Desoneração do biodiesel gerou dependência da soja e não promoveu desenvolvimento regional

O Estado de S. Paulo Online

 

A política de desoneração do biodiesel do governo federal tem favorecido a produção de soja do País, sem diversificação das matérias-primas e nem aumento do número de agricultores familiares incluídos nesse mercado. É o que concluiu o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (Cmap) em relatório sobre essa medida, que só em 2022 custou R$ 2,9 bilhões.

 

O relatório da avaliação, ao qual o Estadão teve acesso, está sendo divulgado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento às vésperas da próxima reunião da 28º Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), que começa na próxima semana, em Dubai. Ele alerta que a dependência da soja traz desafios ao biodiesel no País.

 

Supporters of former Brazilian president Jair Bolsonaro (2019-2022) take part in a demonstration in Sao Paulo, Brazil, on November 26, 2023, for the democratic state and human rights of those arrested for the coup attacks at the National Congress and the Federal Supreme Court in Brasilia on January 8. (Photo by NELSON ALMEIDA / AFP). Foto: NELSON ALMEIDA

 

Na avaliação, a Cmap destaca que a obrigatoriedade de mistura do biodiesel ao diesel fóssil foi importante para ampliar a produção desse biocombustível, ajudando o País no desafio de cumprir compromissos ambientais de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) assumidos em Kyoto (1997) e reforçados, em 2015, no Acordo de Paris (2015).

 

Estudo de 2021 da Empresa de Pesquisa Energética indica que, sem o biodiesel, a concentração de partículas geradas pelo setor de transportes teria sido 4,8% maior apenas na região metropolitana de São Paulo.

 

A concentração da soja como principal-matéria prima, porém, inviabilizou a promoção da inclusão social e do desenvolvimento regional. Da produção total de biodiesel nacional, 85% vem das regiões Sul e Centro-Oeste.

 

Essa dependência também é colocada em xeque pelo critério de segurança energética, pois há forte determinação do mercado internacional nos preços praticados. O relatório conclui ainda que há dificuldades para rastrear a origem de matérias-primas, prejudicando a comprovação de práticas agrícolas sustentáveis.

 

A Política de Desoneração do Biodiesel foi criada em 2004 para incentivar a produção nacional e estabeleceu alíquotas reduzidas de contribuições para o PIS/Pasep e Cofins. A política também pretendia promover a inclusão social de produtores familiares e o desenvolvimento regional.

 

Um dos instrumentos para isso foi a criação do Selo Biocombustível Social (SBS), que permite ao produtor de biodiesel ter acesso a benefícios diferenciados, desde que atenda a determinadas contrapartidas. Entre elas, adquirir um percentual mínimo de matéria-prima de agricultores familiares, celebrar previamente contratos de compra e venda com esses agricultores ou suas cooperativas, além de assegurar preços mínimos, capacitação e assistência técnica.

 

Por utilizar como matéria-prima fontes como a soja, mamona, dendê, canola e girassol (dentre outras), o biodiesel é considerado um combustível biodegradável, de fontes renováveis. Ele pode substituir, total ou parcialmente, o diesel produzido a partir de petróleo em motores automotivos ou geradores de energia. Hoje, o Brasil é o segundo maior produtor mundial de biocombustíveis, atrás apenas dos EUA.

 

Dependência

 

Os técnicos do governo que fizeram a avaliação identificaram que concentração da soja na cadeia produtiva se deu porque o produto já contava com cadeias de produção e distribuição bem estruturadas, o que levou os produtores de biodiesel, em muitos casos, a se estabelecerem próximos aos polos produtores.

 

A dependência da variação do preço da soja no mercado internacional aumenta o risco de encarecimento do biodiesel em relação ao diesel, por fatores externos.

 

Com isso, a avaliação conclui que o critério de segurança energética é ameaçado “tanto pela volatilidade dos preços da soja quanto pela incerteza”, ressalta o relatório final. Essa dependência majoritária de uma commodity é verificada também em outros grandes produtores de biodiesel, caso dos Estados Unidos (soja), Alemanha (colza), Indonésia (palma) e Argentina (soja).

 

A secretária-adjunta de Monitoramento e Avaliação do Ministério do Planejamento e Orçamento, Mirela de Carvalho, informou que o ciclo de avaliação do programa foi feito em 2022 e divulgado agora. Segundo ela, a Receita projetou o custo da desoneração do biodiesel em R$ 2,9 bilhões em 2022. Esse é o subsídio tributário que o governo banca para ter essa política.

 

Para destacar a importância da avaliação, a secretária ressalta que o setor de transportes foi o responsável por 45,4% das emissões totais de gases em 2019 e o diesel de origem fóssil continua sendo o combustível mais consumido no Brasil.

 

Sobre as soluções para os problemas, ela aponta que é preciso agora discutir com outros ministérios envolvidos com o tema as saídas para os problemas diante do diagnóstico feito.

 

O foco das avaliações é melhorar a eficiência do gasto público e corrigir rotas. O Ministério do Planejamento criou uma Secretária de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas para dar “protagonismo” para essas avaliações que são feitas dentro do Executivo e fortalecer essa cultura nos órgãos públicos. As políticas são avaliadas em ciclos que podem durar até dois anos e escolhidas por meio de algoritmos. (O Estado de S. Paulo Online/Adriana Fernandes)