O Estado de S. Paulo
Máquinas que não dependem de operador e “conversam” entre si, plantadeiras que se autorregulam para aplicar as quantias certas de sementes e adubos, pulverizadores que só liberam a quantidade de defensivo que aquela planta precisa, sistema de irrigação que leva água e fertilizante diretamente à raiz da planta. Uma revolução silenciosa muda os patamares de produtividade nas fazendas brasileiras com o uso cada vez maior de tecnologia e ferramentas digitais.
Conforme a Embrapa, o País avança rumo à agricultura digital, a chamada Agro 4.0, que emprega métodos computacionais de alto desempenho, rede de sensores, comunicação máquina a máquina, conectividade entre dispositivos móveis, computação em nuvem, métodos e soluções analíticas para processar grandes volumes de dados e construir sistemas de suporte à tomada de decisões na produção e manejo da propriedade rural. Engloba a agricultura e pecuária de precisão, a automação e a robótica agrícola, além de técnicas de big data e a internet das coisas.
Impulsionada pela internet, tecnologias desenvolvidas no Brasil permitem um sincronismo em todas as atividades no campo, com o produtor gerenciando de forma remota e com o máximo de desempenho as chamadas fazendas conectadas. São máquinas e equipamentos inteligentes, operando em rede, capazes de coletar e analisar as informações, otimizando processos ou identificando falhas e as corrigindo em tempo real. Ao melhorar a produtividade e eficiência no uso dos insumos, a inovação gera economia e menos impacto ambiental.
Dados da Conectar Agro, associação que tem a CNH Industrial como uma das fundadoras, apontam que, de dezembro de 2021 a maio de 2023, a cobertura de conectividade aumentou 132%, de 6,2 milhões para 14,4 milhões de hectares. O alcance da rede (banda estreita para internet das coisas) passou de 13 milhões para 29,2 milhões de hectares, cobrindo 525 municípios em 13 Estados. As pessoas beneficiadas passaram de 600 mil para 1,1 milhão.
Com o objetivo de mostrar como a conectividade aumenta a produtividade no campo, a Case IH, marca da CNH Industrial, criou em parceria com a operadora de telefonia TIM um laboratório de agricultura digital, no município de Água Boa, em Mato Grosso. O estudo, desenvolvido pela Agricef e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), analisou os resultados com base em eficiência agrícola, viabilidade econômica e sustentabilidade.
Com a produção de quase 12,9 mil toneladas de grãos, a safra 22/23 da fazenda-modelo foi 18% mais produtiva do que a safra anterior (sem conexão) e 13,4% mais produtiva do que a média do Brasil. Em comparativo com outra fazenda sem internet da mesma região, a conectividade aumentou em 3,5% a produtividade, resultando em 2,35 sacas de soja a mais por hectare em área de 3,2 mil/ha. Considerando a região de Água Boa, a produção foi 7,4% superior.
Economia
O uso eficiente de máquinas e frota proporcionado pela conectividade reduziu em 25% o consumo de combustível por hectare, representando uma economia de mais de R$ 300 mil. Houve ainda redução de 10% na emissão de “carbono equivalente” (quilos de CO2 equivalente por tonelada de grão produzida), calculado com base em aumento de produtividade, redução no uso de combustíveis e economia de fertilizantes. A eficiência operacional otimizada pelo sistema reduziu em 5,7% de motor ocioso das colheitadeiras e aumentou em 4,2% o tempo de trabalho.
Isso resultou em redução de três dias na janela de colheita. “Os dados nos mostram como a conectividade impacta efetivamente no resultado final da safra. O monitoramento em tempo real permite que dados se tornem informações e que a tomada de decisão seja mais rápida e eficiente”, disse Christian
Gonzalez, vice-presidente da Case IH para a América Latina. “A safra 22/23 da fazenda conectada foi mais eficiente, produtiva e sustentável, graças à conectividade”, completou. O retorno do investimento de R$ 1,4 milhão em antena, kit de telemetria para as máquinas e consultoria foi estimado em um ano e meio.
Máquinas inteligentes
O acesso à internet proporciona que todos os equipamentos, soluções, pessoas e resultados estejam conectados em todas as etapas do ciclo produtivo, no ecossistema da fazenda. Nesse caso, até as máquinas de construção da Case, que atuaram na abertura de valas e carregamento de insumos, estavam conectadas. O benefício se estendeu à comunidade do entorno. As duas antenas instaladas pela TIM facilitaram o dia a dia de mais de 25 mil habitantes de Água Boa, com sinal de internet para 27 escolas e universidades, além de 10 hospitais e unidades de saúde que não possuíam acesso à rede 4G.
No Brasil, muitas fazendas já adotam a conectividade na maioria dos processos produtivos. De acordo com o engenheiro agrônomo Felipe Zmijevski, responsável pela fazenda da Case IH, o sistema garante a padronização dos processos, melhor capacitação profissional e maior eficiência agrícola. “É um processo de longo prazo, que seguirá reunindo as mais avançadas tecnologias a que o produtor brasileiro pode ter acesso”, disse. A expectativa é de que até 2030, pelo menos 25 milhões de aparelhos estejam conectados à internet das coisas.
Mais tecnologia
Inovação e tecnologia são palavras de ordem dos fabricantes de máquinas agrícolas. A John Deere investiu globalmente em 2022 US$ 1,9 bilhão (por volta de R$ 9,3 bilhões) em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias que podem ser usadas desde o preparo do solo até a colheita, permitindo a análise de dados coletados em todos os ciclos das lavouras. O sistema de pulverização See Spray TM utiliza visão computacional e machine learning (conceito de inteligência artificial) para identificar e pulverizar inseticidas especificamente em ervas daninhas.
Essa solução reduz o uso de defensivos e torna a produção mais econômica e sustentável. Com tecnologias de controle, a linha de pulverizadores evita a sobreposição de áreas já pulverizadas. Em outra versão, o equipamento funciona por pulsação, uniformizando até o tamanho das gotas do insumo.
Já Massey Ferguson lançou o trator modelo MF 8S, que é equipado com o MF Conect, sistema de monitoramento de frota que, como em um carro de Fórmula 1, transmite todas as informações para uma central que ajuda o produtor a avaliar as condições da máquina. Tem ainda o MF Guide, piloto automático que trabalha em conjunto com a plantadeira para manter o paralelismo entre linhas. “Desenvolvemos uma solução de plantio inteligente, que entrega valor agregado e com menor impacto ao meio ambiente”, disse Alexandre Stucchi, diretor de vendas da Massey Ferguson. (O Estado de S. Paulo/José Maria Tomazela)