63% do valor total de aportes definido pelo grupo no período 2021-2026, de R$ 11,9 bilhões, foram para projetos no Brasil — usinas de aço carbono, mineração de ferro e até expansão de florestas de eucaliptos (fabricação industrial de carvão vegetal para altos-fornos). Nesse percentual, não estão incluídos os R$ 700 milhões na usina de aço especial em Pindamonhangaba (SP). (O Estado de S. Paulo Online/Ivo Ribeiro)