Frota & Cia
Um dos maiores desafios para o transportador é encontrar motoristas qualificados e iniciativas para o desenvolvimento de mulheres são oportunidades para a redução desse problema, além de trabalhar a equidade
Nos últimos dez anos, o número de mulheres habilitadas com CNH Categoria E acusou um aumento médio 55,69% a cada ano, contra 5,16% dos homens. Apesar do forte avanço no período, a quantidade de mulheres que que obteve registro de habilitação na categoria em 2023 soma apenas 6.978 em todo o país, frente aos 673.776 homens na mesma condição, o equivalente a 1% do do total. Os dados são do Painel CNT do Transporte Rodoviário, atualizados até junho deste ano.
Ainda segundo o levantamento, o número total de motoristas com CNH Categoria E aumentou 6%, na comparação entre 2013 e 2023, enquanto os habilitados com a Categoria C cairam cerca de 47,58%. Tal realidade contrasta com a falta de motoristas vivenciada por grande parte das empresas de transportes nos tempos atuais, sobretudo profissionais mais experientes e qualificados que contam com habilitação na Categoria E.
Não sem motivo, diversos movimentos têm evidenciado a questão de gênero no transporte na tentativa de mudar esse cenário, não apenas em relação aos motoristas, mas em outros cargos dentro do setor. Uma iniciativa pioneira nesse sentido é o Movimento Vez&Voz do Setcesp, entidade que reúne as transportadoras de cargas de São Paulo e região.
Para a Presidente Executiva do Setcesp e idealizadora do movimento, Ana Jarrouge, iniciativas e ações como essas, mostrarão às mulheres as oportunidades que o segmento oferece. Além disso, atuar junto às empresas, como é o caso do Vez&Voz, e oferecer esse preparo para receber mulheres na operação, com todas as questões culturais envolvidas, é o melhor caminho para chegar à equidade buscada cotidianamente.
Com efeito, parte das dificuldade de atrair mulheres para o setor passa pela questão cultural, razão pela qual o setor se prepara para vencer tal resistência. Joyce Bessa, Head de Gestão Estratégica, Finanças e Pessoas da TransJordano, compartilha da opinião de que, o preparo estrutural é um caminho importante a ser levado em consideração. “A cultura expulsa as mulheres. A operação não consegue agregar. Muitas vezes, os clientes apoiam questões ESG, mas quando a mulher chega no setor de carga e descarga, não tem banheiro feminino, por exemplo”.
Na visão de Jarrouge, trabalhar em conjunto com as empresas, tanto transportadores quanto embarcadores, é o começo da melhora deste cenário. É nisso que consiste o Movimento Vez&Voz: conscientizar as empresas contratantes para que tenham estratégias concretas e assertivas para atrair, desenvolver e reter mulheres motoristas. “Temos que ter consciência de que não adianta abrir vaga para motoristas mulheres e exigir 5 anos de experiência, é preciso ter a compreensão de que elas precisam de oportunidade, preparo, capacitação e desenvolvimento. Só alcançaremos a equidade se for adotada uma estratégia genuinamente social, com propósito de mudança.
Além disso, ainda existe preconceito por parte das lideranças e dos próprios motoristas. Jarrouge e Bessa compartilham da mesma opinião, de que contratar mulheres não é tão simples, muito menos o suficiente. A mudança cultural começa no preparo da equipe, dos líderes, dos clientes, da infraestrutura e também da disposição para preparar essas mulheres para essa função que é, ainda, majoritariamente preenchida por homens.
“É necessário desenvolver para incluir no mundo do trabalho”, é nisso que acredita Salete Marisa Argenton, Gerente Geral da Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte (FABET). A organização é pioneira na formação de mulheres motoristas para diversas categorias e perfis de operação.
Segundo Argenton, muitas empresas ainda apresentam resistência para investir na formação especializada para mulheres. Mas, felizmente, algumas já olham para este cenário e encontram o primeiro passo para a solução da questão da inclusão da mulher no mercado e também da falta de motoristas.
Joyce Bessa ressalta o quão desafiador tem sido a contratação e manutenção de motoristas para o transporte de combustíveis, por exemplo. “As contratações continuam, sempre temos vagas abertas”. A empresa hoje conta com 550 motoristas em seu quadro de funcionários para a especialidade, sendo apenas 12 deles mulheres. O cenário discrepante, no entanto, é reflexo do próprio mercado de trabalho.
A dificuldade na contratação esbarra na questão da formação e também do perfil exigido para o tipo de transporte, além das questões culturais já mencionadas. Como madrinha de um curso de formação de mulheres motoristas da FABET, Bessa explica que sempre busca mostrar quanto além essas mulheres podem ir, chegando, por exemplo, na direção de um veículo pesado ou carga perigosa, se assim for da vontade dela.
“Eu vou nas turmas de fechamento, converso com elas exatamente para inspirar e movimentar essas mulheres a acreditarem nesse sonho, e dizer que nós contratantes estamos prontos para aceita-las quando elas estiverem aptas para isso”.
Nessa direção, a Ipiranga, em parceria com a FABET, custeou o curso “Operação Mulher Motorista, que trabalha na formação de mulheres para o transporte de combustível. A iniciativa de formação é 100% financiada pela empresa embarcadora e oferece bolsa-auxílio. Além disso, contou com o número recorde de mais de 300 mulheres inscritas. A primeira turma do curso iniciou no dia 25 de outubro.
Luciana Domagala, Vice-Presidente de Pessoas e Sustentabilidade da Ipiranga, enfatiza que o programa acredita na “capacidade das mulheres em desempenhar funções de alto risco na mesma proporção que os homens”. Além disso, uma das motivações para o curso foi a demanda por profissionais qualificados para o setor. “Identificamos nisso uma oportunidade de proporcionar qualificação para mulheres e ampliar a empregabilidade em nossa indústria”.
Para Salete, “projetos desta natureza vão muito além da responsabilidade social das organizações. São projetos que cumprem uma agenda de sustentabilidade, mas acima de tudo garantem a geração de mulheres empoderadas e capacitadas para exercerem a atividade com competência, entregando resultados em segurança, eficiência e produtividade, permitindo a independência econômica para elas e a construção de carreiras solidas”.
O mercado precisa “beber da água de outros rios”, de acordo com a executiva da TransJordano. “A falta de motoristas já existe, por que buscar só homens, brancos, 50 anos, todo mundo igual? Vamos buscar essas mulheres que querem e têm esse sonho”. (Frota & Cia/Priscila Ferreira)