O Estado de S. Paulo Online
Mais uma disputa de cartas divulgadas nas mídias contra e a favor da extensão de incentivos fiscais para empresas do Nordeste e Centro-Oeste até 2032 ocorreu nesta última quarta-feira, 13, data em que estava prevista a votação do texto da Reforma Tributária, mas que acabou ficando para amanhã. O movimento reforça o racha entre as empresas do setor automotivo e, desta vez, teve apoio de governadores e sindicato de trabalhadores, cada um em lados diferentes.
A Stellantis, maior grupo automotivo do País que engloba Fiat, Peugeot, Citroën e Jeep, esta última com fábrica em Pernambuco, republicou um texto de página inteira que já tinha sido divulgado na semana passada com o título “O País inteiro cresce com o regime automotivo. E isto é bom para todos os brasileiros”.
A carta também é assinada pela Caoa/Chery e pela HPE/Mitsubishi, ambas com unidades em Goiás. Elas querem que o programa de incentivos fiscais, em vigor desde 1997 e previsto para terminar em 2025, sejam estendidos por mais sete anos.
O pedido da Stellantis ganhou reforço dos oito governadores que integram o Consórcio Nordeste, formado por Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí e Sergipe. Eles assinalam que o regime automotivo “é uma política eficiente de desenvolvimento regional, que vem contribuindo efetivamente para industrializar as regiões Nordeste e Centro-Oeste e deve ser preservada”.
Do outro lado, Volkswagen, General Motors e Toyota, todas instaladas no Sul e Sudeste, publicaram uma nova ‘carta aberta’ dirigida a deputadas e deputados com um questionamento no título: “Com a urgência para um mundo mais sustentável, é correto continuarmos com incentivos tributários para a produção de veículos a combustão no Brasil?”
O grupo já tinha feito manifestação semelhante no início de novembro e, agora, foi endossado, em outra carta, pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, entidade que alçou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no mundo sindical e, depois, no político. Os dois textos defendem que os incentivos terminem em 2025, como estava previsto na última renovação do programa, em 2018.
Uma ameaça é compartilhada nos dois lados das indústria automobilísticas. “Temos um caminhão de dinheiro para investir (na fábrica de Pernambuco), mas se o regime não for estendido teremos de rever nossos planos”, diz Fabrício Biondo, vice-presidente de Comunicação Corporativa na Stellantis América do Sul.
A companhia anunciou recentemente que, a partir de 2024, iniciará a produção de modelos híbridos flex em Goiana (PE) e, futuramente, de híbridos plug-in e elétricos. No ano passado, o grupo recebeu R$ 5 bilhões em crédito de IPI por meio do programa automotivo, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU).
Os investimentos futuros é que podem ser comprometidos, diz o executivo, para quem a empresa ainda precisa de mais tempo para maturar o projeto inaugurado em 2015 em Goiana (PE), assim como concretizar na região um polo com 100 fornecedores de autopeças. Hoje há 38 fabricantes de componentes ao redor do complexo.
Competitividade
“No próximo ano vamos anunciar nosso novo plano quinquenal de investimentos (para 2026 a 2030) e, se os incentivos forem prorrogados, teremos de reavaliar com nossa matriz”, afirma o presidente da Volkswagen do Brasil, Ciro Possobom.
Segundo ele, a matriz é que define onde é mais competitivo investir e, nesse caso, “uma única empresa beneficiada com incentivos fiscais no Nordeste tem 20% de redução de custos em relação às fabricantes do Sul e Sudeste, o que é desleal com a concorrência”.
O regime automotivo foi criado como forma de descentralizar as indústrias automotivas com oferta de descontos no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A Ford, com fábrica na Bahia, foi uma das grandes beneficiadas, mas, em 2021, encerrou suas atividades produtivas no País e demitiu todos os funcionários.
Suas instalações foram adquiridas neste ano pela chinesa BYD, que agora pode herdar os incentivos para produzir veículos híbridos e elétricos.
O texto inicial incluído na reforma tributária previa benefícios apenas para a produção de carros com novas tecnologias de eletrificação, mas, recentemente, foi alterado para incluir também modelos flex a combustão, o que gerou mais discordância entre as montadoras do Sul e Sudeste.
O texto enviado aos congressistas assinado pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Moisés Selerges, assinala que “a extensão do regime, que beneficia predominantemente uma única empresa, a Stellantis, gera uma catastrófica assimetria tributária no ambiente competitivo do Brasil, trazendo riscos de desinvestimentos e consequentemente desemprego nas demais montadoras de todo o País.”
Na primeira votação da reforma, a prorrogação dos incentivos foi retirada do texto. No Senado foi incluída novamente e, agora, cabe ao Congresso a nova votação. Os dois grupos de montadoras admitem que a disputa está acirrada. (O Estado de S. Paulo Online/Cleide Silva)