O Estado de S. Paulo
Trace um roteiro de 16 quilômetros pela costa de Miami, e as opções de compras de luxo são infinitas. Mas, da Fendi à Missoni, passando pela Porsche e pela Bentley, os produtos de marca que muitos consumidores estão comprando não são itens que possam ser levados para casa. São imóveis.
O mercado imobiliário de marca está crescendo. A oferta de unidades em condomínios de luxo de marcas famosas deve crescer 12% a cada ano até 2026, de acordo com um relatório da consultoria imobiliária global Knight Frank.
Assim como os fabricantes de jeans azuis e os designers de bolsas, as incorporadoras imobiliárias conhecem há muito tempo o poder de uma marca e hoje, em quase todas as grandes cidades dos Estados Unidos, é possível comprar imóveis de marcas conhecidas do setor hoteleiro, como Four Seasons e Ritz-Carlton.
Agora, nomes mais surpreendentes estão embarcando na tendência, com fornecedores tanto de carros de luxo quanto da alta costura procurando por imóveis para aproveitar a nova oportunidade de mercado.
Em Sunny Isles Beach, uma cidade pacata e cheia de resorts no condado de Miami-Dade,
os imóveis com nomes em negrito incluem torres de apartamentos como a Porsche Design Tower, a Residences by Armani Casa e, em breve, a Bentley Residences, que até 2026 crescerá em direção ao céu, com um exterior de vidro cujo design com losangos (ou diamantes) são identificados instantaneamente pelos fãs da montadora britânica.
Todos eles são criações do mesmo homem: Gil Dezer, que há mais de uma década aposta discretamente nessa oportunidade, expandindo suas parcerias com marcas conforme os valores dos imóveis de Miami subiam.
“As marcas de automóveis de hoje não querem ser apenas marcas de automóveis, mas também marcas de estilo de vida”, disse Dezer, que fechou uma parceria com a Porsche em 2012. “O mesmo vale para tudo, de tacos de golfe a óculos de sol. E tivemos sorte o bastante de conseguir entrar no mercado imobiliário.”
Dezer sabia que, para o projeto ser um sucesso, precisaria pensar fora da caixa. “A Porsche não é um nome que correlacionamos exatamente com o setor imobiliário”, afirmou.
Elevador
O edifício, que foi iniciado em 2014 e inaugurado em 2017, tem a mesma energia masculina elegante e turbinada dos salões de automóveis que Dezer frequentava quando criança com o pai. Não há acesso exclusivo para pedestres. Os visitantes chegam sob um arco em tons de grafite com as palavras Porsche Design na fonte característica da montadora, a 911 Porscha.
Eles podem estacionar e entrar no saguão arejado e decorado com o mesmo bronze, vermelho e preto do logotipo da Porsche, ou continuar em seus veículos no elevador de carros patenteado do edifício, chamado de Dezervator, que transporta carros e motoristas pelos 60 andares até as garagens nas alturas.
Esse elevador – que acomoda os carros atrás de uma parede de vidro de frente para cada apartamento – é “o destaque” do edifício, disse Stefan Buescher, CEO do Porsche Lifestyle Group, em um comunicado. “Foi uma decisão natural transferir nossos princípios de design exclusivo para o mundo dos imóveis”, disse ele.
Dezer gastou US$ 480 milhões (por volta de R$ 2,4 bilhões) na construção da Porsche Design Tower, onde as 132 unidades custam entre US$ 4 milhões (R$ 20,1 milhões) e US$ 32 milhões (R$ 160 milhões). Ele estima que 10% de seus gastos tenham sido destinados apenas à produção do Dezervator. Segundo ele, foi um dinheiro bem gasto.
“No começo, fiz isso porque pensei no quanto seria legal ter seu Porsche, ou sua Lamborghini, ou seu Bugatti na sala de estar”, afirmou. “Mas o que realmente aconteceu foi que as pessoas começaram a comprar unidades pela privacidade. Porque, se você mora em um condomínio, principalmente quando é famoso, a coisa mais irritante é passar pela entrada principal ou lidar com o manobrista. Demos um jeito nisso.”
Compradores
O reconhecimento da marca fez Juan Pablo Verdiquio, de 46 anos, dono de uma incorporadora imobiliária com sede em Miami, fechar negócio e se mudar para uma unidade de três quartos na Porsche Design Tower em 2017.
Agora, ele tem entre seus vizinhos Lionel Messi, Alicia Keys e Swizz Beatz. Como alguém que é dono de alguns Porsche – ele dirige um Taycan e a esposa, um Panamera Turbo –, ele sentiu que a compra do imóvel vinha com um selo de qualidade pré-aprovado no mercado disputado de Miami.
