Brasil pode superar vizinho e se tornar 4º maior produtor mundial de lítio

O Estado de S. Paulo

 

O incentivo cada vez maior à produção de carros que não dependam de combustíveis fósseis traz uma grande oportunidade para a América Latina. Com quase 60% das reservas globais de lítio, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), a região pode despontar como área estratégica para a fabricação de baterias para os carros elétricos.

 

Há, no entanto, uma questão a ser resolvida nesse setor, que são os riscos ambientais trazidos pelo método de extração do metal, o que tem fomentado o debate sobre como mitigálos, segundo analistas consultados pelo Estadão/Broadcast.

 

A Argentina, a Bolívia e o Chile formam o chamado “Triângulo do lítio”, com 52% das reservas globais reconhecidas do metal. Apesar de deter as reservas, a produção mundial é liderada pela Austrália.

 

Presidente e fundador da Câmara Latino-americana de Lítio, Pablo Rutigliano diz que os países com os maiores recursos poderiam potencializar uma cadeia produtiva em torno do metal na região, além de integrar México, Peru e Brasil, nações também com reservas de lítio.

 

No Brasil, no entanto, o quadro é distinto, pois o lítio vem de formações rochosas, como as que ocorrem no Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais. Até hoje, o mercado tem domínio do lítio de salmoura, como o do

 

Chile e, mais recentemente, da Argentina. Mas Cunha ressalta o quadro no Brasil.

 

Oportunidade

 

Na avaliação de Cunha, tem sido pouco destacado no País “o tamanho da oportunidade”. Em menos de um ano, diz, o Brasil deve virar o quarto maior produtor global de lítio. Hoje, o País é o quinto maior produtor, com 2,2 mil toneladas, segundo o Ministério de Minas e Energia (MME).

 

Essa participação deve ser elevada com os projetos já em andamento no País. O ministério calcula que a produção de lítio e seus derivados pode receber investimentos de cerca de R$ 15 bilhões até 2030 apenas no Vale do Jequitinhonha. A região concentra 85% do lítio já identificado no País e vem sendo chamada de “vale de lítio” – área que envolve 14 municípios.

 

Segundo o ministério, estimativas do Banco Mundial mostram que a demanda global pelo minério deve aumentar quase 1.000% até 2050. “Por ser um metal leve, tem um alto potencial eletroquímico e uma boa relação entre peso e capacidade energética. Por isso, seu uso para as baterias de carros híbridos e elétricos é diferencial”, diz o órgão, em nota.

 

O maior projeto de extração de lítio no Brasil é o da Sigma Lithium, empresa criada aqui, registrada no Canadá, inscrita na Bolsa americana Nasdaq e que entrou recentemente na B3. O grupo iniciou operações comerciais em abril, nas cidades de Araçuaí e Itinga, no Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais, com investimentos de R$ 3 bilhões.

 

Outras duas empresas que já atuam na mineração de lítio em Minas Gerais, a Companhia Brasileira de Lítio (CBL) e a AMG Brasil, têm programas de ampliação para também disputar o mercado de baterias automotivas.

 

Além disso, três grandes mineradoras internacionais estão se instalando no Vale do Jequitinhonha – a americana Atlas, a australiana Latin Resources e a canadense Lithium Ionic, todas com projetos de produção sustentável, na linha do que vem fazendo a Sigma. Outra australiana, a Si6 Metals, adquiriu em julho 50% da Foxfire, companhia brasileira que comercializa áreas de mineração e detém ativos na região e em outros Estados. As gigantes Rio Tinto e Vale também avaliam projetos na região.

 

Temor ambiental

 

Diego Cacciapuoti, economista da Oxford Economics, destaca o risco de “consequências desastrosas para a segurança da água”. Como Tiago Cunha, gestor de Renda Variável da Ace Capital, Cacciapuoti menciona uma ameaça em especial para o Chile, com produção localizada em uma região com pouca água, o deserto do Atacama.

 

Alec Lucas, analista de pesquisa da Global X ETFs, lembra que há uma corrida entre mineradores de lítio para desenvolver novas técnicas a fim de reduzir a pegada ambiental, com tecnologias de extração direta do metal sem a necessidade de evaporação da água.

 

Argentina

 

Na Argentina – que realiza hoje o segundo turno da eleição presidencial, com disputa entre o governista Sergio Massa, atual ministro da Economia, e o libertário Javier Milei –, o setor de lítio é apontado como estratégico, por ser fonte de dólares e por seu potencial para crescer, ajudando a combalida economia local.

 

Analistas não esperam que o resultado eleitoral signifique uma reversão nesse processo, mas destacam que cada candidato pode representar ênfases distintas para o setor em geral.

 

Professor de Relações Internacionais na ESPM, Leonardo Trevisan afirma que o lítio é um dos elementos que marcam bem as diferenças entre os dois projetos políticos e econômicos. Ele diz que há 27 projetos de exploração do metal em andamento no país, e acredita que essa produção “sem dúvida” deve continuar a avançar, pois os dólares gerados pelas exportações são considerados cruciais para os dois candidatos.

 

Para Milei, provavelmente o metal deve ser usado para honrar compromissos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e credores internacionais, em um processo de “acomodação sistêmica”. O projeto peronista de Massa “é bem distinto”, por imaginar esses dólares e o próprio lítio como capazes de transformar o país num produtor de tecnologia.

 

Segundo Trevor Yates, da Global X ETFs, uma vitória de Milei poderia levar ao relaxamento de exigências para se fazer negócios e acelerar o desenvolvimento de projetos e trazer mais investimentos. Porém, Massa não seria ruim para o setor de lítio, pondera. (O Estado de S. Paulo/Gabriel Bueno da Costa e Cleide Silva)