O Estado de S. Paulo
O aumento das importações, que alcançaram participação inédita no mercado industrial do País em pelo menos 20 anos, está provocando uma corrida das empresas ao governo por medidas de proteção comercial. De 2023 para cá, 60 pedidos nesse sentido chegaram ao Departamento de Defesa Comercial – 18 deles só em janeiro deste ano, interrompendo quatro anos de queda nas queixas, informa Eduardo Laguna. Os importados já respondem por 23,4% dos itens industriais consumidos no País; nove anos atrás, eram 15,4%. As ações pedem a abertura de investigações por práticas desleais de comércio ou a prorrogação de medidas contra concorrentes no exterior. O principal foco são os produtos chineses. Dos 24 casos concluídos em 2023, nove tiveram o país asiático como alvo. Importadores reagem.
As importações alcançaram participação inédita no mercado industrial do País em, pelo menos, 20 anos e provocaram uma corrida das empresas ao governo por medidas de defesa comercial. Desde o ano passado, 60 pedidos chegaram ao Departamento de Defesa Comercial (Decom), a porta de entrada desses processos na Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
As petições têm como objetivo a abertura de investigações sobre práticas desleais de comércio ou a prorrogação de medidas (que têm prazos de vigência determinados) contra concorrentes no exterior. Quando essas investigações terminam com a conclusão de que um produto está entrando no Brasil com preços abaixo do normal, o que caracteriza um dumping, ou com subsídios sujeitos a medidas compensatórias, o governo aplica uma tarifa extra para proteger a produção nacional.
Só em 2023, 42 petições foram protocoladas, interrompendo quatro anos seguidos de queda no fluxo. No mês passado, outras 18 chegaram ao Decom, num sinal de que uma nova onda de pedidos de defesa comercial pode estar se formando. “Pelo número que já temos, sabemos que teremos bastante trabalho”, diz a secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres.
Pelos dados disponíveis, os produtos importados já respondem por um quarto do consumo nacional de itens fabricados pela indústria. De outro lado, importadores têm se mobilizado para impedir que novas sobretaxas tenham impacto nos custos internos (mais informações na pág. B2).
Por se tratar de processos ainda em aberto, não é possível saber qual é o alvo dos novos pedidos. Porém, pelas investigações concluídas no ano passado, é possível dizer que o principal foco nessas disputas tem envolvido os produtos chineses. De 24 casos – nem sempre com resultados favoráveis a seus peticionários –, nove (ou seja, mais de um terço) tiveram a China como origem investigada. As investigações tiveram como desfecho a manutenção de direitos antidumping sobre sete produtos chineses: vidros automotivos, pneus agrícolas, malhas de viscose, fios de aço, cordoalhas de aço, tubos de aço sem costura e ácido cítrico. Outras duas, sobre subsídios e dumping de cabos de fibra óptica da China, terminaram sem análise de mérito.
Com a recuperação decepcionante do consumo interno após as rígidas políticas de controle da pandemia, mais as restrições nos principais destinos de suas exportações – por causa da substituição dos produtos chineses e do impacto dos juros altos nas economias desenvolvidas –, a China está deslocando a sua produção, a preços mais baixos, ao resto do mundo. O calçado chinês, por exemplo, entrou no Brasil durante o ano passado a um preço médio, em dólares, 12% inferior ao valor de antes da pandemia. O dado é da Abicalçados, a associação que representa a indústria nacional de calçados.
Os itens importados estão se aproximando de um quarto do consumo nacional de produtos fabricados pela indústria. Mesmo com um câmbio não tão favorável para comprar do exterior, as importações responderam por 23,4% do consumo nos últimos dois anos, participação recorde em série estatística da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) iniciada em 2004. Nove anos atrás, estava em 15,4%.
O dado, que considera bens de consumo e intermediários, como peças e insumos industriais, corrobora uma tendência também apontada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que, na análise de números de 2022, já via a participação dos importados no maior patamar em duas décadas. Na conta da CNI, o coeficiente das importações (a parcela dos importados no consumo) chegou a 25,9%. Em 2019, antes da pandemia, estava em 23,4%.
Individualmente, as associações setoriais também relatam avanço das importações em seus mercados. Segundo a Abit (que representa a indústria têxtil), os importados, embalados pelas plataformas de e-commerce da China, já são 20% das compras de vestuário. No consumo de aço, as importações chegaram no ano passado a 18,6% do total, maior porcentual em 13 anos. Nos últimos dois anos, as importações de pneus deram um salto: aumento de 72% em quantidade.
A causa apontada por entidades industriais é a desindustrialização do País, com a substituição da produção nacional por importações em decorrência de distorções no sistema tributário, do custo de capital elevado e das deficiências em infraestrutura. Porém, a situação também se deve à adoção de tecnologias que a China vem tornando mais acessíveis, mas que ainda engatinham no Brasil, caso dos carros elétricos.
‘Perdemos espaço’
Conforme a CNI, o déficit comercial de produtos da indústria de transformação – ou seja, o quanto o Brasil importa a mais do que exporta – oscilou entre US$ 32 bilhões e US$ 61 bilhões nos últimos cinco anos. No mesmo período, produtos da agropecuária e da indústria extrativa ampliaram os seus superávits nas trocas com o exterior.
Para o economista-chefe da Fiesp, Igor Rocha, a indústria brasileira perdeu densidade em setores de média tecnologia, abrindo espaço para a entrada de concorrentes internacionais numa economia mais globalizada. “Seja na questão tributária, seja no acesso a custo de capital, o Brasil avançou lentamente. Então, perdemos espaço”, diz ele. “As políticas industriais voltaram com muita força, mas só vão ser efetivas com os pilares de custo de capital e tributação ajustados.”
Segundo a Abal, que representa a indústria de alumínio, um produto no qual 12% do consumo vem do exterior, as diferenças tributárias alimentam preocupações sobre a exposição do Brasil tanto aos desvios de comércio quanto às práticas anticompetitivas. Enquanto os produtos nacionais usados na metalurgia do alumínio suportam uma carga de 35,2%, o custo tributário dos mesmos produtos importados é de 22,4%, aponta a Abal. Para os produtos transformados de alumínio, a diferença é ainda maior: 34,3%, ante 15,3% dos importados. (O Estado de S. Paulo/Eduardo Laguna)