O Estado de S. Paulo
No auge das discussões acerca da necessidade de frear a exploração de combustíveis fósseis em todo o mundo, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defendeu que o Brasil não pode se envergonhar de seu potencial no setor e deve explorá-lo. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, ontem, na 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-28), que ocorre em Dubai, Silveira argumentou que os países ricos devem liderar os esforços de mudanças em suas matrizes energéticas. E defende a decisão do governo de aceitar o convite para integrar a Opep+, grupo criado pela Organização dos Países Produtores de Petróleo, que foi vista por ambientalistas como uma contradição num momento em que o próprio presidente Lula defendeu em seus discurso da COP-28, a redução do ritmo de uso de fósseis. “A grande força do Brasil é exatamente a sua pluralidade energética e não vamos nos envergonhar de termos o potencial também dos combustíveis fósseis”. Veja a seguir os principais pontos da entrevista.
Por que entrar na Opep+ nesse momento em que o mundo aponta para a necessidade de reduzir o uso de combustíveis fósseis?
É importante contextualizar o que vem acontecendo na transição energética global. O Brasil é sem dúvida nenhuma o grande líder da transição energética. Tem uma matriz de energia elétrica 88% limpa e renovável, muito em consequência das suas potencialidades naturais. O Brasil é o grande celeiro dos biocombustíveis e temos estimulado isso. A política pública liderada pelo presidente Lula enviou ao Congresso Nacional o programa que está sendo elogiado aqui na COP-28 como um dos mais modernos programas de descarbonização da matriz de transporte e mobilidade, que é o projeto “Combustível do Futuro”, que cria mandato por diesel verde, para o combustível sustentável de aviação, que cria regulamentação para captura e estocagem de carbono, que aumenta a participação do etanol na mistura da gasolina, aumentando a octanagem de veículos, mas também descarbonizando. Ou seja, o Brasil é o protagonista da transição energética global. Agora, o Brasil também é produtor de petróleo. E a grande força do Brasil é exatamente a sua pluralidade energética. A transição energética tem de ser vista por todos nós além da sustentabilidade, além da preservação do planeta. Isso nós já fazemos, nós temos a maior floresta tropical do planeta. O papel do Brasil, na minha visão e pelo que tenho visto nos discursos do presidente Lula, é agora dar um passo à frente disso.
Qual seria esse passo?
O Brasil terá dois fóruns extremamente qualificados para fazer. Um é o G20 e o outro será a COP-30, que o Brasil recepcionará (em 2025). O Brasil voltou a fazer a boa política, a política que senta na mesa para dialogar e discutir os problemas reais da sociedade. Portanto, nada pode ser óbice ao Brasil participar de mais um fórum qualificado de discussão de estratégias de países produtores (de petróleo) que querem, inclusive, achar um caminho seguro, estável, com previsibilidade para poder destinar os recursos advindos do petróleo para a transição energética, para investir em energias renováveis. O ambiente aqui nos países árabes, onde nós estamos fazendo esse debate, é de uma consciência de que as novas gerações estão vindo com o chip, com a mentalidade de que a salvaguarda e proteção planetária é uma necessidade. O petróleo, daqui a poucos anos, vai ficar para os jovens como o cigarro ficou décadas atrás. Vai ser algo que vai ficar no passado, mas ainda não está no passado. Por isso a palavra “transição energética”. Ninguém, em sã consciência, quer exigir mais sacrifício dos países do Sul Global, e especialmente de países como Brasil, onde a população já pagou o preço por ter uma matriz energética tão importante para o planeta. Nós queremos avançar na descarbonização? Sim. Temos feito muitas políticas públicas para isso? É verdade, temos feito. Os biocombustíveis do Brasil são para nós o que o petróleo é para Arábia Saudita.
O que está sendo feito?
Nós contratamos este ano R$ 16 bilhões de linhas de transmissão para fortalecer a transmissão do Nordeste e do Norte do Brasil para o centro de carga, que é o Sudeste. Vamos contratar mais R$ 20 bilhões em dezembro, mais R$20 bilhões em março de 2024. Ou seja, R$ 56 bilhões, algo como US$ 10 bilhões a US$ 12 bilhões de investimento em transmissão.Para que nós estamos fazendo essas linhas de transmissão? Para triplicar a capacidade do Nordeste brasileiro de receber investimentos internacionais em energia solar eólica e biomassa, que são energias limpas e renováveis. Nosso objetivo é reindustrializar o Brasil. O Brasil quer produzir essa energia para descarbonizar o planeta e fortalecer a sustentabilidade, mas quer que os países ricos e industrializados reconheçam a necessidade da transição.
O próprio presidente Lula disse que o Brasil não vai ‘apitar nada’ na Opep+. Não é uma utopia pensar que o Brasil vai pautar a discussão sobre energias renováveis num grupo de países produtores de petróleo?
O Brasil não pode ser negacionista, o negacionismo acabou quando o presidente (Jair) Bolsonaro terminou o seu mandato. E nós não vamos negar que as nossas fontes e a nossa prioridade energética são um fato. Então, nós não vamos nos envergonhar da nossa Petrobras. Não vamos nos envergonhar de termos o potencial também dos combustíveis fósseis no Brasil, e eles precisam ser explorados, porque o Brasil é um país onde as injustiças sociais ainda são muito latentes. O Brasil não quer ser exportador de commodities apenas, quer manufaturar sua soja, quer manufaturar o seu aço e vender o “aço verde” no mundo. Só que, para isso, precisamos fazer esse debate que estamos fazendo aqui na COP. Ao contrário do que muitos imaginam, que foi inoportuna a notícia de que o Brasil fará parte dessa plataforma de discussões (Opep+), vi como muito oportuno, porque levantou a discussão para um tema fundamental, que é a força diplomática do Brasil de representar os países do Sul Global na discussão da transição energética justa. (O Estado de S. Paulo/Paula Ferreira, Karla Spotorno)