“Há milhares de novos apartamentos sendo construídos todos os anos aqui, então, escolher um de uma marca que eu conhecia parecia uma forma de manter o valor a longo prazo”, disse Verdiquio. “Do ponto de vista financeiro, gostei muito que tivesse a marca da Porsche.”
Carlos Rosso, dono de uma incorporadora imobiliária de luxo em Miami, disse que os compradores estão cada vez mais adotando a lógica de Verdiquio ao comprar imóveis, aumentando o poder do legado das marcas que passam a investir no setor.
“Estamos todos no mesmo mercado (em busca) de compradores, e estamos todos tentando diferenciar nossos produtos”, afirmou. “Todo edifício residencial precisa contar uma história, e a marca é uma maneira de não ter de fazer isso. Você está se associando a uma marca que já é familiar.”
Como chefe da Rosso Development, ele atualmente está focando na Standard Residences, em Midtown Miami, uma torre de apartamentos de 12 andares que pretende atrair compradores aproveitando o clima descaradamente desinibido da rede Standard Hotels, talvez mais conhecida pela filial em West Hollywood, onde modelos esbeltas e bronzeadas descansavam em uma caixa de acrílico atrás da recepção.
Em 2014, Rosso também fechou uma parceria com Dezer para a Residences by Armani Casa, uma torre de apartamentos de 56 andares a poucos passos da Porsche Design Tower. O edifício foi inaugurado em dezembro de 2019. O próprio Giorgio Armani foi responsável pelo design das tapeçarias e dos tecidos, e escolheu a dedo os móveis.
O resultado é um yin oposto ao yang da Porsche. Enquanto a Porsche Design Tower tem uma vibe de milionário que encontrou seu espaço para relaxar, com todas as bordas nítidas e tons primários ousados, a Residences by Armani Casa é feminina e exuberante, com papel de parede floral discreto e mobiliário com curvas e em tons de cinza-castanho e ouro.
Nova aposta
Agora, Dezer está voltando sua atenção para a Bentley Residences Miami, prevista para começar a ser construída ainda este ano, onde era o Thunderbird Motel de Miami, que foi erguido na década de 1950 e demolido em junho.
O edifício de 62 andares à beira-mar, disse ele, terá os serviços oferecidos na Porsche Design Tower, mas irá turbinálos: serão quatro elevadores Dezervator, garagens que podem abrigar três ou quatro veículos e piscinas externas privadas em cada uma das 216 unidades.
Os apartamentos com vista para o mar também terão chuveiros ao ar livre. As áreas comuns incluirão um bar Whisky Macallan, um restaurante do chef Todd English e um salão de charutos. As unidades têm preços entre US$ 5,5 milhões (R$ 27,6 milhões) e US$ 35 milhões (R$ 175, 8 milhões).
“As pessoas estão em busca de algo único”, disse Ian Reisner, vice-presidente da Dezer Development. “Não há um milhão de torres da Porsche no quarteirão – apenas uma. Agora, vamos fazer ainda melhor com a Bentley.”
Para os colecionadores de carros que querem transmitir cavalos de potência a suas casas, Miami oferece outras opções. No centro da cidade, as 391 unidades da Aston Martin Residences, atualmente em construção e com conclusão prevista para o fim do ano, estão quase todas vendidas.
A torre de 66 andares tem o formato de uma vela de barco curvada e brilhante, com unidades de US$ 6,5 milhões (R$ 32,6 milhões) até US$ 59 milhões (R$ 296,4 milhões), pela cobertura triplex, que vem com seu próprio Aston Martin Vulcan, um hipercarro raro avaliado em US$ 2,3 milhões (R$ 11,5 milhões).
O edifício, que se autodenomina “um carro transformado em arranha-céu” em seu site, pretende incorporar um zeitgeist atemporal aprovado por James Bond. Segundo German Coto, CEO de uma incorporadora, quando ele for inaugurado “será apreciado por aqueles que valorizam um estilo de vida de luxo exclusivo”.
Todos esses imóveis, disse Clelia Warburg Peters, sócia gerente do Era Ventures, fundo de capital de risco imobiliário focado em tecnologia, são playgrounds de marcas para pessoas ricas, e devem se multiplicar à medida que o mercado imobiliário continua aquecido.
“Estamos vivendo em uma nova ‘era dourada’, e há muitas pessoas ricas”, disse ela. “No passado, a principal forma de diferenciar ativos de luxo era com a localização. Mas há um número limitado de lugares verdadeiramente nobres”. (O Estado de S. Paulo/Debra Kamin)