Governo diz que ‘erosão tributária’ é obstáculo para déficit fiscal zero

O Estado de S. Paulo

 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, voltou a se queixar ontem do que chama de “erosão da base tributária”, que afeta a arrecadação do governo federal e que, segundo ele, precisa ser corrigida com apoio do Legislativo e Judiciário.

 

Haddad se referiu a perdas observadas pela Receita Federal com um dispositivo inserido na Lei Complementar 160, aprovada em 2017, e que permitiu às empresas abater dos impostos federais benefícios tributários obtidos nos Estados. Segundo o ministro, a medida fez com que a renúncia tributária saltasse de um patamar de R$ 39 bilhões para R$ 200 bilhões neste ano. No ano passado, disse Haddad, a renúncia registrada foi de R$ 149 bilhões. “Essa é uma das razões pelas quais a arrecadação do governo federal vem sofrendo forte prejuízo”, disse.

 

A brecha, segundo o ministro, será corrigida com a Medida Provisória 1185, editada em agosto, e que, após um acordo político com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi convertida em projeto de lei com regime de urgência para ser votada.

 

A expectativa é de que o relator na Câmara seja designado ainda nesta semana, mas há forte resistência ao tema no Parlamento, o que já levou a Fazenda a rever parte do projeto que reduziu a arrecadação prevista.

 

O ministro também sublinhou a perda de arrecadação registrada pelo governo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) com a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Sem citar nomes, Haddad afirmou que só uma fabricante de cigarros deixará de pagar R$ 4,8 bilhões em impostos federais com a decisão. Ele acrescentou que essa é a razão pela qual as estimativas de receita não estão ocorrendo na velocidade esperada, mesmo com o PIB crescendo.

 

‘Sabotagem’

 

O ministro disse que levou esses números ao presidente na semana passada, e que isso teria levado à fala de Lula na sexta-feira passada, quando disse que a meta de zerar o déficit público em 2024 não será alcançada. “O presidente constatou, com base nos números, que esses ralos fiscais, esse gasto tributário, está num patamar exagerado em função dessas decisões tomadas em 2017, cuja repercussão está ocorrendo agora. Então, quando falam ‘o presidente está sabotando o País’, não; o que está acontecendo é que o presidente está constatando problemas advindos de decisões que precisam, as que podem, ser reformadas”, afirmou Haddad.

 

O Estadão perguntou ao ministro qual era o nome da empresa. Em resposta, Haddad sugeriu que a reportagem “fizesse o seu trabalho”. A empresa em questão é a Souza Cruz.

 

No dia 13 de maio de 2021, o STF decidiu que a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins valeria a partir de 15 de março de 2017, quando o julgamento do tema foi concluído pela Corte, e que iria retroagir apenas para quem ingressou com ação judicial ou administrativa antes dessa data. São cerca de 12 mil processos. Esse julgamento foi chamado de “a tese do século”.

 

Procurada, a British American Tobacco Brasil, dona da Souza Cruz, informou em nota que “o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em março de 2017, que todos os contribuintes do País têm o direito de excluir o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins”.

 

“A decisão tem efeito vinculante e, por isso, o direito à restituição pela companhia foi garantido após o trânsito em julgado de uma ação individual, seguindo o entendimento do STF. Cabe esclarecer que o valor é referente ao recolhimento indevido realizado durante cinco anos e é proporcional ao volume de tributos pagos pela empresa.” Ainda segundo a companhia, em 2022 a British American Tobacco Brasil recolheu R$ 11 bilhões em tributos no Brasil. (O Estado de S. Paulo/Adriana Fernandes e Mariana Carneiro)