Empresa brasileira torna-se pioneira em economia circular

O Estado de S. Paulo/Mobilidade

 

Quando utilizada corretamente, a bateria de veículos elétricos é personagem central da economia circular, prática que recupera recursos naturais de forma sustentável. Com a transição energética em pleno desenvolvimento na indústria automotiva, algumas empresas já se mobilizam para reaproveitar o material descartado do primeiro ciclo de vida desses equipamentos. Fundada em 2016, a Energy Source não perdeu tempo. Segundo o CEO David Noronha, a companhia foi pioneira no mundo ao adotar a estratégia de gerenciamento de resíduos conhecida como “três erres” – iniciais de reduzir, reciclar e reutilizar –, concentrada em um só lugar, na cidade de São João da Boa Vista (SP). A Energy Source começou suas atividades fabricando baterias de ion-lítio de aplicação estacionária na garagem de 10 m2 da chácara de Peter Mattiesen, ex-sócio de Noronha. “São baterias de baixo custo, com material proveniente de aparelhos celulares, tablets, eletroeletrônicos e bicicletas elétricas”, afirma Noronha. “Elas fornecem energia, por exemplo, para placas fotovoltaicas e para iluminar pequenos estabelecimentos comerciais, e têm vida útil três vezes maior do que as baterias de chumbo.” A demanda crescente criou o primeiro problema para a Energy Source: a falta de matéria-prima. Dessa forma, em 2018, Noronha viajou aos Estados Unidos a fim de prospectar fornecedores.

 

Produção na China 

 

A empresa evoluiu, firmou acordos com montadoras, passando pelas homologações exigidas, e, hoje, ocupa uma área industrial de 5 mil m2 e 60 colaboradores – entre técnicos e engenheiros –, responsáveis pelo trabalho de reparo, reuso e reciclagem de baterias de automóveis movidos a eletricidade. Por causa das dificuldades de fornecimento de material e da pandemia, a Energy Source deixou de produzir baterias estacionárias no Brasil, em 2020. Atualmente, elas são fabricadas por uma firma parceira na China. “Desde o início das atividades, a Energy Source já produziu 10 MW/h (megawatt/ hora), o equivalente a 2 mil baterias”, diz Noronha. “Em 2024, o volume será de 3 MW/h, destinado ao mercado brasileiro.”

 

Materiais críticos 

 

Com formação em tecnologia da informação (TI), Noronha percebeu que a reciclagem da bateria era uma prática quase inexistente no setor automotivo. Então, em conjunto com a Universidade Estadual Paulista (Unesp) de São João da Boa Vista, ele desenvolveu e patenteou uma maneira inédita de reciclagem com baixo impacto ambiental. Assim, a empresa estreou o serviço de reciclagem em 2020, mesmo ano da parceria com a BMW, que solicitou os serviços de reúso e que resultou em uma pequena estação de recarga off grid (que não tem conexão com a rede de distribuição de energia). O executivo conta que, com o avanço dos carros eletrificados no País, a Energy Source entrou definitivamente no radar das fabricantes ao executar mais um “erre” da sustentabilidade: o reparo de baterias dos modelos elétricos da Renault. “Esse trabalho dura de dois a cinco dias, e, geralmente, são consertos de módulos, conexões e da carcaça do componente”, explica. A Volvo também consta da relação de clientes que solicitaram operações de reciclagem. “As próprias montadoras nos incentivaram a ampliar a área de atuação ao reconhecer nossa expertise de manusear as baterias com total segurança.” Afinal, o processo de reciclagem desses equipamentos dos veículos elétricos separa elementos críticos, como lítio, níquel, cobre e cobalto. “De 95% a 97% do material é reaproveitado”, destaca. “A vantagem da economia circular é justamente a de não descartar praticamente nada.”

 

Filiais no exterior 

 

A empresa contabiliza 700 toneladas de baterias recicladas até o momento, mas o número tende a aumentar quando o Brasil tiver uma frota de automóveis eletrificados mais consistente. Esse número chegou a 184 mil unidades, em setembro. Todo o material que passa pelo ciclo da reciclagem é reinserido nas indústrias químicas e de fertilizantes, metalúrgicas etc. Além disso, 5 toneladas de baterias foram reparadas. Noronha garante que, apesar do manuseio de tantos materiais críticos, não há risco de contaminação,* pois a Energy Source segue todos os protocolos de proteção ambiental. “Já investimos R$ 10 milhões em equipamentos industriais e da área química desde que saímos da modesta garagem onde a empresa nasceu”, afirma. A mais recente ação da Energy Source foi a inauguração de uma estação de recarga com a Jaguar Land Rover (JLR) em uma concessionária da marca no Rio de Janeiro. As baterias de segunda vida usadas pertenciam a um Jaguar I-Pace, que sofreu perda total depois de um acidente. O projeto envolve a captação de energia solar utilizando painéis fotovoltaicos instalados na concessionária. A energia fica guardada no banco de baterias de ion-lítio retiradas do I-Pace e que ainda ofereciam grande potencial de armazenamento de carga. “A JLR mostra-se muito ágil na tomada de decisões sustentáveis, porque já vem adotando políticas importantes de descarbonização”, depõe. Consolidada em sua atuação no setor automotivo, a Energy Source estuda, em um passo seguinte, produzir baterias para os veículos elétricos. E Noronha prepara sua próxima cartada: a internacionalização da empresa. “Nossa meta é abrir filiais em países da Europa e da América do Sul, em 2024”, planeja. (O Estado de S. Paulo/Mobilidade/Mário Sérgio Venditti)