O Estado de S. Paulo
Com foco na regulamentação da reforma tributária, empresas dos setores de mineração e petróleo se articulam para reduzir o impacto do novo Imposto Seletivo – o chamado “imposto do pecado” –, que incidirá sobre itens considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente, incluindo a extração de recursos naturais não renováveis. O tema será debatido em grupo de trabalho do Ministério da Fazenda, que deverá receber sugestões do setor privado. Em paralelo, o Congresso criou pequenos comitês para preparar os parlamentares para as negociações. O objetivo das mineradoras é barrar a cobrança sobre as exportações, para manter a competitividade do produto nacional, sobretudo do minério de ferro. Já as empresas de óleo e gás buscam reduzir a alíquota do tributo, de até 1% sobre o valor do produto. Os dois setores alegam também que pagam impostos específicos e ocorreria bitributação.
De olho na regulamentação da reforma tributária, os setores de mineração e de petróleo se articulam para tentar reduzir o impacto do novo Imposto Seletivo – o chamado “imposto do pecado” –, que incidirá sobre itens considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente, incluindo a extração de recursos naturais não renováveis. Pelo texto promulgado pelo Congresso no fim do ano passado, a alíquota será de até 1% sobre o valor de mercado do produto extraído.
Para as mineradoras, o essencial é barrar essa cobrança na exportação, com o argumento de preservar a competitividade do produto brasileiro, sobretudo do minério de ferro – responsável por quase 60% do faturamento do segmento. Se a negociação não avançar, o setor não descarta recorrer à Justiça. Já o esforço das empresas de óleo e gás busca estabelecer redutores para a alíquota do tributo, além de possibilidades de isenção completa.
Em comum, as duas atividades produtivas lançarão mão de discurso sobre risco de bitributação (dupla taxação), numa nova tentativa de sensibilizar o Ministério da Fazenda e o Congresso Nacional. A mineração alega que já recolhe bilhões de reais via royalties, mais especificamente por meio da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). Só no primeiro semestre de 2023, foram R$ 3,4 bilhões, segundo dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
Já o setor petrolífero argumenta que a cadeia é onerada pela Cide-Combustíveis, uma contribuição de caráter extrafiscal. Ou seja, que não tem como função principal a arrecadação, e sim estimular ou desestimular determinadas atividades – exatamente o mesmo princípio do Imposto Seletivo. Seria, portanto, na visão de entidades do setor, uma taxação duplicada, o que justificaria o pedido para estabelecer a isenção.
Discussões
O tema será debatido em um grupo de trabalho específico dentro do Ministério da Fazenda, formado por membros da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária e da Receita Federal. Após pressão do setor privado, esse grupo também contará com sugestões das entidades produtivas, que devem começar a enviar as propostas já nesta semana.
Em paralelo, o Congresso se organizou em pequenos comitês com o objetivo de preparar os parlamentares para as negociações, que prometem ser ainda mais espinhosas do que as da própria emenda constitucional que mudou o regime de impostos sobre bens e serviços no País.
“A questão central, para nós, e, se perdermos, não vemos outra saída que não seja peticionar os tribunais, é a (não) incidência do seletivo sobre a exportação. Isso nós não abriremos mão”, afirmou o ex-ministro e atual diretor-presidente do Ibram, Raul Jungmann. Para ele, tributar as vendas externas “não é um tiro no pé, e sim um tiro no peito”.
“Primeiro, porque estamos indo contra o princípio constitucional de não exportar impostos. E, segundo, porque vai tributar um dos principais produtos da pauta de exportação brasileira, responsável por cerca de 40% do nosso superávit (saldo positivo)”, diz.
Nas negociações com o governo e o Congresso, o setor também vai usar o argumento de que a mineração é a “indústria das indústrias”, ou seja, produz itens que servem de insumo para outras cadeias, como areia e granito para a construção civil ou fosfato e potássio para os fertilizantes do agronegócio. •
Outra preocupação dos empresários em relação ao Imposto Seletivo tem a ver com o valor da alíquota e a forma de cobrança: se será um porcentual uniforme ou se haverá diferenciação. O texto da reforma tributária promulgado pelo Congresso prevê taxação de até 1% sobre o valor de mercado do produto – redação que, na avaliação de entidades e parlamentares, abre margem para que determinados itens sejam excetuados.
Nessa condição, os minerais estratégicos – diretamente ligados à transição energética –, como lítio e nióbio, seriam fortes candidatos a entrar nessa lista de exceções. O problema é como realizar essa classificação. “Qual é a lista de minerais estratégicos? Os Estados Unidos, por exemplo, têm uma com 50 itens. Imagina a briga e o inferno que vai ser isso? Dizer o que é e o que não é estratégico”, diz o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Raul Jungmann, destacando a complexidade do tema e a dificuldade de regulamentação desse novo tributo.
Já os representantes da cadeia de óleo e gás passaram os últimos dias debruçados sobre a tributação do setor para buscar “atenuantes” à provável incidência do imposto – bem como brechas e falhas na nova legislação.
Um dos “atenuantes” que poderiam ser considerados é a petrolífera ter projetos ambientais, o que pode representar uma redução da alíquota. Outra possibilidade seria estabelecer critérios de reciprocidade no comércio externo. Ou seja: se o Brasil fosse exportar petróleo a um país europeu que tributa carbono (isto é, faz uso de um “carbon tax”, na sigla em inglês), haveria incidência do seletivo na extração. Mas, se fosse vender para a China, que não tem esse tipo de taxação, aí a matéria-prima seria isenta.
Efeito em outros setores
Outro aspecto a ser levado aos técnicos do Ministério da Fazenda é o fato de a reforma proibir a cobrança do seletivo nas operações com energia elétrica. Só que o gás natural é usado como combustível em diversas termoelétricas do País. Logo, a sua tributação inevitavelmente se refletiria no preço da eletricidade, dizem os executivos da cadeia, o que é apontado como contraditório.
Já em relação à eventual bitributação, além do acúmulo com a Cide, o setor teme que o seletivo incida em dois momentos: na extração do óleo e na comercialização da gasolina e do diesel, onerando a cadeia. Interlocutores ouvidos pela reportagem afirmam que esse será um ponto fundamental a ser barrado na regulamentação.
Por fim, os executivos do setor apontam a dificuldade de se estabelecer fatos geradores para a nova cobrança. Hoje, a tributação de bens ocorre na comercialização, quando há a transferência de propriedade. Há dúvidas, portanto, de como taxar uma etapa produtiva, no caso, a extração dos recursos naturais. (O Estado de S. Paulo/Bianca Lima)