Mercado vê alta crescente da dívida

O Estado de S. Paulo

 

A economia brasileira caminha para um horizonte delicado nos próximos anos. Na previsão de analistas, a dívida do País deve se aproximar de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) entre o fim desta década e o início da próxima. Se confirmada, essa conjuntura vai reforçar uma tendência bastante negativa para o Brasil. Isso porque o País já tem um elevado endividamento para uma economia considerada emergente.

 

“O nosso cenário básico é de uma dívida crescente”, afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências.

 

“E, por trás disso, está a dificuldade que o governo vai ter para chegar num resultado primário zero e fechar as contas.” Na previsão da Tendências, a dívida bruta deve chegar a 88,4% do PIB até 2029 e se estabilizar nesse patamar. Uma queda está prevista só para 2031, quando deve recuar para 88%.

 

“A dívida deve subir sem parar nos próximos 10 anos”, afirma Gabriel Leal de Barros, sócio da Ryo Asset e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI). Ele prevê o pico de 89,7% do PIB em 2031 e um recuo a partir de então, chegando a 87% do PIB em 2034.

 

Mais endividado do que países emergentes de economia similar – a média desse grupo é de uma dívida bruta de 57,7% do PIB, de acordo com a Tendências –, o Brasil acaba lidando com uma série de limitações. Tem, por exemplo, uma margem menor para reagir a choques externos e internos.

 

Para responder aos estragos provocados pela pandemia de covid-19, o País teve de ampliar os seus gastos com o objetivo de socorrer empresas e pessoas. De 2019 para 2020, a dívida bruta aumentou de 74,4% para 86,9% do PIB. “Com esse nível elevado, qualquer choque pode jogar a dívida para um campo muito mais complicado”, afirma Alessandra.

 

“Na década passada, houve um aumento muito forte de gastos e uma queda da arrecadação. Ou seja, o País começou a ter uma política fiscal mais expansionista. Passamos de um superávit primário para um déficit muito forte, e a dívida começou a subir”, diz Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank.

 

Dados divulgados na semana passada pelo Banco Central mostraram o aumento do estoque da dívida pública do País em setembro. A dívida bruta do governo geral alcançou R$ 7,826 trilhões no mês, o que representou 74,4% do PIB – ante 74,3% em agosto.

 

A dívida bruta do governo geral – que abrange o governo federal, os governos estaduais e municipais, excluindo o Banco Central e as empresas estatais – é uma das referências para avaliação, por parte das agências globais de classificação de risco, da capacidade de solvência do País. A economia perdeu o grau de investimento em 2015.

 

Para conseguir estancar o endividamento, o País precisa entregar em algum momento superávits primários – o resultado positivo entre receitas e despesas, sem contar o gasto com juros. Entre os analistas, essa conta varia, mas um saldo positivo ideal ficaria na faixa de 1,5% a 2% do PIB.

 

“Uma regrinha de bolso seria um superávit primário de cerca de 2%”, diz Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank. “Seria compatível com a estabilização da dívida, mas ainda estamos lutando para sair do negativo e ir para o zero.”

 

Quando apresentou o novo arcabouço fiscal, a equipe econômica prometeu entregar um resultado primário zero já em 2024 e chegar a um superávit de 1% do PIB em 2026. Mas esse plano de voo pode mudar.

 

No fim de outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil “dificilmente” atingirá o resultado primário zero no ano que vem. Com os indícios de que a economia brasileira deve desacelerar em 2024, ano de disputa eleitoral nos municípios, Lula tem deixado claro que não pretende fazer um controle rígido de gastos, como um contingenciamento. Já afirmou, por exemplo, que, “para quem está na Presidência, dinheiro bom é dinheiro transformado em obras”. Por ora, a sinalização é de que o governo deve propor um déficit de 0,25% ou 0,5% do PIB como meta para o ano que vem.

 

Popularidade

 

“Será preciso ver qual é a capacidade do Lula de aguentar a desaceleração econômica”, afirma Gabriel Leal de Barros, sócio da Ryo Asset e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI). “Desaceleração econômica bate em popularidade, e o governo pode tomar decisões que ampliam o risco fiscal para evitar isso.”

 

Os sinais de uma economia pior se somam à dificuldade do governo em colocar de pé as medidas arrecadatórias que foram enviadas para o Congresso. Com base no roteiro original, para zerar o déficit das contas públicas no ano que vem a equipe econômica depende dos parlamentares para conseguir ampliar as receitas em R$ 168,5 bilhões.

 

O que os economistas dizem, porém, é que ficou mais difícil para o governo conseguir melhorar o quadro das contas públicas apenas com aumento de carga tributária. O ideal também seria rever os gastos realizados.

 

“A gente chegou num ponto de carga tributária muito elevada no Brasil. A gente roda há 10, 15 anos com uma carga próxima de 33% do PIB”, diz Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter. “Existe uma incapacidade na economia de fazer mais aumentos de carga tributária.”

 

“Apesar de ter de um amplo espaço para cortar despesa, o governo fez uma escolha de fazer o ajuste via carga tributária. Pelas minhas contas, são R$ 700 bilhões de espaço para cortar em despesas em 10 anos, com reforma administrativa, fusão de políticas sociais”, acrescenta Barros.

 

O grande nó é que mexer em gastos passa por uma agenda impopular. Não há muito mais o que cortar de despesas discricionárias e o que o futuro reserva, de acordo com analistas, é um encontro com as despesas obrigatórias.

 

Barra mais alta

 

O cenário deve ser ainda mais difícil porque o governo tem patrocinado aumento de despesas. Garantiu, por exemplo, o ganho real do salário mínimo, que tem impactos nos gastos com Previdência e programas sociais, e reajustes para funcionários públicos. “O governo subiu a barra e está gastando mais em coisas que não consegue cortar”, afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências.

 

Pela regra desenhada no arcabouço fiscal, se o governo não cumprir a meta de resultado primário as despesas só poderão crescer 50% da variação de receita, em vez de 70%, como prevê o desenho original. A meta de cada ano tem uma margem de tolerância de 0,25 ponto porcentual para mais ou para menos.

 

Nas contas feitas por Rafaela Vitória, do Inter, o arcabouço é suficiente para devolver ao País um superávit capaz de estancar o aumento da dívida. “Considerando o desenho de hoje, a nossa previsão é chegar a esse superávit de 1,5% por volta de 2028”, afirma.

 

“O governo subiu a barra e está gastando mais em coisas que não consegue cortar. A dinâmica de gastos obrigatórios está pior do que a que a gente viu nos últimos anos”, Alessandra Ribeiro Economista da Tendências.

 

Resposta

 

O Ministério da Fazenda informou, por meio de assessoria de imprensa, que o “novo marco fiscal, as medidas para recomposição da base fiscal e para um melhor ambiente econômico, como reforma tributária e novo marco de garantias, permitem ao Tesouro Nacional estimar estabilização da trajetória da dívida em 2026 abaixo de 80% do PIB”. (O Estado de S. Paulo/Luiz Guilherme Gernelli)